2025: O ano do reencontro dos movimentos sociais com a rua
Movimentos sociais retomam as ruas com força, arte e disputa política democrática.
Talvez não seja plenamente perceptível para todos, mas 2025 se apresentou como um dos anos de maior transformação recente na dinâmica política do campo popular-democrático brasileiro. Trata-se do ano que marcou o reencontro com as ruas, não apenas como espaço físico de manifestação, mas como território central de disputa política e democrática.
Desde a ascensão do bolsonarismo, sobretudo durante e após a pandemia de Covid-19, os movimentos populares e democráticos passaram a ter uma presença tímida nas ruas, com poucas exceções. Esse recuo ocorreu em paralelo ao crescimento da ocupação bolsonarista do espaço público, que passou a utilizar as ruas como demonstração de força política, orientada por uma agenda abertamente antidemocrática.
Nesse período, o campo progressista enfrentou um dilema estratégico: como retomar as ruas em uma sociedade atravessada pelo medo, pela desesperança, pela sensação de impotência e por um trauma coletivo ainda recente da pandemia?
Em 2020, sob o impacto direto da crise de saúde pública, as manifestações tiveram como eixo principal o enfrentamento à má gestão da pandemia pelo governo federal. Foram atos grandiosos, porém espaçados e defensivos — algo compreensível diante do contexto. Em 2021, grandes mobilizações como as de 29 de maio (29M) e 19 de junho (19J) concentraram-se na defesa do auxílio emergencial, então ameaçado, na vacinação em massa da população e na proteção do SUS.
A urgência em defender a vida, sem que houvesse uma agenda política de longo prazo articulada, tornou essas manifestações insuficientes para promover um reagrupamento consistente do campo popular. Naquele momento, a luta era, fundamentalmente, por sobrevivência.
Nos anos seguintes — 2022, 2023 e 2024 —, apesar de importantes exceções, como a Marcha das Margaridas e o Acampamento Terra Livre, o campo popular não conseguiu sustentar uma ocupação contínua, capilarizada e articulada do espaço público. De modo geral, o foco deslocou-se para a disputa institucional e eleitoral, em detrimento da mobilização permanente nas ruas.
Essa dinâmica se altera de forma profunda em 2025. Uma sucessão intensa de manifestações do campo popular tomou as ruas do país e marcou uma virada na ocupação dos espaços públicos pelos movimentos sociais. O Acampamento Terra Livre realizou sua 21ª edição em abril, levando mais de 10 mil pessoas a Brasília. Em 21 de setembro, manifestações convocadas por movimentos sociais e artistas reuniram centenas de milhares de pessoas em todo o país, enterrando definitivamente a PEC da Blindagem e esvaziando o PL da Anistia, posteriormente reconfigurado como PL da Dosimetria. A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, em sua segunda edição uma década após a primeira, levou mais de 100 mil mulheres negras à capital federal.
Na primeira quinzena de dezembro, duas novas mobilizações, convocadas em curto espaço de tempo, voltaram a levar centenas de milhares de pessoas às ruas em todos os estados. Em 7 de dezembro, mulheres organizaram uma manifestação nacional contra a escalada da violência de gênero e do feminicídio. Uma semana depois, em 14 de dezembro, novos atos, convocados por movimentos sociais e artistas, pautaram o debate público com uma ampla lista de reivindicações — que iam do fim do PL da Dosimetria ao repúdio ao Marco Temporal, passando pela defesa do fim da escala 6×1.
Mais do que um retorno quantitativo às ruas, transformou-se também a forma de se manifestar. A arte e a cultura passaram a ocupar um papel central nessas mobilizações, retomando uma tradição histórica da resistência democrática brasileira, especialmente aquela forjada durante o enfrentamento à ditadura. Música, performances e diversas expressões culturais tornaram-se ferramentas fundamentais de engajamento, comunicação política e mobilização social.
Tudo indica que 2026 se iniciará com um campo popular energizado pela experiência recente de ocupar as ruas com resiliência, arte e política. Nesse cenário, a disputa por uma representação mais qualificada no Congresso Nacional surge como uma das tarefas centrais. Trata-se de um desafio histórico, já identificado por Ulysses Guimarães ao apontar a deterioração progressiva da qualidade da representação legislativa ao longo das sucessivas eleições — diagnóstico sintetizado em sua conhecida profecia: “Está achando ruim este Congresso? Então espere o próximo: será pior.”
Se a retomada das ruas permanecer articulada a uma estratégia nacional de fortalecimento da representatividade democrática, 2026 poderá se consolidar como uma eleição decisiva em que a profecia de Ulysses Guimarães não se concretize. Isso dependerá da nossa capacidade de manter uma mobilização permanente, não apenas para alterar correlações de força, mas para devolver ao povo aquilo que deveria ser, por definição, sua casa de representação: o Congresso Nacional.
Humberto Ribeiro é advogado, cofundador e diretor jurídico do Sleeping Giants Brasil, membro do Conselhão da Presidência da República e do Conselho Consultivo da Anatel.