Airá Ocrespo: “A missão do artista é tornar a revolução irresistível”
Na entrevista à Ninja, OCrespo conta sua trajetória profissional, a necessidade que tem como artista de modificar a cidade onde mora e pautar temas de relevância para a sociedade.
Há mais de vinte anos na cena do grafite, Airá Ocrespo, de 42 anos, é uma referência na arte urbana carioca. Tem projetos espalhados pelos muros em todo canto da cidade, na maioria das vezes com um viés político e enaltecendo a história do povo negro. Nascido e criado em Olaria, zona norte do Rio, cresceu profissionalmente junto à geração que ocupou a Lapa com o movimento hip hop nos anos 2000. Se intitula MC grafiteiro devido à sua trajetória também nas rodas de rima, que gerou grandes artistas do rap e trap nacional.
Neste mês ele lançou um novo projeto, a exposição Farsas Armadas – uma década de memetização, que retrata em telas pintadas com tinta spray suas impressões sobre a ascensão da direita junto ao poder midiático no cenário político nacional. As obras, críticas aos absurdos da extrema direita no poder nos últimos anos estão expostas na Casa Amarela, um espaço cultural em Santa Teresa, que em 2023 fez 25 anos, onde fica o seu ateliê. Os quadros ficam expostos até o dia 02 de fevereiro, mediante agendamento para visitação. Segundo ele, o objetivo foi botar para fora a angústia que estava sentindo enquanto cidadão e artista frente ao cenário político.
Na entrevista à Ninja, OCrespo conta sua trajetória profissional, a necessidade que tem como artista de modificar a cidade onde mora e pautar temas de relevância para a sociedade. Fala também sobre o mercado da arte contemporânea e o crescimento do grafite neste contexto, além de destacar a importância da cultura de rua para a cidade do Rio de Janeiro. Aponta também seus novos projetos que, segundo ele, buscam espalhar sonhos com a promoção da cidadania por meio da disseminação da sua estética com as suas mensagens de conscientização.
Como se deu esse seu encontro com a arte, foi por alguma influência familiar?
Foi através das palavras e da poesia desde criança. Gostava de desenhar, mas a pichação com a sua mensagem chamava muito a minha atenção. Fui conhecendo a cultura hip hop e foi fazendo ainda mais sentido para mim, porque eu espalhava o meu nome junto às mensagens. Tinha também uma tia que pintava e outra que era atriz, essas influências me deram referências de fazer essa opção pela arte. Botar para fora e expressar coisas que estava sentindo, e depois fui vendo que isso poderia ser um caminho profissional. Minha parada sempre foi passar mensagens e isso foi evoluindo para o que faço hoje envolvendo palavras, imagens e a criação de sentidos a partir da minha estética atual.
Detalha mais essa transição sua da pichação para o grafite, como você percebeu que poderia se expressar melhor e até ter um retorno financeiro e virou a chave?
Foi uma coisa muito natural, porque o que une essas duas esferas é o spray. Nunca fui um pichador dedicado, apesar de sempre acompanhar o movimento, mas foi no grafite que fui para as ruas e me mantive constantemente nelas. No início era uma luta contra o sistema, nem pensávamos em ganhar dinheiro, uma coisa bem hip hop raiz. Com o trabalho e as necessidades da vida adulta, vi na arte um caminho profissional. O grafite estava se disseminando na sociedade, e há 23 anos as oportunidades eram ligadas ao terceiro setor. Era enxergado como uma forma de ressocialização de jovens, uma atividade ocupacional interessante ou algo profissional com oficinas culturais. Dava acesso a material e permitia estar em contato com o nosso fazer abrindo outras oportunidades: trabalhei com o AfroReggae, CUFA, diversas ONGs. Despertou a minha vontade de elaborar projetos, estava estudando propaganda e marketing e me deu a percepção de como é maneiro criá-los para solucionar algo. Isso se tornou um dos motores da minha trajetória, além da pintura, arte e educação.
O hip hop veio em diálogo com esses espaços no começo? Batalhas de rima, os elementos hip hop, etc. Porque você sempre se identificou como MC grafiteiro.
