Há algumas semanas finalmente pude publicizar uma pequena mudança de rumo na minha vida: eu agora faço parte do corajoso time de mulheres donas de livrarias em Porto Alegre.

O convite veio no início do ano: os amigos Lobo e Samanzuca, fundadores da Brasa Editora, vendo a necessidade de ampliação do espaço físico da empresa, decidiram abrir uma loja, uma livraria com um café. Pra encarar essa empreitada feita com muito amor e pouco dinheiro,  convidaram três outros amigos para tocar esse projeto: o cartunista Rodrigo Geraldi, o cozinheiro e livreiro Tiago Magalhães e eu.

Inicialmente, pensamos em um prédio na República, mas a negociação deu pra trás, adiamos os planos. Na sequência,  surge um casarão na José do Patrocínio, esquina com a Joaquim Nabuco, casarão que por anos abrigou a ONG Guayi e agora ostenta lindamente a cor preta em sua fachada, certamente um dos espaços mais belos e chamativos do entorno.

Inauguração adiada por causa da enchente – que inundou simultaneamente o meu bairro, o bairro onde moravam Lobo e Samanzuca e o bairro onde fica a livraria, onde por semanas só era possível passar de barco, finalmente em 21 de junho conseguimos inaugurar, num evento que acabou se tornando muito maior do que a gente esperava, tomando totalmente a esquina com nossos amigos e admiradores do trabalho da Brasa.

Estamos num momento de reconstrução no Estado, que teve inundações severas em 87% do seu território, ocasionando perdas financeiras e materiais grandes, para além do afetivo e dos danos à memória, além de vítimas fatais entre adultos, crianças, idosos, animais. Todo o país voltou os olhos para o RS, numa junção de esforços e solidariedade comovente.

A inauguração da Loja da Brasa vem nesse momento em que todos aqui nos esforçamos para manter viva a esperança de um futuro.

E para mim, essa proposta desafiadora que se concretizou no meu pior momento emocional e financeiro tem um gosto todo especial. Como ativista que construiu de certo modo toda a sua trajetória fora daqui, e como escritora que raramente viu seus livros à venda em livrarias da sua própria cidade, organizar e estar à frente de um espaço pra mim tão especial traz a possibilidade de não apenas ter seu livro à venda e sempre exposto com algum destaque mas também a de organizar um espaço com obras escritas por trabalhadoras e trabalhadores sexuais.

O nosso espaço para a literatura putafeminista, mas não apenas – nem todas as trabalhadoras sexuais escrevem sobre feminismo, nem todas defendemos as mesmas pautas e ter essa diversidade por aqui nos interessa muito. A escrita de si, assim como a escrita sobre nós, precisa estar disponível, somos um grupo social e laboral historicamente ignorado e, na contramão dessa tendência, somos cada vez mais pessoas publicando sobre suas vivências na prostituição, sobre direitos e temas que nos são tão caros, mas deveriam ser caros também para essa sociedade, que nos joga para baixo do tapete mas não vive sem nosso trabalho.

E, de certo modo, talvez essa sociedade não nos ignore de propósito: há pouca boa vontade dos livreiros em relação ao tema – e vou falar agora especialmente de Porto Alegre mas sabendo que não é caso isolado. O receio de críticas e cancelamento eu suponho que esteja bem presente.

Então, tomo essa responsabilidade para mim, que já fui cancelada por aqui: a curadoria de obras sobre o tema do nosso trabalho.

Em breve teremos por aqui a biografia de Fátima Medeiros, fundadora da APROSBA, de Leo Tenório, homem trans e trabalhador sexual recifense. A Editora Merda na Mão promete para os próximos meses a biografia de Frida Carla, conhecida como a advogada mais ousada do Brasil, e sediaremos o debate de lançamento.

E como não poderia deixar de ser, em breve teremos debates sobre o Putafeminista, livro que completa seis anos esse mês e ainda um grande desconhecido para os porto-alegrenses.

Esse tema precisa deixar de ser tratado como maldito. Não há nada mais presente na vida dessa sociedade do que as acompanhantes!