“A COP 28 precisa ouvir quem mora nas favelas”, diz Mateus Fernandes, ativista climático
Na coluna de hoje, Mateus Fernandes fala sobre racismo ambiental, as dificuldades que as grandes agendas climáticas têm em dialogar com quem vive em territórios marginalizados e a importâncias dos programas educacionais na vida dos jovens periféricos.
Mateus Fernandes, assim como milhões de jovens periféricos espalhados pelo Brasil, sentiu na pele, desde muito cedo, as dificuldades de ser ouvido por um sistema que desassiste os problemas existentes nos territórios que estão à margem, como as favelas. “Ontem minha casa alagou, pelo segundo ano consecutivo, resultado das emergências climáticas que acompanham nossos corpos favelados. Faltando 14 dias para minha viagem – para COP 28 – e me encontro vulnerável. Mas não deixarei o medo ou o alagamento parar um sonho”, disse recentemente o ativista no seu Linkedin, rede social na qual também é um Top Voice.
Mas foi exatamente buscando ampliar sua voz que Mateus Fernandes vem fazendo novos movimentos dentro do seu próprio território, a cidade de Guarulhos (SP), e nos vizinhos. Criou, em parceria com mais dois amigos, a CORRE, uma consultoria voltada para o crescimento e suporte de projetos e iniciativas socioculturais em comunidades.
Na coluna de hoje, ele fala sobre racismo ambiental, as dificuldades que as grandes agendas climáticas têm em dialogar com quem vive em territórios marginalizados e a importâncias dos programas educacionais na vida dos jovens periféricos.
Com a palavra, o brabo: Mateus Fernandes. Leia com muita atenção, a periferia tá no corre e também precisa ser ouvida.
André Menezes – Qual a importância da presença de pessoas periféricas na COP 28?
Mateus Fernandes – Nossa voz enquanto favelados não pode ser apagada. Não existe meio ambiente sem pautar nossos territórios, a pluralidade étnica racial, povos originários, quilombolas, ribeirinhos e favelas.
Nós, favelados, já somamos mais de 17% da população brasileira. É muito importante que nosso corpo seja lembrado e considerado na formulação de políticas climáticas globais, pois são nos becos e vielas onde mais sofremos com as emergências climáticas. Parte da minha vida não tive saneamento básico. Isso ainda é uma realidade para mais de 100 milhões de pessoas. Sem acesso às informações globais, jamais mudaremos esse cenário.
Me tornei um ativista climático por necessidade, muito antes de saber o que era ‘ativismo’. Na quebrada, o cuidado com a terra são soluções ancestrais; tudo que aprendi sobre meio ambiente foi nas ruas.
André Menezes – Como surgiu a ideia de criar a CORRE e como ela atua?
Mateus Fernandes – A CORRE é um sonho de três favelados de diferentes territórios de São Paulo que, por muito tempo, foram impactados pela falta de políticas públicas. Por aqui, a gente luta por um impacto social real nas favelas a nível nacional, conectando projetos socioculturais e ambientais a empresas e governos.
Hoje, articulamos em quatro regiões do Brasil. Tendo em vista que a favela é muito ampla, cada território tem suas necessidades específicas, e nosso papel é co-construir ações tangíveis nesses espaços. Tive que aprender a empreender, por incômodo de não ver a favela acessando outros espaços.
André Menezes – Por que as periferias ainda sofrem tanto com as mudanças climáticas e como os governos podem aplicar políticas públicas que inibam os impactos das chuvas nestes territórios?
Mateus Fernandes – Cara, a gente sofre mais com as emergências climáticas por diversos fatores históricos, como a falta de planejamento urbano, racismo ambiental e infraestrutura. Isso não é de hoje, e sim resultado de uma política de exclusão.
É essencial que o Governo não se restrinja apenas às medidas de mitigação, é crucial desenvolver um plano nacional de adaptação às questões climáticas e com mecanismos financeiros que sustentem essas políticas. Se não, sempre estaremos enxugando gelo, sem sair do lugar.
André Menezes – Você acha que a pauta racial avançou no Brasil?
Mateus Fernandes – Mano, negar o avanço seria negar a nossa própria luta, tivemos discussões ampliadas nos últimos anos, porém, com medidas concentradas. Basta olhar como os nossos semelhantes vivem na favela, diariamente sofrendo diversos tipos de violências que retrocede aos nossos avanços, tá ligado?
André Menezes – Quais projetos você tem mais orgulho de ter feito?
Mateus Fernandes – Cara, sem dúvidas, ter me formado no ensino superior. Ser o primeiro da família a ingressar e se formar mudou a realidade da minha vida e dos meus nos arredores. Me orgulho muito por ter vivenciado o ProUni.
Tenho muito orgulho do que estamos fazendo na CORRE, tipo, antes, a quebrada estava isolada, hoje o mundo parece pequeno pra gente. É muito lindo ver como a gente vem articulando e conectando territórios de maneira ampla e integrada.
André Menezes – Qual legado você quer deixar?
Mateus Fernandes – Busco capacitar outros jovens sobre meio ambiente, deixando o impacto social por toda rua que eu passo. Somos numerosos, e sonho em ver a gente ocupando mais espaços. Por muito tempo me faltou referências, precisei me tornar uma para conectar os meus semelhantes.
Ajude Mateus Fernandes a realizar seu sonho de ir para a COP 28
Para conseguir realizar o sonho de participar da 28ª edição da COP, evento anual promovido pela ONU com o objetivo de discutir questões ligadas às agendas climáticas, o ativista abriu uma vaquinha online e também disponibilizou sua chave Pix ([email protected]) para quem quiser e puder ajudá-lo com as suas despesas de hospedagem e alimentação para conseguir ficar por duas semanas em Dubai, período em que acontece o evento na cidade.