Ao gostar de grafite comecei a entender o que era o hip hop. Gostava de pichação e rap, mas não associava ainda ao grafite e entendi que era uma cultura que envolvia tudo. Algo muito mais completo e profundo, então o hip hop foi formando essa filosofia que conduzia todos esses fazeres. O rap passava a mensagem que a gente aprendia, e o grafite multiplicava. Comecei a rimar porque gostava da poesia e tinha a questão da linguagem e palavras, então fazia freestyle na Lapa com os amigos. Nessa época dava oficina de grafite na Fundição Progresso junto à Nação Crew. A Lapa era o ponto de convergência das culturas alternativas no Rio, e na Nação a gente estimulava um ao outro criando oportunidades de trabalho. Essa cumplicidade em meio à dificuldade ralando pra caramba e correndo riscos, fazendo o que gostava, fortaleceu o fato de fazer algo por ideologia. Esse companheirismo nos tornando mais colaborativos que competitivos, mas a cultura de rua foi se tornando mainstream e as ideias também mudaram.
Quando você fala Fundição é a época da Batalha do Real e do Conhecimento?
Comecei a pintar em 1999/00 na rua com meus amigos, como o [Márcio] Braga e o [Marcelo] Ment, a Fundição e a Zoeira eram os pontos de encontro. A Fundição foi o nosso primeiro abrigo de livre acesso, nessa época era ainda uma ocupação cultural muito rua mesmo. Tinha a Rádio FundiSom, uma rádio comunitária com programas de hip hop, e atividades culturais ligadas ao circo, dança e ao grafite. Em 2002 comecei a dar oficinas com a galera da Nação e a fazer freestyle, e em 2003 fizemos a festa Mcsgnação nos abrindo oportunidades. A partir de 2003 participei da Batalha do Real, que foi se tornando crescente, depois ela vai para a Fundição em 2005 e no ano seguinte surge a Batalha do Conhecimento, da galera do Marechal. Cada uma com uma proposta, mas todas no CIC (Centro Interativo de Circo) abrigando diversas culturas de rua em um trabalho de formação. Hoje percebemos o seu impacto na cena e o valor, que a gente vivia e não tinha noção do que viria. Essa geração foi responsável pelo crescimento cultural em vários lugares, hoje a batalha de rima está em todo o Brasil e vários grandes artistas do trap, mainstream e rap beberam dessa fonte. Em paralelo a isso eu estava pintando e consolidando a minha trajetória no grafite, por isso sempre me identifiquei como MC grafiteiro.
Você fala muito sobre a importância de dialogar com a cidade por meio da arte de rua, qual a sua visão sobre ela?
A arte de rua cumpre um papel social crucial, porque é uma espécie de voz popular quando pessoas de um escopo da sociedade conseguem reproduzir mensagens que repercutem na população. Criam memória e através dela disseminam ideias de várias pessoas ao redor. É como um outdoor do povo, e o grafite nesse contexto consegue ser um grande formador de plateia das artes visuais. Porque geralmente elas estão em museus, galerias, centros culturais, onde o povo muitas vezes não tem acesso. Tivemos uma mudança brusca desse cenário nos últimos 20 anos.
Você diz com os eventos como ArtCore e ArtRua, ou do olhar da sociedade com menos preconceito pra esse tipo de estética?
Do interesse das pessoas pelas artes visuais. Lógico que tem redes sociais e a gente vive na era da imagem, mas o grafite vem fazendo parte disso e aproximando as pessoas dessa estética. Acaba despertando a curiosidade e muitas vezes a vontade de manter o contato formando plateia das artes visuais. Temos exposições no Rio e em São Paulo batendo recordes de visitação, cumprindo esse papel de aproximação nos últimos anos. O grafite cumpre também o papel de devolver lugares esquecidos à cidade, locais abandonados que ninguém mais olhava. Revitalizando e dando vida voltando a fazer parte da cidade, inclusive comercialmente falando. A arte cumpre um papel social muito forte, e o fazer artístico precisa estar mais disseminado para nós como artistas nos apropriarmos da cidade.
Sem edital e autorização do proprietário, chegar e fazer sua arte no estilo vandal?
O grafite em essência é sem autorização e uma intervenção livre, então como artista eu experimento essa sensação de modificar a cidade ao meu gosto. Por mais que seja um lugar degradado, nesse andar pela cidade você acaba ganhando uma intimidade e desenvolve uma relação diferenciada com as ruas. Esse sentimento despertou um senso de cidadania muito forte, e venho buscando meios de compartilhá-lo através de projetos. Estimular pessoas da sociedade a mudar a cidade e deixá-la mais como querem, porque as cidades são frutos de disputas e temos essa ambição política. Se não, vamos continuar a ter uma cidade que não serve às nossas necessidades e interesses.
Você tem uma estética e linguagem completamente politizada, como você vê o papel do artista com relação à política? Como você desenvolveu esse conceito e por quê?
