Essa coluna é a primeira do ano de uma série de mudanças que farei em relação ao meu conteúdo. Quero trazer algumas provocações sobre assuntos diversos envolvendo diversidade e inclusão, falar mais sobre migração e construção de carreira na tecnologia, trazer histórias e entrevistar pessoas e criadores de conteúdos. Enfim, há uma infinidade de assuntos que vou trabalhar por aqui.

E falando sobre histórias e pessoas, quero começar essa coluna com a Viviane Miranda.

Vivi é atriz, criadora de conteúdo e comediante do Rio de Janeiro. Tem 30 anos, se considera ansiosa, metódica e ambivertida. Largou o mundo corporativo para se dedicar ao que mais gosta: contar histórias e fazer as pessoas rirem. Em suas redes sociais faz esquetes de humor sarcástico – e quase sempre ácido – sobre millenials, terapia, feminismo e mercado de trabalho. Aguarda ansiosamente pelo convite de algum streaming para produzir sua série autoral, que será uma versão menos boa de Fleabag. Instagram: @aquela.miranda

“Como a falta de espontaneidade no mundo corporativo me reaproximou do humor”

Por Viviane Miranda

Foto: arquivo pessoal

Rio de Janeiro, dia de sol. Uma sala muito clara, muito limpa e muito sem personalidade. Um processo seletivo de empresa em sua pior etapa: a dinâmica de grupo.

Recebi um papelzinho, tipo post-it, para escrever alguma coisa que uma das funcionárias do RH havia pedido. Era uma atividade interativa que, depois, seria compartilhada com os demais candidatos à vaga. Olhei para os lados, todos muito empenhados. Queriam conquistar aquele cargo – que não tinha nada de incrível – provavelmente nem mesmo o salário. Eu estava desempregada, deveria ter a mesma motivação que os outros. Mas simplesmente não conseguia me sentir empolgada com aquela vaga..

Aquele ambiente, a forma como as pessoas conduziam a dinâmica, o tom de voz… tudo me soava pouco espontâneo. “Por que as pessoas não falam de uma forma normal?”, eu me questionava. Elas estavam ali tentando vender a ideia de que aquele “emprego dos sonhos” só seria conquistado por pessoas com “muito sangue nos olhos, sentimento de dono, pró-ativas”, e toda aquela baboseira que eu nunca acreditei. (Mentira, quando eu vendia curso de inglês numa empresa escrota, eu achava que ficaria rica se me esforçasse o suficiente e ganhasse a comissão miserável de 10 matrículas por mês somadas ao meu salário quase mínimo na época).

Mas voltando à dinâmica da sala estéril: Peguei a caneta, olhei novamente pros lados e chamei a profissional de RH que estava conduzindo a dinâmica: “Oi, então, eu tô desistindo, tá? Não me identifiquei muito não”. Peguei minha bolsa – e meu privilégio de poder desistir de um emprego – e saí.

Isso viria a se repetir em muitos momentos da minha vida – não necessariamente desistir da vaga, mas de me sentir absolutamente inadequada.

Sempre soube que meu lugar era nas artes. Gostava de inventar motivos para me expressar e aparecer para os outros. Na época da escola, eu escrevia peças – de gosto bastante duvidoso – para apresentar para meus colegas e professores. A mais célebre de todas, que teve prestígio de grande público na Semana de Arte, Ciência e Cultura do Colégio de Aplicação da UFRJ foi uma paródia de “A Branca de Neve”, em que os Sete Anões eram traficantes. Foi um sucesso enorme. Ainda bem que minha escola era laica e progressista.

Eu tive vários empregos na vida, sendo a maioria deles, como diria a norma culta da língua portuguesa, arrombados. Salários baixos, péssimos benefícios (quando existiam) e chefes com uma admirável falta de inteligência emocional. Tirando poucas exceções, o trabalho formal corporativo nunca gostou muito de mim, mas eu achava que essa era a única opção viável de ganhar dinheiro para uma pessoa de classe média.

No entanto, eu sempre sentia que estava deslocada e perdendo tempo nesses empregos. Não estava dando o melhor de mim para o mundo: Contar histórias através do humor sarcástico, coisa que eu naturalmente já fazia na minha vida e nos palcos.

Ok, eu tô falando da minha vida, mas era pra falar do meu processo criativo, afinal foi para isso que a Tatiana me cedeu esse espaço (Tati, desculpa!). Mas é impossível falar do meu processo criativo sem falar da minha vida pessoal.

Essa situação da dinâmica de grupo poderia facilmente se transformar numa esquete, por exemplo. Fazer humor sobre o mundo corporativo – coisa que eu acreditava que seria motivo do meu cancelamento – fez com que meus vídeos viralizassem nas redes sociais. As pessoas vêm se identificando muito com as esquetes “farialimer”, e a minha hipótese é de que o mundo do trabalho, no geral, ficou insalubre. Pouca espontaneidade, uma performatividade de hiper-eficácia, busca incessante por auto-otimização e uma sensação de estar sempre atrás.

Eu sei. Não é fácil.

Mas como suportar isso? Existem alguns recursos possíveis, o que funcionou para mim – sendo uma mulher branca de classe média, sem filhos e sem dependentes, o que me possibilitou também planejamento financeiro – foi o HUMOR (e muita terapia, claro).

Criar esquetes de humor ou enxergar comicidade em situações corriqueiras exige distanciamento e mudança de perspectiva. E foi o que eu buscava fazer nas minhas observações durante o trabalho, tentando rir de mim mesma e daquelas pessoas para não levar a situação tão a sério.

Personagem Faria Limer Fintech

E de onde surgem as minhas ideias? De onde vem a minha criatividade? Racionalmente, seria difícil dizer. Mas eu criei um método que me ajuda a organizar o caos que vem de dentro da minha cabeça. O método Miranda. Mentira, não tem nome nenhum. Eu inventei agora. Mas ele existe!

Basicamente, eu tenho ideias nos momentos menos convencionais possíveis: passeando com o cachorro, tomando banho, fazendo cocô, ou cozinhando.

Geralmente, ela vem em forma de imagens, como se uma novelinha passasse pela minha cabeça, uma cena de sitcom muito rápida se revelasse na minha mente e dali eu consigo desdobrar algumas premissas cômicas.

Instagram /aquela.miranda

Outro dia, estava eu no meu banho noturno quentinho (eu sou metódica, preciso sempre tomar banho antes de dormir) e banhos são excelentes momentos para se ter ideias boas: você está pelado, relaxado, no silêncio da água corrente, na mais bela solitude da vida de classe média. Tudo bem, pode ser que as suas primeiras ideias sejam uma bela bosta. Pode ser que você ache ela genial e no dia seguinte, tenha vergonha de ter nascido por ter escrito algo tão insuportavelmente ruim.

Mas pode acontecer de você acordar e achar a ideia até que simpática. E quando isso acontece, EUREKA! Você tem uma premissa para uma esquete.

Voltando ao banho, eu estava lavando a cabeça (errado! não lave o cabelo antes de dormir) e percebi que eu não sabia se já tinha lavado a cabeça. Mas por que eu não tinha certeza se já havia passado o shampoo? Porque eu penso demais, toda hora, o tempo todo. E sempre são coisas absolutamente fundamentais para a manutenção da minha vida: 1. com quantas pessoas já transei? 2. Será que fiz cocô hoje? 3. Será que eu lembro da fórmula de Bhaskara que a professora Daniella me ensinou na matemática da sétima série? Etc, etc, etc…

De repente, tcharam! Eis que as musas inspiradoras do Olimpo me iluminaram novamente: “Isso pode virar uma esquete”. Agradeço a Dionísio e a todos os deuses do Teatro pelo presente e imediatamente saio do banho pelada, pingando, e deixando o meu cachorro super confuso para anotar no meu celular. Sim, a ideia poderia se perder. É de extrema importância que ela seja registrada no momento que você teve a inspiração. Ou seja, sempre anote sua ideia.

Não julgue, anote. Deixe pra julgar depois, no dia seguinte.

O dia seguinte geralmente é quando você vai escrever uma estrutura para a premissa daquela esquete, quando você vai criar o roteiro. E às vezes, na hora de criar o roteiro, você percebe que sua premissa é fraca, sua piada final não é envolvente o suficiente e a ideia é uma merda. E todo o ciclo se inicia novamente.

Tudo na vida é processo criativo. As pessoas mortais (porque eu sou artista, membra do Olimpo intocável, diferente de vocês) tendem a considerar que esse tema é exclusivo para quem produz arte. E não necessariamente. Por exemplo, pensar em um novo projeto de país também pode ser um processo criativo. Exige pensar em novas possibilidades, mudar de perspectiva, se desfazer do olhar velho para abrir caminho para o novo olhar.


É que a gente, quando vira adulto, fica chato, insosso, e pára de brincar, pára de criar. A criança, por outro lado, está constantemente em processo criativo. Ela só não percebe isso porque é algo absolutamente natural para ela estar, a todo tempo, inventando novas realidades. Inventando ser sereia, soldado invisível, catapulta falante (meu deus, o que essa criança toma no café da manhã?) ou o que tiver vontade, é um movimento espontâneo e desinteressado, faz parte do seu existir.

Falando em infância, tem coisa na infância que a gente não esquece. A nossa memória afetiva consegue ser tão mais poderosa que coisas que nos dizem ser importantes (tipo, a Fórmula de Bhaskara? – mentira, ela é mega importante para engenheiros e tal, sem ela meu prédio provavelmente estaria torto e iria desabar e eu não teria onde morar para escrever essa matéria para os meus 7 seguidores fiéis).

Foto: arquivo pessoal

Eu me lembro de uma uma amiga da época de escola que tinha inventado uma musiquinha zoando o meu sobrenome – eu nunca esqueci, isso deve ter 20 anos já – que era assim: “Quem é Miranda, mirandou, mirandará…”. Não sei se ela queria me zoar, mas eu adorei, a melodia vou ficar devendo a vocês, mas posso fazer um story cantando se algum dos 7 seguidores que está lendo a matéria me pedir.

E sei lá, acho que tudo isso me faz pensar: Por que paramos de brincar?

Principalmente depois de anos tão difíceis para o Brasil, precisamos nos permitir brincar. Sendo adultos, jovens ou velhos. Ser criativo é inerente ao ser humano, não é uma dádiva exclusiva dos membros do Olimpo (embora eu quisesse), todos temos essa habilidade. Talvez nos falte nos levar menos a sério e rir mais de nós mesmos, precisamos nos considerar um pouco menos importantes.

Talvez dessa forma, o mundo seria mais leve.

P.S.: O texto contém ironia. Fica a encargo de vocês, meus 7 leitores, descobrir onde. bjs <3