A internet surgiu nos anos 1990 como uma revolução no acesso à informação. O que começou com sites e blogs logo evoluiu para a Web 2.0, caracterizada pela interatividade, onde os usuários passaram de consumidores passivos a criadores de conteúdo. Nesse cenário, as redes sociais surgiram no início dos anos 2000 com a promessa de encurtar distâncias e conectar pessoas de maneira inédita, proporcionando um espaço onde todos poderiam se expressar livremente

No entanto, o que inicialmente parecia uma utopia digital, repleta de possibilidades democráticas e de inclusão, rapidamente se transformou em um ambiente onde a vigilância e a manipulação se tornaram predominantes. As chamadas big techs – grandes empresas de tecnologia que controlam as principais plataformas sociais – assumiram o papel de guardiãs dos dados pessoais de bilhões de pessoas. Nossas preferências, medos, desejos e até segredos mais íntimos agora estão nas mãos dessas corporações, que utilizam essas informações para maximizar seus lucros.

Com o tempo, o que deveria ser uma ferramenta para unir as pessoas, hoje, muitas vezes, as divide, exacerbando polarizações e amplificando a disseminação de desinformação. O modelo de negócios dessas plataformas, que se baseia na captação e análise de dados para a venda de publicidade direcionada, tem evoluído para um sistema que muitas vezes prioriza a desinformação. Isso ocorre porque conteúdos sensacionalistas ou polarizadores tendem a gerar mais engajamento, e, consequentemente, mais receita publicitária. Este fenômeno, ao colocar o lucro acima de considerações éticas, representa uma ameaça direta à democracia.

Os exemplos são alarmantes. Nas eleições americanas de 2016, a campanha de Donald Trump usou publicidade segmentada no Facebook para desinformar e suprimir a participação eleitoral de minorias. Na Índia, em 2019, o Facebook foi acusado de favorecer o partido governista com taxas menores para anúncios eleitorais. No Brasil, durante as eleições de 2022, plataformas autorizaram centenas de anúncios com conteúdo antidemocrático, culminando em uma tentativa de golpe de Estado.

Em 2024, cerca de 2 bilhões de pessoas vão votar em mais de 65 eleições ao redor do mundo. No Brasil, as eleições municipais de outubro estão trazendo à tona preocupações sobre desinformação e discurso de ódio nas redes sociais. Ativistas do movimento Year of Democracy alertam que o Brasil pode enfrentar novamente campanhas de desinformação e discursos de ódio, principalmente online. 

Apesar dos ataques de 8 de janeiro de 2023 à Praça dos Três Poderes, as big techs ainda não implementaram mecanismos eficazes para combater essa violência no Brasil. Os relatórios De Olho Nos Dados são fruto de uma pesquisa comparativa importante para mostrar que estes mecanismos já existem e precisam estar disponíveis em nosso país o quanto antes.  

A campanha “RESPEITA O BRASA“, lançada recentemente pelo movimento Sleeping Giants Brasil, pressiona as big techs a adotarem medidas mais transparentes e eficazes contra a desinformação e o discurso de ódio, especialmente durante as eleições municipais de 2024. A ausência de legislação e transparência é um dos motivos para cobrar que grandes fundos de investimento como Vanguard e BlackRock exijam que essas empresas apliquem no nosso país as mesmas ferramentas de moderação e transparência utilizadas no Norte Global.

Observamos a importância da construção de legislações específicas, nacionais e regionais, que obriguem as plataformas a produzirem relatórios sobre as suas ações relativas às demandas cívicas e à garantia da saúde democrática, além da necessidade de obrigatoriedade da implementação de ferramentas e vias de acesso seguras para que pesquisadores possam investigar as plataformas preservando os direitos dos usuários. 

A luta por uma internet mais segura, justa e democrática é uma responsabilidade de todos nós. Somente através da mobilização coletiva conseguiremos transformar o que hoje se configura como uma distopia digital em um espaço verdadeiramente benéfico para a sociedade e para a preservação da democracia.

*O colunista Humberto Ribeiro escreveu este artigo em parceria com Carlos Albano, jornalista e estrategista de comunicação.