Dentro do meu fazer artístico e das minhas pesquisas, sigo uma máxima: a missão do artista é tornar a revolução irresistível. Porque a arte condiciona comportamentos e a cultura da sociedade, então quando você como artista está criando memória e obras forma a sociedade. O artista querendo ou não acaba tendo essa responsabilidade, numa sociedade onde existem diferenças sociais e disparidades econômicas tão grandes com disputas de classes. Se o cara não está defendendo a ideologia de quem está desfavorecido ou criando memória para defender o que acredita, ele está endossando o capital. Muitas vezes defendemos o pensamento não capitalista usando recursos do capital, mas conseguir fazer isso de uma maneira eficaz não é fácil. O artista também possui necessidades além de fazer arte, a merda toda é que ela está se transformando em sinônimo de entretenimento.
Mesmo a contundente, incisiva e contestatória virou também só comercial?
O conceito do que é arte está se deturpando, vive se modificando no decorrer da história e vai ter outras utilidades e interpretações. Hoje temos uma arte cada vez mais utilitarista, no sentido de se tornar uma ferramenta de distração e entretenimento. As pessoas já fazem arte pensando no produto e na venda, e não no que ela genuinamente pode expressar, impactar ou apontar de caminhos para a sociedade. Isso gera motivações que também são deturpadas e restringem muito as possibilidades artísticas. O que mais me motiva atualmente é pensar, refletir e criar a partir dessa percepção da arte como poder: político, de cura e transcendência. Venho pesquisando muito sobre percepções a respeito do poder político e essa exposição reflete isso, a arte sendo veiculada como uma ferramenta de comunicação e convencimento, disseminação de ideologias e mobilização
Nessa exposição houve uma mudança de técnica em relação a sua estética ao trazer telas pintadas com pincel, além da pegada específica de mídia e política?
Pinto na pista há pelo menos 23 anos, minha onda sempre foi com o spray, mas já fiz trabalhos com pincel experimentando várias técnicas. Antes estava mais preocupado em desenvolver um traço único mais autêntico para identificar o trabalho do Airá Ocrespo em relação aos artistas. Mas também incorporei essa estética do meme como uma forma de criar uma maneira de propagar as minhas mensagens de uma forma mais efetiva e contundente sem ficar pesada. Porque o meme trabalha com o humor e a subversão dos sentidos, que possibilitam surpreender as pessoas. Isso muitas vezes cria a identificação e uma aceitação melhor sobre o que estamos falando. Nessa busca de tornar a revolução irresistível, quero minha arte além de bela, provocadora e intrigante, gerando reação. Algo como o Racionais foi para mim, que me moveu, chegar no nível das minhas referências. O meme é uma estética diferenciada, porque não está nas ruas. Comecei a entender que as redes sociais são como muros virtuais e o grafite um post na rua, porque de certa forma nas redes todo mundo pode publicar como num muro e é algo meio desregrado.
Viraliza se você pensar num local que passe um trem ou tenha um fluxo intenso de gente, por exemplo.
As pessoas estão vendo, existe uma similaridade nesses dois campos, isso começou a ficar interessante e fui incorporando essa estética nos meus trabalhos nas telas como um novo campo de atuação. As ruas acabam sendo muito efêmeras, amanhã alguém pode pichar, cobrir, pintar, cair um reboco, etc. Toda aquela mensagem se perde, mas nas telas perdura por mais tempo. Com uma exposição consigo criar uma história, me aprofundar mais no assunto com diversas obras dentro de um mesmo contexto. Por mais que tivesse uma narrativa nítida nos meus trabalhos de rua, ao estudar a arte contemporânea entendi melhor o poder de criar, disseminar e perdurar essas narrativas para disputar a história na sociedade. Virou o meu motor: tornar a revolução irresistível disputando a história.
Você sempre teve essa liberdade de criação nos seus trabalhos?
Desde a época das ONGs criei uma rede de contatos e entendi como o mercado cultural funciona. Estudar marketing e propaganda facilitou a me posicionar e apresentar o meu trabalho, dando um trânsito e consciência de como me formatar para o mercado. Vivo de arte há mais de 20 anos e é cada vez mais raro fazer trabalhos que não façam sentido para a minha trajetória artística. Fruto de uma conquista, porque ser artista preto e periférico no Rio de Janeiro é difícil. Ser reconhecido e ter certo poder de escolha é difícil para cacete, então tenho muito orgulho mas também gratidão às pessoas que me ajudaram.
