É quase certo que você, leitor ou leitora, já tenha escutado alguma coisa sobre “regulação das redes sociais”. Seja nas notícias, nos discursos políticos ou nos debates entre amigos, o tema tem ocupado lugar de destaque. E não é por acaso. As redes sociais se tornaram o palco central da vida pública e privada contemporânea — influenciam eleições, hábitos de consumo, relações pessoais e até o modo como vemos o mundo. Com tamanho poder, crescem também os riscos: da desinformação aos discursos de ódio, da manipulação política à exploração comercial de crianças e adolescentes, diversas questões da contemporaneidade perpassam e são influenciadas pelos conteúdos consumidos nas redes sociais.

Frente a esse cenário, a necessidade de regulação cresce exponencialmente e se coloca como uma demanda da sociedade – segundo pesquisa recente realizada pela Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados, “78% [dos brasileiros] afirmaram acreditar que as plataformas precisam ter mais responsabilidade por suas atividades do que têm atualmente”.

A regulação das redes sociais não é uma pauta exclusiva do Brasil e vem ganhando força em várias partes do mundo; em 2022, a União Europeia aprovou o Digital Services Act (DSA), impondo obrigações de transparência às grandes plataformas sobre moderação de conteúdo, publicidade e algoritmos, com multas bilionárias em caso de descumprimento. Nos Estados Unidos tramitam no Congresso propostas, tanto de democratas quanto de republicanos, voltadas à proteção da saúde mental de crianças e adolescentes, especialmente após escândalos envolvendo o Instagram e o TikTok e o aumento de casos preocupantes como automutilação, desafios perigosos e abusos favorecidos por algoritmos.

Essas iniciativas internacionais mostram que a preocupação é mundial e urgente.

Embora o Brasil tenha sido referência em temas digitais com o Marco Civil da Internet, hoje está longe da vanguarda nesses temas em relação a outros países; o principal esforço legislativo, o Projeto de Lei 2630/2020, que busca criar a “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”, foi aprovado no Senado, mas está parado na Câmara dos Deputados, onde outros projetos também enfrentam forte resistência, impulsionada pelo lobby das big techs, apesar do crescente clamor por regulamentação. Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal iniciou em 2024 o julgamento do Tema 987, que discute a constitucionalidade do artigo 19 — que isenta as plataformas de responsabilidade pelo conteúdo postado por terceiros —, mas o processo está suspenso desde dezembro após pedido de vista do Ministro André Mendonça.

Apesar do impasse e das paralisações no Congresso e no Supremo Tribunal Federal, a regulação das redes no Brasil não está totalmente estagnada – ou pelo menos não deveria. Isto porque, apesar do debate sobre a regulação e responsabilidade das plataformas digitais girar em torno da atuação dos poderes citados, o Poder Executivo também tem um papel fundamental e não pode se omitir.

Nesse sentido, o governo federal já possui respaldo em marcos legais como o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e a Constituição Federal para poder atuar na arena digital criando obrigações de transparência e proteção derivadas dos diplomas legais mencionados. Esses instrumentos permitem a atuação imediata por meio de decretos e regulamentações infralegais, sem invadir competências de outros poderes.
 
Assim, é possível ao Governo Federal avançar na criação de políticas públicas e medidas regulatórias que dialoguem com a sociedade civil e o setor privado, especialmente no enfrentamento de questões urgentes ligadas à atuação das Big Techs. A edição de decretos presidenciais, por exemplo, surge como uma via eficaz para detalhar legislações já existentes, promovendo maior transparência, previsibilidade e equidade nas práticas das plataformas, além de refletir as prioridades institucionais com repercussão em toda a administração pública.

Em especial, é importante lembrar que o Governo Federal é o maior cliente publicitário do país, dentre outros entes públicos que também investem grandes cifras em comunicação institucional, inclusive no ambiente digital. Esse poder econômico pode — e deve — ser usado com responsabilidade para estabelecer critérios de veiculação de publicidade em plataformas digitais, condicionando contratos e repasses a compromissos com a transparência algorítmica, a proteção de dados e o combate à desinformação. Ao adotar uma postura mais proativa e estratégica, o Executivo contribui não apenas para regular o ambiente digital, mas também para induzir boas práticas de mercado, fomentando um ecossistema mais saudável, democrático e alinhado com os direitos fundamentais.

Na Grécia Antiga, as ágoras eram formadas por praças públicas que representavam o verdadeiro coração da pólis (cidade-estado), onde a vida política acontecia através do debate, criação de leis e de trocas econômicas, culturais e filosóficas. No início da Era Digital, a promessa era do estabelecimento de uma “ágora digital”, a promessa da democratização radical das arenas públicas globais através da Internet.  Entretanto, aos poucos, esse ambiente digital completamente desregulamentado acabou por entregar um cenário marcado por opacidades, abusos e desequilíbrios de poder.
 
A “ágora digital” sonhada foi sendo capturada por interesses privados, movida por algoritmos que priorizam engajamento a qualquer custo — muitas vezes em detrimento da verdade, da segurança e do bem-estar coletivo. O que era para ser um espaço plural de diálogo e construção democrática se tornou, em muitos casos, um terreno fértil para a polarização, a violência simbólica e a exploração de vulnerabilidades.

Diante disso, a regulação desse espaço, antes de ser vista como uma ameaça à liberdade de expressão, deve ser uma oportunidade de garantir que o mundo digital cumpra sua promessa original: ser um ambiente acessível, democrático, junto e seguro. Cabe ao Estado — em suas diversas esferas — agir para promover essas mudanças, com responsabilidade e visão para dar suporte à construção de uma esfera digital à altura dos desafios do nosso tempo.

Humberto Ribeiro é advogado, cofundador e diretor jurídico e de pesquisa do Sleeping Giants Brasil. 
Flora Santana é jornalista e consultora em direito e tecnologias da comunicação.  
Roberta Migueis é advogada, especialista em Direito Civil e Processo Civil, com ênfase em Direito do Consumidor e Contratos.
Fabiana Valgas é pesquisadora e especialista em Direito Digital.