Ativismos Diários: já praticou hoje?
A convivência social é política
Por Carla Piaggio
“Sempre fui sonhador, é isso que me mantém vivo (…)
É necessário sempre acreditar que o sonho é possível .“
Racionais Mc’s
A convivência social é política. Todo nosso cotidiano e muitas escolhas são direta ou indiretamente afetados pelo contexto em que vivemos: padrões e injustiças sociais, investimentos e políticas públicas ou ausência deles. Essa consciência nos leva à reflexão sobre nossas responsabilidades e quais caminhos podemos trilhar para melhor contribuirmos socialmente, tanto no âmbito profissional como no pessoal.
Todos podemos, em nossa rotina, ter atenção a atitudes como não jogar lixo nas ruas, ser honestos, não ser preconceituosos, exigir que uma lei seja cumprida ou que um serviço público seja prestado com qualidade. Ao consumir, por exemplo, podemos optar por pequenos empreendedores, empresas não envolvidas em episódios discriminatórios ou ilegais, corporações efetivamente atuantes em favor da justiça social e respeito à diversidade. Nos investimentos financeiros, temos a opção de selecionar empresas comprometidas com responsabilidade ambiental, social e de gestão ética e engajada. E, se possível, podemos ainda apoiar o trabalho de ações filantrópicas com doações financeiras ou dedicando parte de nosso tempo.
Fazer essas escolhas conscientemente é entender que somos parte da sociedade tanto quanto quem é mais ou menos oprimido que nós: é o envolvimento coletivo o que de fato move progressos. Sabemos que interesses econômicos e políticos podem ser barreiras a ganhos para a população, cabe a nós, portanto, pressionar a favor de mudanças e contra retrocessos.
É importantíssima a ação de exercer o direito ao voto, conquistado após muita luta das gerações anteriores. Escolhermos com responsabilidade em quem votar para cada cargo, analisando as propostas e o histórico de contribuição social de cada candidato. A atuação dos eleitos vai afetar diretamente nossa qualidade de vida no dia a dia e os rumos das cidades, dos estados e do país. Precisamos de representantes ativos – e favoráveis às mudanças que queremos – ocupando majoritariamente os espaços de governo. E devemos cobrar deles a criação de leis, serviços e políticas públicas.
Mas cidadania é muito mais que voto, é também viver sem omissão. Um cidadão é uma pessoa comprometida em ser um agente positivo de transformação. Todas as atitudes citadas neste texto, e tantas outras, são microrrevoluções que se fortalecem quando multiplicadas. Já disse Angela Davis: “Você tem que agir como se fosse possível transformar radicalmente o mundo. E você tem que fazer isso o tempo todo”.
Na vida profissional, isso também é necessário. Na área do design, é possível atuar de várias formas em favor da transformação social. Por ser uma ferramenta de comunicação, o design possibilita, por exemplo, a ampliação da presença de pessoas com aparências físicas diversas em publicidade e outros informes. Historicamente, a maioria das pessoas não é representada nas mídias e isso não reflete a realidade da diversidade humana.
É relevante também avaliar formas de transmitir mensagens com mais acessibilidade. Projetos de produtos, roupas, ambientes, interfaces, audiovisuais e experiências devem considerar aspectos que atendam às necessidades de todas as pessoas. Os designers têm também a felicidade da possível interseção com profissionais de diversas áreas, como jornalismo, pedagogia, saúde, arquitetura, entre outras.
A atuação do design não precisa, nem deve, se restringir ao âmbito corporativo. É aliada, por exemplo, na criação de campanhas de conscientização ou protesto, no fortalecimento da comunicação de organizações não governamentais e movimentos sociais, na consultoria e no atendimento com menor custo para profissionais com baixa renda e comunidades excluídas, na contribuição em processos educacionais e de transmissão de informações, na criação projetual considerando critérios de sustentabilidade.
Importantes atitudes éticas cabem ao designer, como questionar práticas abusivas no mercado profissional, recusar projetos de impacto negativo, ocupar espaços de decisão e fala, abrir portas para pessoas invisibilizadas, contratar com inclusão. Enquanto estudante ou professor da área, também é positivo levantar na universidade discussões sobre design e sociedade, além de desenvolver projetos junto à comunidade.
Por que dedicar tempo adicional a essas questões no modo de viver e na prática profissional? Por se importar, por não querer ser conivente, pelo desejo de contribuir para que a realidade seja um pouco melhor. Não somos tão impotentes quanto parece. O trabalho de formiguinha conta sim – e somos enormes formigueiros. Somos capazes, somos potentes. Há uma rede com muita gente boa atuando, se conectando, concretizando ideias positivas, gerando soluções, troca de conhecimentos, experiências gratificantes e ricos aprendizados. E você, vai só reclamar ou vai somar e agir?
Ilustração: Suzane Lopes (@movimento1989)
Revisão: Flavia Neves (@estranhageira), Ana, Mari
Carla Piaggio é designer editorial na Carla Piaggio Design. Graduada pela Universidade do Estado da Bahia. Master em Produção Editorial pela Università di Verona, Itália. Coordenadora do coletivo de design negro PretADG, na ADG Brasil.