8M: Mulheres na linha de frente da luta pela justiça climática

Ao mesmo tempo em que elas fazem parte dos grupos mais vulneráveis às mudanças climáticas, são também as mais alinhadas aos princípios de sustentabilidade

Por Fernanda Biasoli

Enquanto a humanidade assiste à ebulição do planeta Terra e o consequente agravamento das condições de vida para a sua existência, tem uma parcela significativa de pessoas dedicando os seus dias à manutenção do futuro: as mulheres. Ao mesmo tempo em que fazem parte dos grupos mais vulneráveis às mudanças climáticas, são também as mais alinhadas aos princípios de sustentabilidade. De acordo com a pesquisa “Gender Differences in Public Understanding of Climate Change”, da Universidade de Yale, as mulheres estão mais cientes em relação às consequências que a crise climática tem para si mesmas e para os outros ao seu redor. No entanto, é importante compreender que essa não é uma questão biológica intrínseca ao gênero feminino, mas sim uma construção política que também evidencia como agem as desigualdades. 

“Nem salvadoras do planeta, nem naturalmente vulneráveis”, diz o manifesto do Grupo de Trabalho em Gênero e Clima do Observatório do Clima – uma bela síntese sobre a atuação feminina na agenda ambiental e climática. Condicionadas desde muito novas ao cuidado doméstico e emocional, são as mulheres que sentem primeiro as consequências cotidianas das mudanças climáticas. Segundo a pesquisa “Justiça Climática Feminista: Um marco para ação”, da ONU Mulheres, em contextos de desastres climáticos, por exemplo, as responsabilidades em relação à saúde e à obtenção de água, combustível e alimentos recaem majoritariamente sobre as mulheres do núcleo familiar. Isso faz com que reconheçam as questões relacionadas ao meio ambiente e ao clima de maneira mais evidente, sensibilizando-as para as ações sustentáveis. 

No entanto, o contexto histórico que levou as mulheres à vulnerabilidade, é o mesmo que dificulta a sua luta por justiça climática. Ainda de acordo com a pesquisa da ONU Mulheres, há uma lacuna na representatividade feminina em espaços de tomada de decisão, o que afeta diretamente a existência de políticas climáticas mais consistentes. Globalmente, apenas 27% dos assentos parlamentares são ocupados por mulheres e 15% dos ministérios do meio ambiente tem uma mulher à sua frente. Além da incipiente representatividade, o relatório também destaca uma maior dificuldade para o financiamento de iniciativas sustentáveis lideradas por mulheres. 

Ao mesmo tempo, financiar organizações de mulheres de base que atuam na linha de frente do enfrentamento às mudanças climáticas é justamente um dos caminhos apontados pela ONU para avançar em direção à justiça climática. E o FunBEA também acredita nisso. Em 2024 lançamos a Chamada Pública pela Justiça e Educação Ambiental Climática que vem apoiando de maneira direta (financeira) e indireta (formadora), 18 coletivos e 05 lideranças que trabalham com soluções climáticas locais em seus territórios. Mais de 40% destes apoiados são liderados por mulheres: a Associação Rosas Negras, a Aldeia Rio Bonito, o Quilombo Caçandoca, o Quilombo Sertão do Itamambuca, a Associação Caiçara Juqueriquerê (ACAJU), o movimento União dos Atingidos, o Escambau Cultura, o Coletivo Educador Floresta e Mar e o coletivo ReUNA são os nove coletivos com lideranças femininas. Além deles, também contamos com a presença de Sara Regina Cordeiro, liderança comunitária na Vila Sahy, São Sebastião/SP. 

Para além das mulheres que lideram e representam os movimentos socioambientais apoiados, também reconhecemos as matriarcas, curandeiras, griôs, parteiras, conselheiras, gestoras, entre tantas outras figuras e papéis que compõem os coletivos e comunidades. Mulheres pretas, indígenas, urbanas, periféricas, quilombolas e caiçaras têm todas algo em comum: a esperança política de um mundo melhor para os seus. Internamente no FunBEA seguimos confiando na potência do pensar e executar feminino e, não à toa, a nossa equipe de trabalho executiva é formada inteiramente por educadoras, comunitárias, pretas, lésbicas e mães. 

Ao atuar a partir dos princípios da filantropia comunitária para fortalecer e financiar iniciativas lideradas por mulheres, estamos agindo na construção de um outro mundo possível. Quando descentralizamos os recursos de maneira que respeite a autonomia e modos de vida daqueles que recebem os apoios, preserva-se a diversidade, a solidariedade, a gentileza e o respeito às outras maneiras de existir no planeta Terra. E com o objetivo de promover mudanças cada vez mais profundas, em cada Chamada Pública somamos os recursos financeiros ao apoio formador. Este último fortalece a autonomia e potencializa a voz e o discurso das que estão na linha de frente do enfrentamento às mudanças climáticas. Assim, estimula-se a participação feminina em espaços de incidência em políticas públicas e de tomada de decisão. Afinal, se o problema é político, as soluções também devem caminhar por aí. 

*Fernanda Biasoli é jornalista pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e atua no Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA)