Clayton Nascimento celebra turnê internacional com seu monólogo ‘Macacos’
Artista fala sua experiência cultural, legado do monólogo para o teatro brasileiro e a arte como potente ferramenta de transformação social
Clayton Nascimento é, sem sombra de dúvidas, um dos maiores nomes do teatro brasileiro na atualidade. O ator, diretor, dramaturgo, preparador de elenco e professor pode se dar ao luxo de colocar na sua bio do Instagram que coleciona os seguintes prêmios: Prêmio Shell, Prêmio APCA, Prêmio APTR e Prêmio Deus Ateu de Teatro. Todos conquistados pelo excelente e disruptivo monólogo ‘Macacos’, que está alçando voos altíssimos com sua nova temporada internacional, passando por países como Holanda, Alemanha, Estados Unidos e Chile — e ainda tendo em vista apresentações na França em 2025.
Na coluna de hoje, ele fala sobre essa nova experiência cultural enriquecedora, o legado que o monólogo está deixando para o teatro brasileiro e como a arte pode ser uma potente ferramenta de transformação social.
Com vocês, o precioso Clayton Nascimento:
Meu querido, como está sendo essa experiência da turnê internacional do espetáculo?
Fazer uma turnê internacional é uma experiência muito rica, muito valiosa, porque, artisticamente, estou podendo levar a arte brasileira mundo afora e também culturalmente. Pela bagagem interna de você conhecer povos do mundo, culturas do mundo, como as pessoas acessam a assuntos artísticos, assuntos raciais, assuntos políticos, assuntos históricos. É muito rico você ter a possibilidade de viajar por muitas partes do mundo, fazendo a sua própria arte e conhecendo, compartilhando com a cultura do outro. Claro que também está sendo muito divertido, porque a gente está conhecendo muitos teatros mundiais, muitos museus mundiais, muitos pratos, muitas comidas, muitas bebidas mundiais e isso tudo é aumento de repertório humano, artístico, cultural, político, filosófico, social. Então poder ser um artista negro, filho da Maria do Carmo, filho do seu Crispim Dias, manicure, comerciante, que tá viajando o mundão, fazendo a arte que escrevi, dirigi, interpretei, é muito valioso, é muito especial. Me sinto digno. Nos anos 50, 60, do teatro brasileiro, muitos atores negros tentaram fazer o seu monólogo e ter tido reconhecimento deles. Poder chegar em 2024 e ter o reconhecimento do público, do meu espetáculo, ao mesmo tempo que estou viajando, apresentando o meu ponto de vista artístico para países do mundo, não é somente uma realização inesquecível, como também é a gente escrever novos caminhos da nossa arte brasileira cênica. Estou bastante feliz.
Depois de tanto tempo fazendo a peça, o que ‘Macacos’ representa na sua vida?
‘Macacos’ é um divisor de águas na minha vida. Eu criei esse espetáculo no quartinho do CRUSP, do quartinho universitário, do Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (USP), e ver que ele ganhou palcos no país, ganhou palcos no mundo, é muito especial para a caminhada de um artista. ‘Macacos’ me mostra que há grande interesse da população mundial em falar sobre racialidades, há grande interesse da população mundial em falar sobre história, sobre a história das colonizações, há grande interesse mundial das pessoas refletirem sobre a sua própria história, sobre a política nacional de seus respectivos países. ‘Macacos’ me traz possibilidade de conhecer novos países, de consumir mais livros, de poder comer melhor, de poder me abrigar melhor.
‘Macacos’ representa o que eu consegui ter feito da vida, depois de ter sido aluno bolsista a minha vida inteira, depois de ter conseguido entrar na Universidade de São Paulo, que é a universidade pública, que merece todo o nosso respeito. E claro, ‘Macacos’ também simboliza todo o esforço que meu pai e minha mãe fizeram para poder fortalecer e apoiar o aprendizado, a educação de um filho caçula. Então, ‘Macacos’ é uma obra que diz, evidentemente, que há um Clayton antes e um Clayton depois.
E, claro, é muito importante dizer como especial é um espetáculo se unir à força das mães. Mães têm uma importância muito grande no dia a dia, nos afetos, nas emoções, no imaginário do povo brasileiro. E está aí uma coisa que eu não imaginava, como essa peça fortaleceria a luta das mães assim como a luta da Terezinha Maria de Jesus pela justiça do assassinato do seu filho, Eduardo de Jesus, e que graças a essa peça, ao teatro e à união profissional e popular, não somente do público como de advogados, essa peça consegue reabrir um caso na justiça. Então talvez fossem memórias como essa que eu gostaria de deixar para o público.
Qual legado essa peça quer deixar para o Teatro Brasileiro?
Acho que eu nunca pensei sobre isso, mas se eu pudesse dizer alguma coisa que a peça ‘Macacos’ possa deixar para o público é o pensamento de que, em algum momento da história do teatro brasileiro e mundial, teve sim interesse em se ouvir, falar e refletir sobre a história da raça negra no Brasil, dizer que houve, sim, um tempo teatral em que o público brasileiro lotou teatros para compartilhar, aprender e deixar o lado “B” da história da nossa formação popular, um olhar vindo de pessoas negras sobre a nossa colonização, um olhar do povo de como a formação do país Brasil nos traz até aqui. Quem sabe, talvez, deixar também um pensamento de que em algum momento do Brasil no teatro houve, sim, monólogos negros bem-sucedidos, interpretados por homens, interpretados por mulheres. Houve, sim, tempos em que os teatros esgotaram bilheterias em questão de minutos para assistir um corpo negro refletir sobre o racismo histórico e cotidiano. Houve, sim, uma peça em que, naquela época, naquele momento, um jovem estudante universitário ousou sonhar e escrever um monólogo sobre a formação do seu povo e como os insultos racistas acabaram sobrevivendo muito ao longo de uma história, a ponto da gente trazer uma luz de reflexão sobre a necessidade de acabar com certos costumes coloniais que ficaram na nossa nação.
Do mesmo modo que talvez ‘Macacos’ também queira dizer a importância do sonho, a importância de se acreditar na educação, a importância de se debruçar sobre os estudos e como esse conjunto somado à força do trabalho incansável e obstinado pode sim fazer com que pessoas negras estreem suas obras, escrevam seus livros, viaje o mundo, entre para os livros didáticos, consiga reabrir casos na justiça e consiga de fato fazer o elo entre história, teatro, povo, público e democracia.
Como você vê a conexão entre a mensagem de ‘Macacos’ e o momento atual do Brasil em relação às questões raciais e sociais?
Olha, ‘Macacos’ questiona bastante como a história nos traz até aqui, e, hoje em dia, eu vejo que existe uma abertura e uma leveza muito maior de se falar sobre racialidades, racismo, negritude, branquitude, até o próprio genocídio negro, que existe na nossa nação há 524 anos. Viajando o mundo agora, percebo como estamos muito mais abertos em relação a muitos países do mundo para falar sobre nossas causas sociais, para falar sobre o levante da mulher, para falar sobre a luta de negros e negras, para falar sobre a necessidade que tem das vidas LGBTQIAPN+ se manterem vivas no nosso país, da importância da gente falar da união popular em relação a nossa nação e aos possíveis conflitos políticos que existem. O Brasil é um país, apesar de tudo, muito aberto e muito disponível a reflexões sobre o próprio povo. Então, não acho que é à toa que dez anos depois das leis de cotas surja uma peça como ‘Macacos’ e surjam diversos monólogos negros, e isso tem muito a ver com a força do nosso povo de se formar, de estudar, de trazer assuntos para a luz da discussão, da reflexão.
Acho que a mensagem que o Espetáculo ‘Macacos’ traz com o atual momento do nosso país é de total conexão e confluência, e me revela, repito, mais uma vez, o desejo contemporâneo que a nossa sociedade tem de falar sobre as nossas lutas e necessidades.
É muito comum, depois do espetáculo, eu receber mensagem do público dizendo: “poxa vida, naquela cena que você fala da importância do óculos, eu comecei a passar por cima do meu alto preconceito de não usar óculos, e isso me atrapalhou a vida inteira no caráter da educação. Então, agora, eu fiz o meu óculos e eu voltei a estudar”. “Poxa vida, depois do que você me falou no espetáculo ‘Macacos’, do que eu assisti, eu fiquei muito interessado em saber mais sobre o TEN, o Teatro Experimental do Negro, do Abdias do Nascimento”. “Nossa, depois do que você me falou do espetáculo ‘Macacos’, fiquei muito mais interessado em saber mais sobre as origens da minha família, de onde veio minha tataravó, minha bisavó, a história dele. Porque eles compõem as minhas”. “Poxa vida, depois de eu ter assistido o espetáculo ‘Macacos’, fiquei muito mais interessado em estudar e descobrir episódios da história do Brasil”.
Sinto que existe uma grande conexão com um momento que a nossa sociedade vive e o surgimento do espetáculo ‘Macacos’, é o que nós chamamos de zeitgeist, um espírito do tempo.