A pequena vitória diante da MP 910 e um desabafo emocional de uma ativista
O dia hoje foi duro. Em meio à pandemia, preocupações sobre familiares e amigos que lutam contra a COVID-19, novo recorde de mortes registradas – hoje foram 881 – e vídeos escandalosos que estremecem a República, a Câmara dos Deputados resolveu colocar em votação a MP 910, editada pelo governo Bolsonaro, e que, na prática, […]
O dia hoje foi duro. Em meio à pandemia, preocupações sobre familiares e amigos que lutam contra a COVID-19, novo recorde de mortes registradas – hoje foram 881 – e vídeos escandalosos que estremecem a República, a Câmara dos Deputados resolveu colocar em votação a MP 910, editada pelo governo Bolsonaro, e que, na prática, pretende regularizar as ocupações e invasões criminosas em todo país, além de anistiar os criminosos.
Uma reação forte de vários setores da sociedade tomou conta das redes. Ambientalistas, Ministério Público, CNBB, ativistas, indígenas, vários artistas e pessoas públicas de peso como Bruno Gagliasso, Anitta e Gisele Bündchen, mídias independentes, movimentos sociais, organizações da sociedade civil e interessados no tema se ergueram para tentar barrar o retrocesso. Uma ampla mobilização se enredou e cresceu ao longo do dia. Muitas inteligências juntas, muitos esforços somados.
Uma dança, num momento tão decisivo. O resultado foi que, por fim, depois da ameaça da aprovação, a votação da MP foi adiada e a vitória, por ora, garantida. Há ainda possibilidade de votação, no entanto, mais provável é que um novo projeto de Lei com um teor anti-socioambientalista horripilante seja apresentado em breve. Portanto, como dizem, vencemos a batalha – que deve ser comemorada – mas ainda não a guerra.
O Brasil vive o momento mais dramático de sua história recente. Vivemos o impeachment de Dilma Rousseff, inconstitucional, com vários episódios de Estado de exceção. Desde então, testemunhamos uma série de atrocidades: ruralistas ocupando instituições que deveriam proteger o meio ambiente; especuladores imobiliários ditando políticas de cidades e patrimônio… Para onde se olhava, estava a agenda Brasil ocupando os espaços como cupim.
O Brasil que emergiu das políticas públicas das últimas décadas com Lula e Dilma, o do-in antropológico conceituado por Gilberto Gil no corpo diverso do país, em que a ancestralidade se entrelaçou com o contemporâneo, o velho com o novo e a invenção com a tradição. O Brasil finalmente parecia que ia alçar seu merecido voo. Claro que os velhos problemas ainda latejavam. Era preciso mais tempo, mais investimento, mais política para esse novo Brasil; mais reformas, mais distribuição de renda; mais reparações históricas.
A luz, contudo, projeta também sombras e diante das possibilidades que afloraram, nos defrontamos com o nosso pior. O anti sonho, a distopia, o Black Mirror do impensável. A dura contra reação com seu choque de realidade. Pausa. Todas as gerações, porém, têm seus desafios, e particularmente, a nossa geração que se alimentou desse Brasil de possibilidades, tem compromisso histórico em resistir e avançar.
Não há lutas sem memórias, sem ancestralidade, sem audácia ou coragem. Precisamos romper a depressão, o imobilismo, a descrença e ao contrário disso, injetar uma dose grande de ânimo àqueles que urgem; de criatividade, paciência e energia para contrapor a ignorância. O dia de hoje nos faz lembrar que é possível sim, com organização, coletividade, resistir e avançar. Nos organizar, nos unir em redes e acumular pequenas vitórias para assim percorrer até aquelas que serão grandes e decisivas. Assim, com respiro profundo, tomar fôlego e seguir batalhando.
Nas palavras surradas de velhos poetas, a gente pára e se alimenta: ¨Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores, há os que lutam muitos anos e são muito bons. Mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis¨. Precisamos de todos eles e elas juntos. O momento é decisivo. ¨O presente é tão grande, não nos afastemos¨.