As últimas semanas do ano trouxeram bastante movimento para quem trabalha com questões digitais. Além do julgamento do Tema 987, que segue sendo discutido no Supremo Tribunal Federal amanhã (com um possível voto divergente do presidente da Corte, o ministro Luís Roberto Barroso), há diversos projetos de lei de grande relevância que estão avançando no Congresso Nacional. Podemos citar o PL 2.338/2023, que versa sobre a regulação de Inteligência Artificial no Brasil e o PL 2.431/2024, que busca a responsabilização dos provedores de redes sociais por anúncios falsos veiculados em suas plataformas. Há ainda outros projetos, como o PL 2.370/2019, que propõe uma atualização na Lei de Direitos Autorais, visando adaptá-la ao contexto digital contemporâneo, e o PLP 234/2023, que prevê a criação de ecossistema de monetização de dados. Sem esquecer da proposta de revisão do Código Civil, com a inserção de um capítulo dedicado ao Direito Digital.

Importante ressaltar que algumas dessas movimentações intensas – como a aprovação pelo Senado dos Projetos de Lei 2.628/2022 e 2.338/2023 – estão ocorrendo mesmo com a proximidade do recesso de fim de ano, o que demonstra que as questões relacionadas à internet estão em alta nos círculos de Brasília. Tal situação é um prenúncio do que pode vir a ser 2025, que promete ser o ano do digital. Para além da continuidade desses processos mencionados anteriormente, com a decisão do STF sobre o art. 19 do Marco Civil da Internet, o PL 2.630/2020 (escanteado desde o ano passado, quando deixou de ser votado pela Câmara após pressão das big techs) deve voltar para agenda – se não o projeto em si, seus temas dentro do Congresso.

O Executivo também vem apontando para a questão, em especial se tratando na regulação econômica e concorrencial de plataformas digitais. Em outubro deste ano, oMinistério da Fazenda apresentou um extenso e pormenorizado relatório – resultado da Consulta Pública sobre a questão. O trabalho aponta para uma reforma da legislação concorrencial no Brasil, para que a legislação seja mais adequada a um ambiente digital de rápida transformação e com forte presença de empresas dominantes. 

A integridade da informação tende a estar ainda mais em evidência. Para além das questões já levantadas, à reboque da relevância que o tema teve dentro do G20 sob a presidência brasileira, nesta semana a OCDE aprovou recomendação de seu Conselho sobre integridade informacional – e o Brasil aderiu, apesar de não ser país membro da organização. Esse posicionamento demonstra que a questão da desinformação e discurso online em ambientes digitais está sendo encarada de forma séria por organizações que têm o debate econômico no centro de sua agenda – e que o Brasil tem sido líder nessas negociações.

Todos esses movimentos vão reverberar no ano que se aproxima – até porque não dá pra querer resolver todos os problemas no apagar das luzes de 2024. Isso com certeza vai representar um grande desafio à sociedade civil e à comunidade de usuários preocupados com questões digitais. A multiplicidade de pautas, aliada às inúmeras arenas onde esses debates vão acontecer de forma simultânea, provavelmente vai nos manter ainda mais ocupados no ano que virá. Mas isso também é resultado de uma crescente consciência coletiva da importância de estabelecer critérios para as atividades realizadas no mundo digital e sua intrínseca repercussão na vida cotidiana, em seus variados aspectos. 

Neste sentido, é muito positivo pensar que esse contexto também abre uma série de oportunidades para deliberarmos e avançarmos no enfrentamento da desinformação e discurso de ódio na Internet, e de confrontar o poderio das big techs para controlar o ambiente público digital a seu bel prazer – inclusive lucrando com esses discursos deletérios.

Se há alguns anos as plataformas digitais abriram a caixa de Pandora no ambiente virtual, o legado de 2024 é o fim da ilusão de que a autorregulação, por si só, dará conta de tudo. Com a esperança de que tal consciência tenha preparado um solo fértil, entramos 2025 com grandes expectativas e para elaborar soluções mais sólidas para essa questão.

Humberto Ribeiro é advogado, cofundador e diretor jurídico e de pesquisa do Sleeping Giants Brasil. 
Flora Santana é jornalista e consultora em direito e tecnologias da comunicação.  
Roberta Migueis é advogada, especialista em Direito Civil e Processo Civil, com ênfase em Direito do Consumidor e Contratos.