Afinal de que serve um corpo doente, e uma mente exausta? Dane-se, eu quero mesmo é saber com quais armas eles nos matam
Observei os inúmeros corpos que estavam no mundo sem amparo, e devemos continuamente olhar para as escolhas e atitudes que nos acompanham, para aprender inclusive a olhar como a sua maneira de viver é uma não maneira para o outro.
Texto do TransPoeta Pletu
Brasil, país que mais tem registro de mortes violentas por transfobia no mundo, segundo a ONG Transgender Europe desde 2015, sendo o suicídio a segunda causa de morte depois do assassinato, aliás, quem consegue, ter paladar para entender o quanto é exaustivo permanecer imerso em modelos que nos empurram cotidianamente moldes desastrosos, nos colocando para longe da diversidade, ancestralidade e até mesmo daquilo que somos por essência. Seres plurais. No desenvolvimento da vida entendemos que existem 3 eixos que nos norteiam, o social, econômico e o cultural, (o engraçado é que não falam que aprendemos errado) aprendemos a consumir, objetos, roupas, comidas, e há ainda quem aprendeu a consumir pessoas e afetos, mas eis que surge dentre inúmeras coisas que nos atravessam, algo que nos consome e nos deixa debilitados, é a inexistência de nossa saúde mental que se manifesta muitas vezes por meio da depressão, tristezas e sensações que se instalam, nos deixando mal, fincando em nosso peito um certo vazio, que permeia nossa matéria, sendo bactérias nocivas, como aquelas que em suma, causam morte em vida.
A saúde mental faz jus ao nosso tempo, ao tempo de garotas e garotos trans, em pleno século 21, em sua 39° semana , muitos dos nossos ainda arquitetam matar a morte, o tempo natural da coisas, o próprio tempo, e há também quem já partiu, como o doloroso suicidio de Demetrio Campos, uma pessoa trans que tinha depressão e lutava dia após dia para vencê-la, o jovem antecipa sua morte, decidindo acordar em outro lugar em 17 de maio de 2020 e então por um momento nossos dentes enferrujam, algo repele abertamente, o quão dói, gritos que ainda sem querer silenciar; algumas pautas negligenciam: Eu preciso dizer que te amo!
Ao citar a produção “Preciso dizer que te amo”, um Documentário de Ariel Nobre, um corpo trans, é declarar sua importância nessa pauta que demarca em nosso espaço-tempo a necessidade de falar sobre a resiliência e a luta contra o suicídio entre as pessoas trans. Afinal nosso corpo estabelece no mundo, relações, desse corpo consigo, e desse corpo com o mundo. Eu, por exemplo, um garoto trans retinto, que além dessa matéria que me tece, sempre senti meus outros corpos, mas durante anos, o meu corpo mental, foi saqueado, aliciado e doente, isso não muda com a realidade imposta no Brasil, onde 6% da população brasileira é diagnosticada com depressão, e outras doenças como a ansiedade carregam a maior taxa do mundo.
Na minha vida a terapia até hoje me ocupa espaço, há sete anos, foi fácil reconhecer que eu precisava de ajuda, pois não comia, saia, e mesmo namorando a satisfação sexual havia deixado de ser satisfatória, e com o tempo, eu me afastava de todos, fui morar sozinho, não visitava minha mãe, não estava mais entre amigos. Não sei em que momento, comecei a ter visões de pessoas se jogando na frente dos carros, ou as inúmeras vezes que fiz minha namorada ir embora dos lugares comigo, pois estava com medo, mas sei exatamente quando os espelhos tinham se tornado meu pior inimigo, e deixei de sentir prazer ao me olhar no espelho, pois nem todos se sentem confortáveis com curvas seios, e um género feminino atrelado ao seu corpo, físico, mental e social. Ao entender o que me atravessava, transbordei, porque o papel da mulher representava tudo pra mim, menos a forma como eu me sentia. Pronto, a depressão recai sobre meu corpo aos 23 anos, sofri durante anos e mesmo fazendo terapia entendo que meu problema maior não é a transição ou transcender o gênero, mas o peso da sociedade que veio de forma prejudicial no meu psicológico.
“Eles negam a linha e a agulha, mas depois de um tempo, cabe a nós costurar os nossos” @1pletu
Quantos de nós fomos ensinados a cuidar do nosso emocional ou mental? É complicado refletir sobre isso em um país que nos ensinam que nosso mal estar está atrelado a um baixo consumo, que permeia um censo que nos introduz a um pensamento ilusório, referente a masculinidade ou feminilidade, que mantêm sérios problemas no acesso a uma saúde mental de qualidade, até porque é importante observar que alguns corpos ao fazer terapia, refletem a vida, os sonhos, os brindes, as conquistas. Mas a verdadeira importância para um corpo trans é que o acesso a saúde mental colabore na manutenção/conservação da vida em vida, onde em suma maioria contribui sem medida para que esses corpos não fiquem desolados e possam se sentir menos oprimidos, desumanizados ou sem valor, estabelecendo um certo respiro para com os desafios que continuam a aparecer, seja ao lidar com os olhares da sociedade, com os afetos negados e a relação de amor e ódio que se instaura em todos nós, meros corpos em formatação. Nesse período da Covid-19, observei os inúmeros corpos que estavam no mundo sem amparo, e devemos continuamente olhar para as escolhas e atitudes que nos acompanham, para aprender inclusive a olhar como a sua maneira de viver é uma não-maneira para o outro, e alguns sofrem com o efeito disso, no caso da saúde mental: um desamparo.
Precisamos falar que ter alguém que te escute, sobretudo no intuito de lhe prestar ajuda, é crucial para qualquer ser humano, ainda mais depois dos inúmeros gatilhos de insensibilidade para com alguns corpos nesses tempos do Covid-19. Então termino essas reflexões insurgentes falando de mais uma lição nessa quarentena, que é INSISTIR NESSE OLHAR pro outro (que não é tão outro assim porque tem mais dele na gente do que suponhamos) e entender que CUIDAR do outro também é cuidar de si, até porque estar saudável é poder jogar a corda para o outro agarrar, enquanto puxamos a corda com toda sensibilidade do mundo. Sobretudo reafirmo que acesso a saúde mental é para todos que queiram ter uma consciência legítima e equilibrada, mas em outros casos também é sinônimo para se nutrir internamente, se mantendo vivo de uma maneira saudável, pois é complicado exalar vida, se aspiramos morte da nossa comunidade dia após dia, e por mais que eu seja o primeiro lgbti+ e o primeiro que está em uma pós-graduação na minha família, e talvez um dos poucos que têm o privilégio de estar vivo após ter passado por depressão, meu ensejo é que esse texto seja para além de pessoas trans se cuidando e/ou tendo acesso ao cuidado mental, que essas palavras se estabeleçam como munição para pensar sobre ser regra e não exceção, porque a saúde da população trans está passando por um processo de reavaliação constante, por novas taticas e técnicas de auxiliar-nos, e tudo isso é por conta das novas demandas e configurações que nossos corpos estabelecem. Pois em meio a muitos aspectos que uma saúde de má qualidade nos afeta, lançar luz, sobre a saúde mental de nossos corpos é um nicho emergencial.
Afinal, qual é a dor e a graça de ser quem se é? E quem é você mesmo nessa causa?
[Não sei terminar esse texto, a estrada ainda é longa]