Ontem à noite a Brigada Militar do Rio Grande do Sul cumpriu um mandado de reintegração de posse em ação proposta pelo Estado, proprietário do imóvel localizado no centro de Porto Alegre, em que se encontrava a Ocupação Lanceiros Negros, desde novembro de 2015.

A reintegração de posse se fez com requintes de crueldade, com direito à arrancada do portão do prédio histórico (não deixa de ser uma triste ironia que o patrimônio histórico estivesse sendo preservado pelos ocupantes, mas que tenha sido vandalizado pela Polícia que supostamente estava cumprido um mandado voltado à proteção do prédio) e com direito à prisão do Deputado Estadual Jeferson Fernandes, que estava tentando proteger a dignidade das famílias presentes, algemado e vitimado por bombas de efeito (i)moral.

Antes dos Lanceiros Negros ocuparem o prédio do centro da cidade, o mesmo estava abandonado há 12 anos pela administração estadual. 12 anos!

Quero aproveitar a comoção dessa violenta reintegração de posse determinada pela juíza Aline Santos Guaranha, da 7ª Vara da Fazenda Pública, para nos lembrar de algo essencial. Algo que eu e que provavelmente a juíza Aline temos em comum com as ocupantes.

Sei que quando se pensa nos ocupantes, muitos pensam em pessoas drogadas, ladrões e em vandalismo. Sinto desapontá-los, mas essa imagem das ocupações é muito distante da realidade.

Ocupações são protagonizadas por mulheres, quase sempre negras.

E o que eu, você e a juíza Aline temos em comum com as mulheres das ocupações é algo muito forte, talvez a coisa mais importante das nossas vidas: somos mães. E como mãe nós somos leoas.

Assim são as mães das ocupações. Leoas. Mulheres fortes em defesa de seus filhos e sua família.

Elas ocupam muitas vezes para sair da rua, onde os filhos estão vulneráveis e podem ser agredidos a qualquer tempo. Ou para sair de casa, onde os maridos as espancam e elas podem vir a morrer.

Você acha que a ocupação é um antro de circulação de drogas? E que tudo fica sujo e fedorento?

Não, amigos. Dentro das ocupações, há muitas vezes uma disciplina rígida de regras de urbanidade e limpeza. E todos devem participar da limpeza, que é coletiva.

As ocupações aos poucos vão se parecendo com um lar. As mães, com um endereço para fornecer, podem matricular seus filhos na escola pública.

Nem todas nós temos um emprego público estável que dá até auxílio-moradia superior a 4 mil reais, como a juíza Aline.

Como escreveu Boulos, temos no Brasil 14 milhões de desempregados sem condições de pagar aluguel.

Pessoas que hoje estão empregadas, mas não tem estabilidade garantida por lei, e que vivem de aluguel porque ainda não puderam comprar uma casa própria, correm sim o risco de se juntar à população que hoje depende das ocupações para assegurar seu direito à moradia!

Eu tive a sorte (a sorte!) de poder dar um lar para meu filho. Mas não tenho nenhuma dúvida de que se eu tivesse que escolher entre deixar meu filho na rua e ser uma ocupante, é claro que eu seria ocupante. E você também! Nenhuma Mãe deixa os filhos na rua!

Quem deixa crianças na rua e no frio é político, como o governador Sartori! E não nós, que somos mães!

E pra quem diz que isso é invasão e desordem e que argumentos humanistas não o convencem.

Errado.

Seria invasão se o prédio já estivesse ocupado.

Mas estes prédios estão abandonados. A-BAN-DO-NA-DOS. Muitas vezes indo à ruína.

Desordem é deixar um prédio ficar abandonado e indo à ruína.

Mas quando a Constituição Federal prevê a FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE, deixar os prédios abandonados quando há pessoas com direito, também constitucional, à MORADIA morrendo de frio nas ruas, isso sem dúvida é um ILÍCITO.

Caberia ao governador fazer respeitar o direito à moradia dessas mulheres, homens e crianças, valendo-se dos instrumentos legais previstos no Código Civil e no Estatuto das Cidades. Isso é sua obrigação constitucional e legal!

Mas, ao contrário, há uma perversidade misturada com leniência, com incompetência técnica e jurídica, com desrespeito aos direitos, nesses governos proto-fascistas de homens como Sartori ou Doria.

Eles preferem ver os prédios abandonados do que famílias morando dentro deles! Preferem ver crianças passando frio na rua do que fazer cumprir as disposições do Estatuto das Cidades!

Impossível aplaudir essa crueldade e essa inversão de valores.

Que as mães valentes das ocupações de todo o Brasil consigam nos inspirar com sua valentia e seu espírito guerreiro, contra todas as adversidades.

Política, com P maiúsculo, é o que fazem essas grandes mulheres, na organização das ocupações, todos os dias, e não o que fazem esses homens minúsculos, escondidos atrás de seus gabinetes, na calada da noite.