Cada plataforma, um universo: a pluralidade de temas do bolsonarismo e do lulismo no Twitter e no YouTube
Pouco mais de 10 dias após o início da campanha eleitoral muitos temas já têm sido alvo de debates e discussões nas mídias sociais entre os dois principais candidatos à presidência da República: Luis Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro
Por Francisco W. Kerche e Maria Alice S. Ferreira
Pouco mais de 10 dias após o início da campanha eleitoral muitos temas já têm sido alvo de debates e discussões nas mídias sociais entre os dois principais candidatos à presidência da República: Luis Inácio Lula da Silva e Jair Messias Bolsonaro. Um levantamento feito pelo Observatório das Eleições mostra que democracia, religião, pandemia e economia estão entre os principais temas abordados nas publicações de apoiadores de Lula e Bolsonaro durante a primeira semana de campanha eleitoral. A análise mostra também que existem diferenças nas temáticas mais abordadas tanto por cada grupo de apoiadores quanto pela plataforma analisada.
A partir de palavras-chave relacionadas a uma série de temas específicos, o monitoramento do Observatório vem categorizando, de forma automatizada, todas as publicações do Twitter e Youtube dos principais apoiadores de ambas as chapas. Os dados analisados até agora apresentam duas principais diferenças: uma relacionada a quais foram os principais temas mobilizados pelos apoiadores dos candidatos, e a outra relacionada a como as temáticas do mesmo campo mudam de acordo com a plataforma analisada.
No Twitter, por exemplo, os temas principais abordados pelo campo de apoio ao ex-presidente Lula são: democracia (36%), pandemia (11.4%) e religião (10.8%) (fig. 01) Democracia também aparece em primeiro lugar na lista de temas do campo bolsonarista (29.5%), mas em seguida vêm religião (19.7%) e economia (12%). Apesar do tema democracia se destacar fortemente em ambos campos, as narrativas são muito distintas. Entre os apoiadores de Lula estão muitas vezes relacionadas à importância da luta pela defesa da democracia e repúdio à ditadura militar. A “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito!”, apresentada na Universidade de São Paulo no último dia 11, por exemplo, contou com grande presença de apoiadores do ex-presidente Lula. Inversamente, o campo de apoiadores de Bolsonaro apresenta sua própria narrativa sobre o processo democrático, afirmando que defendem sim o resultado das eleições, “desde que auditável e transparente”.
A pandemia destaca-se como um tema também bastante explorado nas narrativas entre os apoiadores de Lula, denunciando a desastrosa gestão de Bolsonaro no combate ao coronavírus. O grupo também apresenta as declarações do próprio presidente sobre os milhares de mortos pela doença e o descaso para compra de vacinas que geraram indignação para um público que não apoia o candidato.
Por sua vez, a relevância do tema da religião para ambos os grupos é consonante com as recentes empreitadas dos dois candidatos, que buscam seu apoio entre grupos religiosos. Enquanto Bolsonaro tem significativa vantagem entre os evangélicos, Lula tem um bom apoio entre os católicos. Porém, atingindo um ou outro grupo, lulistas e bolsonaristas mobilizam essas narrativas para tentar ampliar seu escopo de atuação e acenar para essas bases.
No YouTube, o cenário muda. Aqui, as principais diferenças se dão principalmente no campo bolsonarista, que passa a discutir muito mais os temas referentes ao sistema eleitoral (22.5%) e ao poder judiciário (17.5%). Percebe-se que grande parte do conteúdo publicado pelos apoiadores de Bolsonaro está relacionado à segurança das urnas e à lisura do processo eleitoral. Ao mesmo tempo, é possível identificar nessa plataforma diversos conteúdos que têm como alvo os ministros do STF. A Democracia (17.6%) ainda se mantém como tema bastante discutido, e é também possível notar um aumento em temas relacionados à educação (10.9%) e ao 07 de Setembro (6.5%), já que os apoiadores de Bolsonaro estão se organizando para manifestações nesta data.
No campo lulista no Youtube, os principais temas estão relacionados a democracia (36%), economia (13.9%) e sistema eleitoral (8.7%) As narrativas do campo lulista sobre economia se concentram, muitas vezes, na indignação sobre o alto custo de vida dos brasileiros, em especial os aumentos nos preços de combustíveis e alimentação. O sistema eleitoral brasileiro também entra como uma temática importante no que diz respeito às urnas e defesa das eleições. Muito desse debate se contrapõe às narrativas bolsonaristas sobre a segurança das urnas eletrônicas e mesmo as declarações que o próprio presidente Jair Bolsonaro já deu questionando a lisura do processo eleitoral. O conteúdo sobre pandemia (5.8%) aparece menos no Youtube do que no Twitter.
Esse levantamento mostra que a agenda das campanhas varia de forma importante de acordo com a plataforma. Isso pode ser explicado pelas diferenças da audiência de cada uma delas e também do tipo de comunicação e especificidades (affordances) que cada plataforma permite. Enquanto o Twitter atinge um grupo de usuários mais amplo e por isso segue muitas das pautas de campanha dos candidatos, o YouTube atinge usuários que podem ser já um público cativo de determinado youtuber. Nesse sentido, as diferenças podem ser vistas como tópicos mais orientados para um público mais amplo naquela e outros mais orientado para seus eleitores nesta.
O Observatório das Eleições monitora atualmente 207 contas no twitter em apoio ao Lula e 42 canais no YouTube. Já no campo bolsonarista, são 50 contas no Twitter e 113 canais no YouTube. A diferença de tamanho das duas amostras reflete a composição de atores de ambos os campos. Para montar esse grupo de atores relevantes para cada campo político, os pesquisadores do Observatório mapearam as conexões entre atores-chave das duas campanhas. No caso do YouTube, a maior presença de canais de apoio ao atual presidente eram evidentes, porém, no Twitter, Lula tinha um apoio mais vocalizado.
Curiosamente, mesmo com essa diferença os valores de engajamento se assemelham em ambas as redes sociais (fig 02). Mesmo com um quarto dos apoiadores no Twitter, o grupo Bolsonarista já somou 12,2M de interações no twitter, contra 17,5M no grupo lulista. Ao observarmos o engajamento em torno a cada tema, o grupo supera o lulismo nos temas de Religião (518k de interações), Pandemia (221k), Economia (252k), Poder Judiciário (174k) e sobre o 7 de Setembro (29k). Já no YouTube, Lula supera Bolsonaro apenas quando os temas são Pandemia (313k curtidas), economia (337k) e democracia (998k).
A disputa dos candidatos à presidência ainda está em seus primeiros dias e já passou por diversos temas. O observatório acompanha diariamente as publicações em ambas as plataformas dos apoiadores dos candidatos à presidência. Esse monitoramento é importante porque permite visualizar como esses campos políticos têm discutido e mobilizado temas que são de grande interesse para a vida pública, ainda que com diferentes enfoques. Além disso, o monitoramento contínuo irá permitir observar como a base dos diferentes candidatos vão se mobilizar e apoiar uma ou outra pauta durante o tempo.
Francisco W. Kerche é mestrando em sociologia na UFRJ e consultor em análise de dados no Greenpeace Brasil.
Maria Alice S. Ferreira é pesquisadora do INCT IDDC. Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais