Ana Júlia: A luta pela educação pública não é de hoje
Em tantos outros momentos sofremos com a ausência de recursos para administrar as escolas e com a falta de vagas e, por vezes, com o não incentivo à pesquisa, à ciência e à tecnologia.
A luta pela educação pública não é de hoje, mas de longa data clamamos por sua melhoria. Na história brasileira, infelizmente, quase sempre o Estado esteve em dívida com o povo e com as instituições públicas de ensino. Ora lidamos com estruturas deficitárias, ora com a falta de formação específica de professores. Em tantos outros momentos sofremos com a ausência de recursos para administrar as escolas e com a falta de vagas e, por vezes, com o não incentivo à pesquisa, à ciência e à tecnologia.
Há alguns anos, erroneamente, acreditamos ter vencido o espectro de que no Brasil a educação é um privilégio de poucos, dado que passamos por um período com consideráveis incentivos educacionais.
Concretizamos, com dificuldades e menos do que gostaríamos, políticas públicas de valorização da rede pública de ensino, além de termos avançado nas condições de acesso desde a primeira infância até os programas de pós-graduação.
Alguns exemplos bem-sucedidos foram a implementação da Olimpíada Brasileira de Matemática, o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM e o Sistema de Seleção Unificada – SISU. Além disso, apostamos no investimento da educação pública brasileira, aumentamos os orçamentos, dobramos os incentivos, aprovamos os 75% dos royalties do petróleo para educação e concretizamos a realização do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB. Acreditamos que com o direito conquistado não se podia mexer, principalmente quando o direito em questão, a educação pública, é a responsável pelo desenvolvimento e pela soberania nacional.
Contudo, desde 2016 o cenário que era promissor tornou-se caótico. Primeiro com a Emenda Constitucional 95 que prevê o congelamento dos investimentos em saúde e educação por vinte anos e depois com a reforma do ensino médio provocada pela lei 13.415/17. Ambas as medidas foram motivos para um verdadeiro levante estudantil, eis que em 2016 ocupamos mais de 1.000 (mil) escolas pelo Brasil.
Enquanto secundaristas, conseguimos tornar público o debate que estava sendo feito às escondidas no Congresso Nacional durante o Governo Temer.
Conseguimos fazer com que a população discutisse o orçamento da união, pensasse sobre a formação integral e cidadã das crianças, adolescentes e jovens brasileiros, contestasse os métodos do ensino profissionalizante, do mercado de trabalho e a qualidade do sistema público de saúde.
Hoje, quase três anos depois das ocupações secundaristas, estamos vivenciando o brutal ataque e perseguição às universidades públicas. Em especial, as universidades federais que estão com um bloqueio de 30% de seus orçamentos o que representa um corte de 5,8 bilhões do orçamento da Educação. Esse bloqueio, ao contrário do que o Governo diz, compromete todas as atividades das universidades.
O Ministro da educação, durante a Comissão de Educação do Senado Federal, na sessão do dia 07/05, deixou claro que na realidade o contingenciamento é uma manobra política para a aprovação da reforma da previdência, ao dizer que se a reforma for aprovada o dinheiro pode voltar a compor o orçamento das universidades e institutos federais. Sejamos francos, tanto os cortes de recursos das Universidades quanto a Reforma da Previdência, fazem parte de um mesmo projeto de país, e objetivam precarizar direitos, sejam eles as garantias previdenciárias dos mais vulneráveis social e economicamente, ou a educação pública e a ciência nacional, para atender interesses do mercado financeiro.
A questão de fundo desse governo com as universidades públicas é que elas deixaram de ser domínio exclusivo da elite e da classe média. Os espaços passaram a serem populares. A universidade passou a ser colorida e com a possibilidade de ter 50% de seus estudantes oriundos de escolas públicas. Pela primeira vez os filhos de trabalhadores pobres puderam sonhar em ocupar uma cadeira numa universidade federal.
Infelizmente, essa democratização de quem produz pesquisa, de quem se torna doutor e de quem ocupa as mais tradicionais e requintadas universidades não foi aceita pelos grupos conservadores que pregam a meritocracia e com isso arrotam seus privilégios.
Sabemos que com o sucateamento e redução dos recursos orçamentários para a educação o Brasil terá perdido boa parte do que promove sua soberania, terá perdido a qualidade em sua produção científica e reconhecimento internacional da qualidade da educação promovida por suas universidades. Contudo, ao final do dia, quem de fato estará fora das universidades serão os filhos dos trabalhadores. Serão os estudantes que necessitam do auxílio permanência, do restaurante universitário, da bolsa para iniciação científica e que precisa também trabalhar oito horas por dia antes de ir para a faculdade.
Em 2016 saímos às ruas e mudamos a dinâmica das nossas escolas. Ocupamos os prédios das escolas justamente para defender a educação básica brasileira e para defender o ensino médio. Hoje, a situação está diferente apesar do projeto ideológico de sucateamento ser o mesmo. Precisamos conseguir levar a produção científica e os projetos de extensão das universidades para o conhecimento das pessoas. Precisamos conseguir mostrar o que fazem os núcleos de práticas jurídicas, os hospitais universitários, as clínicas de direitos humanos, os auxílios dentários promovido pela galera da odontologia, o acompanhamento psicológico popular, as atividades gratuitas das faculdades de artes, o ensino da música, teatro e cinema, o atendimento aos animais de rua, entre tantos outros projetos. As pessoas precisam saber que não paramos um dia sequer. Não paramos com os feriados, finais de semana e nem mesmo no período de férias. Nós trabalhamos, estudamos e produzimos ciência todos os dias.
A universidade pública brasileira é um dos maiores bens do povo. Precisamos defendê-la com unhas e dentes sem medir esforços ou mobilização.
Podemos não ter os mesmos posicionamentos ideológicos, mas precisamos igualmente defender as instituições de ensino público federal. As universidades realizam milagres todos os dias, exercem atividades para fora dos seus muros e campus em todos os momentos. Precisamos conseguir mostrar nossas benfeitorias aos que ainda não tiveram acesso.
Nós, os secundaristas de 2016, em grande parte, somos agora universitários em 2019. Assim como não nos faltou coragem em 2016 não nos pode faltar coragem neste momento. Arregacemos as mangas e vamos juntos de novo à luta em defesa da universidade pública. Em defesa da educação pública, gratuita, equitativa e de qualidade.