Crônica #30M: As ruas e os corações
O que se está em jogo, eles sabem muito bem, vai além de meros descontentamentos, mas justamente a mola propulsora para todas as suas aspirações: o que se está em jogo é o futuro, com a eminência de morte de uma educação.
Pelo Estudante NINJA, Leon da Cruz
Quando no dia 15 de maio o tsunami estudantil varreu as mais diversas cidades de todo o país, foi compreensível a surpresa de uma parte da sociedade com a magnitude da mobilização, até mesmo aquela ligada intrinsecamente com as pautas reivindicadas nas ruas. E mesclado a isso, um conceito um tanto óbvio de deja-vú tomou as percepções de outros que já ansiavam por tal atitude. Pois são tantos os absurdos do atual governo com que nos deparamos diariamente, mesmo em relativo pouco tempo de atuação, tantas atitudes com uma falta de bom senso gritante, nos constrangendo de tal forma, que naturalmente faz os corações mais pulsantes e as mentes mais sensatas e irrequietas não verem motivo em não ansiar por ao menos uma grande manifestação de descontentamento a cada semana do mês. Não seria nada além de um dever cívico, é claro, por parte daqueles que ainda honram a sua cidadania e, principalmente, sua dignidade.
Desencadeada a grande mobilização, o orgulho foi geral (não tendo como ser diferente) porém acompanhado com uma espécie de nostalgia antecipada ou um pessimismo tardio em relação aos próximos passos daquele gigante que prometia se erguer.
No passado, ameaças semelhantes de levantes contundentes foram reveladas posteriormente um alarme falso. Eis um fantasma que a um tempo assombra uma parcela desse povo. Por isso, talvez já passasse da hora de exorcizá-lo de uma vez.
No dia 30 do mesmo mês, ninguém sabe ao certo quando aquele foco de pessoas na candelária, em pleno centro do Rio de Janeiro, se alastrou tomando aquela amplitude majestosa, resultando na mobilização antes um tanto duvidável em um incontestável sucesso, fazendo as névoas de inseguranças e de dúvidas infundadas se dissiparem com a mesma velocidade que surgiram, como a bruma de uma manhã de inverno diante da Aurora implacável e irredutível.
As brigadas estudantis sob o comando da razão e inspiradas nas ideias dos grandes mestres, como a imortal e atemporal memória de Paulo Freire, presente em seu legado que vive em cada um daqueles que enxergam a educação como um meio para a libertação plena, marcham armados de um ideal pungente, sonhos a ter e com sede de liberdade para ser tudo quanto se for possível desejar.
O que está em jogo, eles sabem muito bem, vai além de meros descontentamentos, mas justamente a mola propulsora para todas as suas aspirações: o que está em jogo é o futuro, com a eminência de morte de uma educação já tão frágil e a completa destruição dos sonhos de um dia se obter uma de qualidade, tendo ela sido sequestrada pelos terroristas do mercado e seus milicianos no poder e mantida em cativeiro, constantemente ameaçada e sob a condição para suposta libertação o pagamento em uma peculiar moeda de troca: a aprovação de uma nefasta reforma da previdência.
Sendo este um governo perpetrando claramente a velha política de terrorismo de estado contra seus cidadãos, os estudantes, os professores, os trabalhadores sabem bem o que se propõem a enfrentar, e por isso, nem um movimento nas ruas é irrelevante, independente da proporção ou magnitude. O movimento constante, tal como o rio correndo para a imensidão do mar, é a vida plena em um momento fúnebre, é o farol nesta escuridão representativa, o poder indubitável da esperança concretizado. E isso sim todos os envolvidos passaram a entender.