Boa parte do seu trabalho trata da questão racial ao pintar pessoas negras, qual a importância de tocar nesse tema?
Não falo sobre o racismo, estou falando sobre ser negro, enaltecer a cultura, as demandas e a história preta. Infelizmente, no contexto de sociedade que vivemos, já é um trabalho anti racista. Me entendo como uma resposta, uma bomba dentro do sistema racista. Não quero ser uma referência de resistência e sim de ataque, quando fiz o projeto Ori [enaltecendo personalidades negras], por exemplo, trouxe os guerreiros ponta de lança que lutaram por nós. O racismo faz parte dessa guerra e ao não declará-la, não tomamos ciência de que ela está acontecendo. Assim não temos uma atitude de defesa, que exige organização, enquanto uma atitude de escape é cada um por si. Precisamos ser guerreiros, as mudanças não vão acontecer sem conflito e sem combate, e as pessoas desfavorecidas precisam tomar consciência disso para não continuarem morrendo. Minha arte busca estimular respostas, não é levantar a mão para se defender e sim para a trocação. Não sou uma pessoa violenta, mas não vamos abaixar a cabeça para mais ninguém.
Qual a diferenciação do mercado público e privado da arte nos últimos anos?
O artista tem que se virar, e existem alguns caminhos. Os recursos públicos, teoricamente mais democratizados, são feitos através de convocações e qualquer pessoa pode concorrer à competência apresentada. Acredito muito nos projetos como meio de gerar soluções e os editais viabilizam isso. Os recursos privados, que estão dentro de uma bolha e muito mais difíceis, não têm compromisso com as coisas que quero propagar mas muitas vezes desenvolvo através de convites. Tenho muita vontade de ter patrocínio para os meus trabalhos para promover a cidadania. Precisamos entender o poder desse protagonismo cidadão tornando os locais onde a gente vive e circula como queremos. Se não, ficamos reféns da cidade onde vivemos, seja da milícia, partidos políticos, grupos econômicos, etc. Somos a maioria dessa porra, só que eles estão articulados e têm uma noção nítida do que querem. A cidadania é uma forma de dar consciência às pessoas de que a cidade também é delas, precisamos reivindicar as coisas para termos poder.
Falamos do rap e citamos as dissidências, essa coisa de essência e comércio também está no grafite? Tem coletivo ou virou um monte de famoso cada um por si?
O movimento de assimilação da cultura urbana pelo capital mudou a visão colaborativa para uma competitiva. Minha geração tinha uma visão de mudar o mundo, só que também queríamos mudar nossa vida porque somos pobres e viemos do nada. Essa ideologia de fazer porque acredita e combater certa ideologia foi se perdendo. A cultura urbana começou a se tornar mainstream na medida em que o capitalismo se sobrepôs a qualquer outra ideologia. Hoje as pessoas se constrangem ao falar de comunismo, de se colocar como socialista, mas ninguém tem vergonha de falar que é capitalista, embora esteja fodendo com o mundo todo. Infelizmente temos uma cena muito mais dispersa em todos os elementos do hip hop, porque uma visão de mercado e ganhar dinheiro foi prevalecendo. No rap temos essa geração sem compromisso com o que fala, fazem um trap e outros estilos musicais sem responsabilidade social com os impactos das suas artes. A cena do grafite, apesar de não ter uma visão mais romântica, produz suas estrelas e acaba acirrando a competitividade. O foda é que muitas vezes os artistas dessa cultura de rua não entendem que fazer arte é só um aspecto, você tem que ser um empreendedor de si mesmo: gestor, promotor, articulador, elaborador de projeto, etc. A porra toda para que você tenha autonomia e não dependa de convites, empresas, produtores, porque essas pessoas vão te moldar e você perderá a autenticidade. Vemos um monte de produto no mercado e poucos são genuínos.
Voltando para política e rua, como você vê essa ascensão da direita levando em conta que teve alguns grafites ratados de forma claramente política?
