Em 1859, o inglês John Tyndall comprovou que a temperatura da terra era conservada pela presença de gás carbônico e vapor d’água na atmosfera. Quase 40 anos depois, em 1896, Svante Arrhenius, químico, ganhador do prêmio Nobel, calculou os efeitos possíveis da queda do gás carbônico (ou seu aumento) na atmosfera. Desde Tyndall a controvérsia sobre a participação humana no aquecimento global foi levantada.

Hoje, a amplíssima maioria da comunidade científica concorda que a queima de combustíveis fósseis e de florestas são os principais responsáveis por emissões de Gases de Efeito Estufa (GEEs) que impactam o clima e desencadeiam eventos extremos com maior frequência, e mais devastadores. Um suporte para essa afirmação, é que por centenas de milhares de anos o CO2 (um GEE) presente na atmosfera não ultrapassou o número de 300 partes por milhão (ppm). Contudo, da Revolução Industrial até os dias de hoje, esse número se elevou para cerca de 430 ppm.

Ainda que alguns setores queiram obscurecer o debate, não há dúvidas que os efeitos da insensatez humana nos atingem frontalmente e o exemplo em curso são as chuvas no Rio Grande do Sul. Para o cientista brasileiro Carlos Nobre, chegamos a um ponto que não tem mais volta. 

Sendo assim, não é possível imaginar que a solidariedade humana, no caso brasileiro fundamentado na caridade cristã, seja o suficiente para encerrar as mazelas causadas por fortes chuvas, secas intensas ou quaisquer outros fenômenos com potencial destrutivo, como estamos vendo nas terras gaúchas. Ações dessa natureza são importantes, porém, administram de imediato as necessidades urgentes de quem se encontra na miséria, mas não estabelecem condições futuras de mitigação dos danos.

O Brasil anda na contramão daquilo que indica a ciência. Ao invés de se preparar para eventos previsíveis e produzir condições para enfrentar tais desafios, as ações políticas estão aquém das nossas necessidades e orquestradas, majoritariamente, pela mais nociva ideologia política de todos os tempos, o neoliberalismo.

Seguindo as premissas liberais, o recurso para o combate aos desastres e calamidades foi paulatinamente diminuído. Dimitrius Dantas nos mostrou que a parcela destinada à resposta a desastres do Governo Federal foi reduzida a um terço na última década. Importante ressaltar que nos anos de 2023 e 2024 a previsão orçamentária voltou a ser recomposta.

Afrouxamento das leis de proteção ao meio ambiente, desestruturação dos órgãos de fiscalização e controle, inoperância dos institutos de pesquisa, impulsionamento do desmatamento através de discursos governamentais com apoio da mídia hegemônica e a redução do orçamento para questões ambientais foram escolhas políticas que se avolumaram nos últimos dez anos e quem seguiu à risca tais sugestões foi precisamente o governador Eduardo Leite, acompanhado pela maioria dos prefeitos, vereadores, deputados e senadores daquele estado.

Se Carlos Nobre está certo e a crise climática se impõe como realidade, no mínimo, é urgente que construamos políticas públicas sólidas capazes de mitigar os danos. As fortes chuvas do Rio Grande do Sul não vão tirar férias por 83 anos novamente. Ao contrário, de acordo com o instituto de Meteorologia (InMet) é perceptível o aumento das precipitações nas últimas décadas, o que indica que eventos dessa magnitude tendem a ser mais frequentes.

Nesse sentido, as características climáticas se configuram como crises por um par insolúvel para o modelo de desenvolvimento que abraçamos desde a Revolução Industrial. De um lado a ineficiência estatal em sanar os prejuízos e rastros de destruição, de outro a incapacidade do Estado em estabelecer uma verdadeira revolução nas relações de consumo  que reduzam drasticamente a emissão de GEEs, para assim evitar o agravamento das condições climáticas do planeta. Dessa maneira, as escolhas políticas se apresentam como embrião da crise climática.

Daí surgem perguntas: em toda catástrofe o povo vai pagar a conta com vaquinha? Nossos impostos não serão usados para isso e pagaremos pela segunda vez? Não serão aplicados recursos à infraestrutura? Haverá planejamento? Caso Eduardo Leite não responda esses questionamentos com políticas públicas adequadas, não vai faltar oportunidade para o exercício da caridade.

É impressionante a comoção nacional e a solidariedade com as vítimas do desastre no Rio Grande do Sul, são milhões de reais recolhidos em campanhas virtuais, cestas básicas, cobertores, roupas, sapatos e doações de toda sorte. A pronta resposta do povo às emergências climáticas se mostram mais eficientes que a política vinda do Palácio Piratini. 

No entanto, como alertado, é com planejamento orientado por estudos técnicos e pareceres científicos  e investimento em fontes renováveis de energia, melhoria do sistema de transporte, limitação da expansão do agronegócio e a promoção de mais unidades de conservação que poderemos enfrentar os efeitos da crise climática, mesmo que o governador do Rio Grande do Sul acredite que “Vaquinhas” sejam suficientes. Fosse ele comprometido com a verdade, seu slogan de arrecadação seria “Faça pelo Rio Grande do Sul o que o governo do estado não fez”.

O futuro chegou! As consequências estão aqui. Não temos o privilégio do tempo, como teve John Tyndall, para avaliar se o planeta herdará os efeitos destrutivos da ação humana à serviço do capitalismo. A lógica do lucro acima de tudo para alguns, ao custo da qualidade de vida de bilhões, mais que nunca deve ser enfrentada, essa é uma necessidade política para mitigar os efeitos de uma crise climática que tem a impressão digital humana nas suas causas.

Em suma, enfrentar a crise climática requer não apenas solidariedade em tempos de desastre, mas sim um compromisso firme com políticas públicas robustas e investimentos significativos em energias renováveis, conservação ambiental e adaptação às mudanças climáticas. É hora de abandonar a complacência e agir com determinação, reconhecendo que cada um de nós tem um papel a desempenhar na proteção do nosso planeta e das futuras gerações. A escolha é clara: agir agora ou arcar com as consequências devastadoras da inação em um futuro próximo, se é que esse futuro ainda não chegou.

Por Arnaldo de Castro @prof_arnaldo