Foto: divulgação

É impossível falar de legado para o povo preto e periférico sem mencionar o nome de Andreza Delgado. Com apenas 29 anos, ela é uma das criadoras da PerifaCon, a maior convenção de cultura nerd das favelas, que chegou à sua 4ª edição e que ocorreu neste fim de semana, entre os dias 27 e 28 de julho, na Fábrica de Cultura de Diadema. Em 2021, Delgado foi reconhecida pela revista Wired Magazine como uma das 50 profissionais que transformaram a criatividade no Brasil. Em 2023, entrou para a lista BBC 100 Women, sobre mulheres inspiradoras. Apresentadora, Youtuber e Podcaster, essa jovem e inspiradora revolucionária luta pela democratização do acesso à cultura dentro dos territórios periféricos.

Na coluna de hoje, ela abriu seu coração e nos contou como estava sua ansiedade para essa nova edição do evento, a importância da democratização do acesso à cultura e o seu papel e legado à frente de uma iniciativa que vem transformando a vida de milhares de jovens periféricos.

Com vocês, a disruptiva Andreza Delgado: 

Minha querida, conta pra gente: como está seu coração a poucos dias de mais uma edição da PerifaCon?

Cara, tem poucos dias para o evento finalmente acontecer e nós estamos um pouco apreensivos, mas muito felizes! E acho que é normal este sentimento. Todas as vezes que vou fazer mais uma edição da PerifaCon, eu sempre fico um pouco apreensiva. Mas isso é bom, porque aí fazemos as coisas com mais cuidado! 

Como surgiu essa sua paixão pela cultura geek?

Assisti muita TV aberta e, assim, foi muito tempo pra eu entender que eu gostava, mas eu acho que na PerifaCon, quando eu vou fazer a PerifaCon, entendo que esse conteúdo todo reunido me faz geek. Costumo falar que me tirou do armário, que é esse lugar de: pô, eu gosto de colecionar. Nossa, eu gosto de quadrinho. Pô, eu gosto de eventos. Então, se eu fizer isso aqui com meus amigos, se eu me organizar aqui desse jeito, significa que eu faço parte da cultura gamer. Então, acho que a PerifaCon tem esse poder de reunir e deixar as pessoas até mais confortáveis nessa coisa da comunidade. Porque aí, se você está entre os seus, entre os pares, você fica mais confortável, até para se reconhecer.


Qual a importância de levar um evento como esse para a periferia?

Cara, no final de tudo, e acho que isso responde várias outras perguntas que você traz, a PerifaCon acaba cumprindo várias metas, que é desmistificar esse olhar dessa periferia, que é um lugar de escassez, violência, e, no caso, como se a gente só produzisse determinadas coisas. A gente tá só no rap, só no samba, só no hip-hop. Ao mesmo tempo, o hip-hop tá se alimentando também da cultura do anime, da cultura dos quadrinhos, inclusive isso vai aparecer na nossa programação. Então, isso é muito louco, assim, porque é olhar pra essa quebrada e enxergar infinitas possibilidades, sabe? Infinitos multiversos que estão dentro dessa periferia. Então, assim, para a gente é muito importante, porque aí a gente consegue trazer para a ordem do dia o acesso à cultura, mas dentro do território. Porque muitas das vezes, para ter esse acesso à cultura, é preciso que esse morador se desloque. E não é isso que a gente quer. A gente quer que as pessoas circulem pela cidade, mas, pô, que legal ter um evento na porta da sua casa, na quebrada, de uma qualidade tão grande quanto a PerifaCon.

Sabemos que empreender no Brasil, especialmente em iniciativas culturais e sociais, não é fácil. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao longo de sua trajetória e como conseguiu superá-los?

A questão de empreender no Brasil é difícil, a gente está no equipamento cultural, a gente não cobra ingresso, a gente depende de uma articulação no sentido de conseguir viabilizar através de captação de recurso ou via um acesso à uma marca, à uma iniciativa privada. Então, isso é um desafio, porque a gente precisa entregar um trabalho de grande excelência. E eu sinto, e aí eu falo para você, eu estou o tempo todo me cobrando, cara, “esse trabalho precisa ser excelente”. Porque o que a gente sente por aqui é que isso não é só sobre a gente enquanto PerifaCon, não é só sobre o empreendedor que está dentro da PerifaCon, mas também sobre as outras iniciativas que vão empreender dentro da periferia. Então, se eu faço com que o evento da PerifaCon dê certo, significa que outras iniciativas que são de periferia e parecidas com a PerifaCon também podem. Eu já tenho esse case, eu transformo a PerifaCon num case e aí eu já fico pensando como eu posso facilitar o próximo que vem depois de mim. 

Você acredita que a pauta racial avançou no Brasil?

Cara, acredito que sim, mas acredito que não. Eu falo de um lugar em que estou com 29 anos. Acho que furei as estatísticas enquanto uma jovem negra de periferia. Mas ainda, pra mim, é um desafio. Ela aparece de vários jeitos. Você vai pra uma reunião, você chega na portaria, a pessoa pergunta: você vem fazer entrega pra iFood? Ou, já me aconteceu, “você veio pra vaga de costura”? Então, acho que tem esses desafios que são atravessamentos mesmo que a gente sente no dia a dia, mas que, ao mesmo tempo, consegui executar. Cara, a gente está indo para a quarta edição do evento. E dentro de uma configuração que a gente tem um time que é quase todo negro. Então, com uma vivência periférica. Então, acho que a gente, até no nosso dia a dia, na produção da PerifaCon, a gente entende os desafios da pauta racial, mas entende o quanto a gente também tem avançado. Para a gente é muito importante, no final do dia, conseguir entregar um evento que o que você vai ter de imagem são pessoas negras felizes, sabe? É muito importante que a gente combata essa imagem de escassez e violência que assola as periferias do Brasil.

Qual legado gostaria de deixar?

Cara, acho que a PerifaCon, modéstia à parte, já deixou um legado. Eu acho que, tendo discussão de democratização da cultura nerd, geek, a gente avançou positivamente. Mas, enfim, a gente está há quase cinco anos, ano que vem é edição de cinco anos, a gente avançou, assim, positivamente. Não dá para pensar democratização e acesso à cultura nerd sem pensar na PerifaCon e sem pensar nos parceiros. Eu acho que a PerifaCon não está inventando nenhuma roda. Na verdade, a gente vem para somar e compor essa discussão de que a gente precisa se somar às pessoas que querem que a nossa comunidade nerd seja acessível, que a gente dê visibilidade para todo mundo. Acho que é isso. Obrigada pelo espaço.