Ali, secundaristas descobrindo a própria voz e seu poder, certeza tinham de se fazer serem escutados; os universitários, endurecidos pela realidade frustrante das atuais condições das universidades públicas, tentando limita-los a qualquer custo, mas tomados pela ternura fraternal da velha camaradagem originária dos campus em “balbúrdia”, prevaleciam com a determinação no olhar, a força na voz decidida e a atitude de quem sabe estar a desempenhar o papel decisivo no desenlace histórico; ergueram-se os universitários de faculdades privadas, não apenas armados com a empatia e solidariedade necessárias, mas com a consciência de que sem a educação de qualidade como um todo, não há perspectivas para um futuro edificante; também os cotistas que, mais do que ninguém, sabem o poder de boas políticas públicas voltadas para o ingresso no ensino superior dessa parcela enorme de jovens e adultos, levantam os punhos, chamam a luta para si, lado a lado, determinando que ninguém tá ali por acaso. Eu estava lá entre eles, e falo com toda certeza que ninguém desse lado há de ceder espaço ou dar descanso pro governo nas questões das políticas públicas de ingresso nas universidades sem uma boa peleja. Isso é mais do que nítido na disposição pra luta que tem os que vieram de baixo, assim como eu, os que ascenderam graças a uma distribuição justa de parte de tudo aquilo que lhes é devido.
Ninguém quer esmolas, junto aos trabalhadores dos mais variados segmentos, todos só querem aquilo que lhes pertence por direito.
Aqui o povo manda, e o governo, se tiver algum juízo, há de obedecer.
Tantas bandeiras diferentes, tantas cores, mostram lindamente a força da coesão em meio a diversidade social, provam a capacidade do jovem progressista de adaptação e atualização, coisa que os conservadores – fracos por natureza – odeiam simplesmente por serem incapazes de desenvolver.
O brado “resistência” nunca fez tanto sentido: resistimos às investidas do medo expresso em ódio, pois nossa capacidade de amar transcende a toda insegurança; resistimos ao flerte de parte da sociedade com a estagnação mental, pois sabemos que as mudanças são necessárias, o mundo nunca foi e nunca haverá de ser estático; resistimos ao retrocesso sendo esta a única proposta do atual governo, pois já chegamos longe demais pra pensar em voltar ao que nem deixa saudades.
A “raça pura” burguesa se dilui a cada afronta do brasileiro com consciência de classe, do trabalhador disposto, do estudante atento.
Aqui, a pátria é muito mais que uma bandeira, e muito mais que determinadas cores ou uma camisa de futebol: aqui a pátria é gente! Gente que impulsiona a força vital da sociedade, que abala as estruturas quando se depara com o insustentável, é quem decide o desenvolvimento histórico de todo um povo. A pátria somos nós!
Somos os jovens que sabem estar indo pra uma batalha mortal e se sentindo em casa com isso, as ruas são nossa casa (por direito); somos uma única família.
Quem vive e se deixa guiar pela bolha ideológico – cibernética, mundo envolto de mitos por temer a realidade perturbadora, aqui não se cria, não se demora. Apenas passa, com a rédea atrelada ao crânio, o ódio abraçado ao coração, e o medo a adornar-lhe a mente.
Eis o que nos torna tão diferentes. Pois o desconhecido progresso nos incendeia a alma, fazendo-nos ansiar em transpor os horizontes que já alcançamos e desbravamos.
A esta altura, as dúvidas que pesaram o coração nada mais significam diante das ruas incendiadas de amor e desejos.
Nem um passo atrás será dado! Há muito que fazer. E a nossa juventude com os sentidos a transbordar da alma é o combustível de toda a revolução. A vitória nos aguarda, a natureza clama pela guinada e conspira a nosso favor. E contra as armadilhas da pressa e consequente ansiedade, há que se lembrar do imortal Rimbaud: “podemos estar vivendo uma temporada no inferno…mas na Aurora, armados de uma ardente paciência, entraremos nas cidades esplêndidas.”
14 de junho já irradia seu brilho triunfante no horizonte, camaradas. O além é a sorte a que nos lançamos. Os trabalhadores estavam conosco nos dias passados, e por questões de honra e compromisso, lá estaremos nós com eles também, braços dados, ombro a ombro. Somos um só!
Até a vitória!