A colheita que queremos do governo Lula
145 mil famílias vivem hoje debaixo da lona preta em acampamentos no país, mas medida do governo atendera, apenas 8%.
Sem sombra de dúvidas, vivenciamos um momento histórico para a Reforma Agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com a ida do presidente Lula ao acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio, sul de Minas Gerais, na última sexta-feira (7). A visita, a primeira após sua terceira eleição, oficializou por meio de decreto a área como de interesse social para o assentamento de 459 famílias Sem Terra. Antes, a área compunha uma massa falida de uma usina de açúcar, que explorava os trabalhadores rurais.
A conquista demorou 27 anos para acontecer. Antes disso, onze despejos, opressão policial, e muita violência dos senhores de engenho. O Quilombo Campo Grande é uma área simbólica para a recepção de um Presidente com a missão à que veio; um território que representa a luta árdua das outras mais de 145 mil famílias acampadas no Brasil que hoje lutam por um pedaço de terra e vida digna no campo.
Em termos gerais, o Governo Federal anunciou que destinará 12.297 lotes para famílias acampadas em 138 assentamentos rurais, totalizando 385 mil hectares espalhados em 24 estados do país. Esse foi o maior anúncio de famílias assentadas de seu terceiro mandato até o momento. Desse total anunciado, 4883 famílias assentadas são do MST, com a criação de 60 assentamentos em 18 estados. Uma vitória importante, mas muito aquém da demanda existente.
Nós temos, atualmente, 100 mil famílias Sem Terra acampadas. Destas, reivindicamos o assentamento imediato de 65 mil, que estão acampadas há décadas à espera da Reforma Agrária. São famílias que estão há 10, 20, 30 anos debaixo da lona preta, sem acesso à políticas públicas básicas – plantando e colhendo, faça chuva ou sol, sob a sorte de suas próprias mãos e suor.
Se considerarmos os números apresentados pelo governo, veremos que o anúncio feito representa apenas 8% da demanda imediata por assentamentos. E já estamos no terceiro ano de mandato, chamado pelo próprio presidente Lula, como “o ano da colheita”.
É necessário que avancemos nas desapropriações. E não é possível fazer desapropriações de terra se não houver orçamento. O Governo Federal anunciou para o orçamento 2025, o indicativo de R$400 milhões para a obtenção de terras para a Reforma Agrária. Com este valor é possível assentar somente 4 mil famílias, um número pífio. Em 2024, o INCRA teve um orçamento bastante reduzido, de insignificantes R$520 milhões, para a obtenção de terras por meio da desapropriação ou por compra direta; sendo R$383 milhões previstos para famílias Sem Terra.
Foi anunciado também R$1,6 bilhão de reais para o crédito instalação, recurso que possui a expectativa de beneficiar 18 mil famílias, segundo o Ministério de Desenvolvimento Agrário. No entanto, ainda há um passivo de 50 mil novas casas para 2025, de 150 mil reformas para casas de assentamento, além de créditos também.
Enquanto isso, a bancada ruralista deve levar R$600 bilhões para o Plano Safra do próximo ano, sendo que este ano já foram destinados mais de R$400 bilhões, valor recorde. Além disso, o governo concedeu cerca de R$30 bilhões só em isenções fiscais para empresas do agronegócio.
Em um cenário de alta do preço dos alimentos, nos impressiona como a pauta da Reforma Agrária não é apontada como uma saída concreta para o Governo Federal. Ao invés de se investir recursos para a produção da agricultura camponesa, o Governo prefere fornecer isenção de impostos para grandes empresários do agronegócio. É uma medida destinada ao fracasso. Se o Governo Lula quer mesmo combater a alta do preço dos alimentos, a saída é a Reforma Agrária. Para isto, deve destinar recursos massivos para incentivar a produção de alimentos e fortalecer canais de comercialização, como o Programa de Aquisição de Alimentos – PAA – e o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE.
Todo este debate não é uma discussão apenas das famílias Sem Terra. As consequências do modelo do agronegócio tem afetado o conjunto da sociedade, seja no campo ou nas cidades: alimentos caros, crise ambiental, miséria… Então, é a sociedade quem tem que decidir e exigir: “nós vamos entrar nessa luta e vamos definir qual é o modelo de agricultura que nós queremos para o nosso país.”
Exatamente para que a Reforma Agrária seja levada a sério no Brasil, nestes meses de março e abril, estaremos em jornadas de lutas pela Reforma Agrária. Iniciaremos neste mês, com as Mulheres Sem Terra denunciando as violências causadas pelo agronegócio sobre a natureza, nossos corpos e territórios. E em abril, a Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária, lembraremos nossos mártires de Eldorado dos Carajás com lutas em todo país.
Enquanto MST, temos o compromisso com o povo brasileiro de produzir alimentos, combater as desigualdades sociais, as violências e proteger a natureza. E a nossa forma de fazer isso é com luta, denunciando o agronegócio e defendendo a Reforma Agrária.Faremos nossa parte, lutando contra o latifúndio, com a expectativa de que os próximos anúncios representem a verdadeira colheita que queremos do Governo Lula.
*Débora Nunes e Ayala Ferreira, agricultoras, assentadas da Reforma Agrária e dirigentes nacionais do MST