As cotas seguem abrindo portas
Ao longo desses dez anos, a população brasileira aprendeu a reconhecer o grande sucesso das cotas nas universidades e a desmistificar alguns dos principais preconceitos que eram relacionados a elas lá no começo
Dez anos se passaram desde que a Lei Federal 12.711 fez ouvir a voz de estudantes, dos movimentos negros brasileiros, de tantas e tantos lutadores que há muito tempo sonhavam com um sistema educacional um pouco mais justo neste país. Após algumas experiências bem sucedidas em algumas universidades, o Congresso Nacional aprovava ali em 2012, a legislação oficial que instituiu as cotas no ensino superior federal. A Lei de Cotas permitiu então a reserva de vagas universitárias a pessoas negras, indígenas, a estudantes de escola pública e pessoas de baixa renda de todo o território nacional.
No mês de agosto de 2023, mais de uma década depois do início dessa política pública, mais uma grande vitória para o projeto de Brasil voltado para redução das desigualdades sociais e raciais: a Câmara dos Deputados votou a favor do PL 5.384/2020, que prevê a continuidade dessa política pública tão essencial para a reparação histórica, a transformação social e o desenvolvimento do Brasil.
Além de manter o que já era bom, houve avanços como as cotas na pós-graduação, redução da renda familiar per capita para a reserva de vagas, a inclusão de quilombolas como beneficiados e a prioridade da destinação de recursos do auxílio estudantil para cotistas. E será uma política permanente, que passará por avaliações periódicas.
A Câmara dos Deputados aprovou, portanto, o que o Brasil já tinha aprovado. Agora, o Projeto de Lei passará pelo Senado Federal, em breve.
Ao longo desses dez anos, a população brasileira aprendeu a reconhecer o grande sucesso das cotas nas universidades e a desmistificar alguns dos principais preconceitos que eram relacionados a elas lá no começo. As filhas das empregadas domésticas, os filhos dos pedreiros começaram a colorir a universidade com as verdadeiras cores do Brasil, a se tornarem médicas e médicos, advogadas e advogados, cientistas, jornalistas, a mudarem a cara das empresas, dos tribunais, de todos os espaços. Chegaram aonde as suas famílias nunca antes tinham chegado, após séculos de exclusão e de um processo de escravidão que ainda deixa até hoje consequências brutais de desigualdade.
A vitória é grande para nós, da União Nacional dos Estudantes (UNE), e todas as organizações de juventude e igualdade racial que se mobilizaram desde o ano passado em uma grande campanha pelas cotas. Criamos comitês em todo o Brasil, realizamos blitz nos gabinetes dos deputados e deputadas, reunimos artistas para a criação de uma música e um videoclipe inéditos sobre o tema, unimos embaixadores e embaixadoras das cotas em vários setores da sociedade.
Inclusive, no último mês de julho, quando tive a honra de ser eleita para a presidência desta entidade, o próprio movimento estudantil viveu um episódio histórico. Foi a primeira vez na história que a UNE teve uma presidenta negra e cotista fazendo uma transição de mandato para outra igualmente negra e cotista.
É um reflexo da mudança do ensino superior dos últimos anos.
Nós, as filhas e filhos do Brasil, comemoramos. Porém, a luta não acaba e é preciso consolidar as políticas de Assistência Estudantil no país, para garantir a permanência dos estudos de quem tem maior vulnerabilidade social, retomar os fundos destinados a bolsas, projetos de pesquisa e extensão, prosseguir com a expansão da rede pública universitária, mas ter também muita atenção à rede privada, que precisa da devida regulamentação do governo federal.