O grafiteiro acaba desenvolvendo um desapego com o que faz, porque é tudo efêmero, tá na rua pode acontecer qualquer coisa. Não tem controle nem dá para ter posse da parada, mas quando o grafite tem um cunho político e de certa forma é rasurado dentro desse contexto, aquele ato acaba tendo outra coisa. Isso sempre aconteceu comigo, há 20 anos pintava um monte de personagem negão. A questão é que a direita detém o poder econômico e consequentemente da fabricação das narrativas, por isso consegue disseminar muito mais sua ideologia. Pessoas que têm pensamento mais à esquerda não têm no geral uma preocupação tão grande com essa disputa da história. A direita sabe que o que eles vendem é prejudicial ao cliente e por isso precisa deturpar a história para as pessoas comprarem as suas coisas. Para vender ideias produtos, eles precisam enganar as pessoas, e sabem que funciona através da comunicação que eles detém através do poder econômico. Fazem isso sistematicamente como manutenção do poder, e a esquerda muitas vezes tem muita preocupação moral em não se tornar poder hegemônico. A direita quer que se foda, só pensa em botar o capital acima de tudo exaurindo os recursos do mundo. Nos limitamos com nossos compromissos éticos e morais.
Tua exposição dialoga com isso no sentido de alertar sobre o que está por vir.
Essa exposição é uma síntese de três anos de trabalho e pesquisa, a Farsas Armadas – uma década de memetização é para tratar os últimos dez anos da política brasileira. Os memes são uma arma muito forte na guerra cultural e de desinformação, mas mesmo eu não sendo cientista político ou teórico da comunicação, os memes dentro desse contexto é o que mais se aproxima da arte. É o caminho mais adequado para falar com legitimidade e um mínimo de propriedade. Essas pessoas criam cortinas de fumaça deturpando as pautas necessárias para fazer esses debates que não fazem o menor sentido. Ocupam o espaço do debate público e a cabeça das pessoas sobre o que é importante ou não, isso nos torna vulneráveis a todas as mudanças que acontecem à nossa revelia.
2024 será divisor de águas, o ano em que mais acontecerão eleições na história da democracia mundial. Eleições presidenciais nos EUA, na Rússia, Índia e alguns dos países mais populosos do mundo, então veremos se vai entrar um populista de direita ou alguém que defende minimamente a democracia. Se o Trump ganha nos EUA ou outro extremista na Índia, Putin na Rússia, muda a configuração do poder e a direita vem com tudo. O estrago em quatro anos não conseguimos recuperar em dez. Eles já contaminaram uma geração, temos vários jovens fascistinhas, podem acabar com a educação a partir dos filhos criados por eles. A inteligência artificial vindo aí também, daqui a pouco temos um grande irmão, tudo com câmera, etc. O estrago é muito efetivo e a sociedade distópica tá logo ali.
Quais são as suas perspectivas profissionais, tem projetos em vista já?
Estou fazendo um projeto que é a minha menina dos olhos, o Portais para o futuro, para usar a arte como forma de promover cidadania. Visa pintar sonhos para criar uma mobilização comunitária, pessoas sentirem também esse prazer de transformar a cidade ou o seu redor com a sua cara. A pessoa que não constroi o seu sonho está construindo o sonho de alguém. Se a gente não sonha ou tem algo que traga propósito de vida, vai se apagando, murchando, se tornando desesperançoso. Essa pessoa está vulnerável à maré ou ao vento, cai na ideia da extrema direita, fica desiludida e desgostosa da vida, resignada, se torna uma recalcada. O sonho gera um compromisso com ela mesma, porque tem que se auto conhecer e nesse processo cria uma visão crítica para despertar e abrir caminhos. Esse é um projeto que gostaria de ter patrocínio, mas só venho conseguindo fazer a partir de edital ou recursos próprios. Quero fazer ele em escala para multiplicar mais.
Neste ano vou fazer também o Zona de Arte Urbana, no Viaduto de Madureira, aprovado em edital em parceria com a galera local para transformá-lo num grande museu da história do charme e black music. Transformar o viaduto num polo de arte urbana, mas para isso precisa de mais recursos para manter e dar continuidade. Outra perspectiva é buscar espaço na arte contemporânea, que é um terreno muito competitivo. Não tenho o meu trabalho em nenhuma galeria, e nem sei se quero também porque talvez tenha que mudar o meu fazer e me gerar problemas. Mas sou capaz de falar e defender uma narrativa ali e fazer diferença, então estou acreditando numa trajetória na arte contemporânea. E profissionalmente tenho uma missão também de muralista, pintar fachadas. Mas meu grande sonho mesmo é viajar com meu trabalho e criar portais para disseminar os sonhos, deixar pinturas para espalhar minha mensagem e fazer shows com rap para criar uma diversão construtiva. Isso tudo é uma luta, mas tô caminhando sem abandonar as coisas que faço e considero importantes. Ganhando dinheiro com isso vou investir cada vez mais nas coisas que acredito e defender essas ideias com mais força para torná-las mais relevantes.