Péricles é, sem dúvida, uma das maiores vozes do samba contemporâneo. Com uma carreira sólida e respeitada tanto no Brasil quanto no exterior, o cantor, compositor e instrumentista continua a abrir caminhos para a nova geração de artistas pretos que sonham em alcançar o sucesso nesse gênero musical.

Na coluna de hoje, Péricles compartilha sua relação íntima com a música e discute seus novos projetos emocionantes, como o “Calendário Ao Vivo” e o “Pagode do Pericão”. Este último tem estreia marcada para setembro deste ano, em Brasília e com previsão de se apresentar posteriormente em todas as capitais do país. Além disso, ele fala sobre a realização de um sonho: encontrar Milton Nascimento e a alegria indescritível de regravar o clássico “Maria, Maria” ao lado de sua filha, Maria Helena, cuja versão está disponível em seu canal no YouTube.

Foto: Rodolfo Magalhães

Senhoras e senhores, com vocês o “O Rei da Voz”, Péricles Aparecido Fonseca de Faria: 

1 – ‘Pericão’, vamos começar? Bom, eu vim da periferia, e sei que você também veio, e queria que você contasse um pouco como foi o começo da sua carreira musical e quais foram os principais desafios que você teve ao longo da sua caminhada até aqui. 

Péricles: Comecei minha carreira musical na adolescência. A música salvou a mim e a muitos dos meus, incluindo minha família. Ouvíamos muita música em casa, o que nos unia de uma certa forma. Nos presentes de fim de ano, por exemplo, pedíamos discos, não roupas. Eu não sabia inglês, mas pronunciava bem as palavras porque ficava ouvindo discos. Sabia quem eram os compositores, lia a ficha técnica, aquilo me interessava. Ouvíamos de tudo em casa, de grandes orquestras a cantores populares como Amado Batista e Bezerra da Silva.

Começamos a querer tocar aquilo que ouvíamos e frequentamos uma comunidade de jovens eclesiásticos, hoje conhecida como worship, das igrejas gospel. Lá, eu e meus irmãos aprendemos a tocar violão e ficamos mais próximos da música. Isso nos ajudou muito, inclusive a nos formar como cidadãos. A igreja teve um papel importante na nossa formação.

2 – E falando um pouco mais sobre a carreira, imagino que você teve muita influência musical. Você, obviamente, tem até hoje. Se você pudesse contar pra gente quem essas influências, quais nomes diria? 

Péricles – Quando saí da infância e entrei na adolescência, descobri as rádios FM, especialmente a Jovem Pan. Ela nos apresentou grandes clássicos como Stevie Wonder e Michael Jackson. Naquela época, não tinha noção da questão racial, para mim eram apenas artistas fazendo seu trabalho, e eu gostava. A música sempre me mostrou que somos iguais, sem barreiras.


3 – E falando sobre a sua carreira ainda: você teve momentos muito gratificantes ao longo da sua carreira, mas se você pudesse pontuar alguns, quais são esses momentos? Quando você lembra, você fala: “caramba, aquele dia foi incrível”!

Péricles: São vários momentos. Um dos primeiros foi quando tocamos pela primeira vez em São Caetano e havia apenas uma pessoa na plateia. Esse cara é meu amigo até hoje. Depois ele trouxe mais amigos e nosso público foi crescendo. Outro momento marcante foi quando tocamos 11 anos na noite antes de gravarmos nosso primeiro trabalho em 1992. Conheci meu compadre Izaias Marcelo, e juntos fizemos um grande trabalho. Ele entrou no Exaltasamba em 1993 e seguimos até 2006. Ele é meu amigo até hoje, diretor musical e padrinho da minha filha.

Outro momento foi quando nossa música começou a tocar no rádio e com o primeiro dinheiro que ganhei comprei um carro, mesmo sem saber dirigir, para que a mãe do meu filho pudesse se deslocar com mais facilidade. Também tocamos com Jovelina Pérola Negra por dois anos e comemoramos os 25 anos do Exaltasamba no Parque Antártica com um show para quase 40 mil pessoas. São muitos momentos especiais que guardo com carinho.

4 – Falando um pouco sobre diversidade: como você enxerga hoje a diversidade dentro do mundo do samba? 

Péricles: Eu creio que o exemplo é que faz a diferença. A diversidade que vejo hoje no samba começa a ser mais divulgada, aceita e difundida a partir dos exemplos que tenho visto. Outras bandas têm mulheres tocando e executando muito bem. Na minha equipe, por exemplo, a maioria são mulheres, incluindo minha esposa, e elas fazem a diferença. Bons profissionais estão acima de qualquer coisa, inclusive gênero. Esse é o exemplo que eu vejo e que outros grandes artistas também estão exercendo, ajudando a derrubar antigos muros.

A diversidade no samba também se reflete na inclusão do público LGBTQIA+ no mercado de trabalho. Dilsinho é um grande exemplo, com várias mulheres em sua banda, todas executando muito bem seus instrumentos. A música sempre foi um espaço de igualdade e inclusão, e essa realidade está cada vez mais presente no samba.

5- Show de bola! Falando um pouco sobre o seu novo projeto, o audiovisual, Calendário Ao Vivo. Eu queria que você contasse pra gente um pouco como foi fazer esse projeto. Eu sei também que tem uma coisa bem legal sobre esse projeto, que você gravou um grande clássico, o ‘Maria, Maria’. E você teve também a oportunidade de conhecer o Milton Nascimento. Então, conta um pouco pra gente: como foi gravar esse grande projeto?

Péricles: Sobre o novo projeto, preciso explicar um pouco sobre nosso planejamento. Depois do carnaval, tiramos férias, mas antes disso fazemos uma reunião para planejar o que pretendemos fazer no ano. O Calendário Ao Vivo já estava programado para ser feito no estúdio, com oito músicas, sendo sete inéditas e uma releitura de ‘Desculpe o Auê’, em homenagem à Rita Lee. Em 2024, temos planejado o projeto Pagode do Pericão. Como não queria que um projeto matasse o outro, decidimos gravar o Calendário Ao Vivo e unir canções da minha carreira solo nos primeiros 12 anos.

A ideia de gravar ‘Maria, Maria’ veio da minha esposa, em homenagem à nossa filha Maria e a todas as mulheres importantes na minha vida, como minha mãe, minha avó, minhas tias, as mulheres da minha equipe e minhas professoras. Gravar esse projeto foi muito especial para mim.

Conheci Milton Nascimento através do filho dele, Augusto, que também é empresário da Simone. Ela me convidou para cantar ‘Separação’, um clássico da carreira dela. Foi uma experiência maravilhosa e emocionante. Aprendi muito com a Simone. Após a gravação, Augusto me convidou para um churrasco, onde conheci Milton. Foi um encontro inesquecível. Ele é uma mente brilhante e extremamente lúcido, sempre pensando. Foi um momento que só Deus pode explicar.

6 – E Pericão, para finalizar, eu gosto sempre de fazer essa pergunta: qual legado você quer deixar? 

Péricles: Quero ser lembrado pela minha sinceridade e dedicação ao trabalho. Há uma linha fina entre sinceridade e falta de educação, e aprendi a pisar no freio. Meus amigos sempre vão lembrar de mim por isso, pela minha busca constante em ser melhor para todos ao meu redor. Esse é o Péricles que quero que lembrem quando o papai do céu me chamar.