Acari, Candelária: mães pretas unidas na luta
Num país em que temos um George Floyd a cada 23 minutos, as histórias de resistência e força das mulheres negras e pobres têm muito a ensinar às elites do atraso.
Por Renata Souza e Mônica Cunha*
O levante antirracista que se espalhou por vários países do mundo após o assassinato de George Floyd, em Mineápolis (EUA), no início de junho, trouxe o racismo institucional das polícias para o centro do debate político mundial, mesmo em meio à maior crise de saúde e econômica do século XXI, provocada pela Pandemia de Covid-19.
No Brasil, esse tema ganha contornos ainda mais trágicos se considerarmos a quantidade de mortes praticadas pelas forças policiais anualmente e o perfil das vítimas. No Rio de Janeiro, estado recordista de violência letal policial, de 2003 até hoje, foram mais de 17 mil autos de resistência (terminologia usada para registros oficiais de mortes praticadas por agentes da segurança pública em serviço). Uma média de mil mortos por ano, dos quais 75% são jovens negros. Um verdadeiro genocídio que contou com a participação de todos os governos do estado ao longo destes 17 anos.
No momento em que a luta contra o racismo policial ganhou destaque mundial, a experiência dos movimentos sociais que sempre estiveram à frente desta pauta precisa ser destacada, pois são as referências desta luta. Falamos aqui, especificamente, de dois deles que, nesta semana, são lembrados: Candelária Nunca Mais e Mães de Acari.
Nascido após a chacina da Candelária, ocorrida em 23 de julho de 1993, quando oito crianças e adolescentes foram executados a tiros enquanto dormiam em frente à Igreja da Candelária, no Centro do Rio, por policiais militares, o Movimento Candelária Nunca Mais é uma grande articulação de militantes e organizações da sociedade civil. Todos os anos, realiza uma vigília das mães de vítimas da violência, seguida de ato ecumênico e uma grande caminhada pelas ruas do Centro, para que este episódio não caia no esquecimento. Há 27 anos, seus membros lutam por políticas públicas efetivas e de qualidade para que se encerre o ciclo de violência que vitima a juventude negra, pobre e periférica neste país.
Da mesma forma, as Mães de Acari são referência para todo o movimento de familiares de vítimas da violência de Estado no Brasil há 30 anos. Sua história de militância tem início em 26 de julho de 1990, quando seus 11 filhos, jovens, foram sequestrados, mortos e tiveram seus corpos desaparecidos por um grupo de extermínio denominado Cavalos Corredores, formado por policiais militares.
As circunstâncias do crime, que remetem diretamente ao modus operandi da repressão política da ditadura civil-militar brasileira, ocorrido ao fim de uma década de redemocratização do Estado brasileiro, contribuíram para o destaque do caso, mas foi a atuação destas mulheres da favela, negras em sua maioria, que chamou a atenção do mundo. Mulheres incansáveis que sofreram todo tipo de intimidação, inclusive o assassinato de Edméia, uma das lideranças mais atuantes, em circunstâncias que indicam se tratar de uma execução.
Estas grandes mulheres, até hoje, não encontraram seus filhos, mas sua luta inspira e orienta movimentos de mães e familiares contra a violência de Estado em todo o Brasil. O seu legado são todas as mães que, encorajadas pela sua trajetória, fizeram do seu luto a luta coletiva contra o racismo institucional que orienta as políticas de segurança pública num país de tradição escravocrata como o nosso.
E é a elas e a todas as mães que estão na luta, que fazemos nossa homenageam neste dia 25 de julho, Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. Mulheres negras da favela que, ao se moverem, movimentam as estruturas da sociedade, deixando um legado de luta coletiva. Mulheres estas que seguem reafirmando a nossa capacidade de mobilização e de luta por uma sociedade livre de qualquer tipo de opressão. Mulheres que nos inspiram a alçar voos ainda mais altos, para que estejamos nos espaços de tomada de decisão, tanto no legislativo quanto no executivo.
Num país em que temos um George Floyd a cada 23 minutos, as histórias de resistência e força das mulheres negras e pobres têm muito a ensinar às elites do atraso.
*Mônica Cunha é fundadora do Movimento Moleque e coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.