Operação de desintrusão de Terras Indígenas no Pará acaba em morte
Um agricultor foi morto a tiros na última terça-feira durante uma operação de desintrusão em Terras Indígenas no Pará
Um agricultor foi morto na última terça-feira durante uma operação de desintrusão em Terras Indígenas no Pará. Testemunhas afirmam que Ozéas dos Santos Ribeiro, de 37 anos, teria sido atingido por um disparo de arma de fogo, e seu corpo foi encaminhado para o IML.
Localizadas entre os municípios de São Félix do Xingu e Altamira, as TI’s Bacajá e Apyterewa estão, desde o dia 2 de outubro, ocupadas por agentes da Força Nacional, policiais federais, MPF e servidores de órgãos como Abin, Ibama e Incra, que estão no local para realizar uma operação de retirar ocupantes que vivem ilegalmente nos territórios.
A TI Apyterewa foi a terra indígena na Amazônia mais desmatada nos últimos quatro anos. São quase 2.500 indígenas de 51 aldeias vivendo nas duas áreas e 1.600 famílias vivendo ilegalmente, o que torna a operação extremamente delicada.
O deputado estadual Carlos Bordalo (PT) e mais três deputados – Toninho Torres (Podemos) Ivanaldo Braz (PDT) e Aveilton Souza (PL) – estiveram no local e puderam averiguar de perto o clima de tensão que está instalado na área.
Em entrevista para a Mídia NINJA, Bordalo afirmou que encontrou diversas famílias, produtores e agricultores, que ocupam a área há cerca de vinte anos.
“Durante os últimos 25 a 30 anos, permitiu-se essa ocupação, em muitos casos eles próprios foram levados pra lá pelo INCRA (…) esse é o grupo majoritário que está lá”, contou.
O crime
O crime, que ocorreu na localidade de Vila Renascer, dentro da TI Apyterewa, teria ocorrido após a descoberta de que Ozéas estava foragido e sendo procurado pelo crime de homicídio. Bordalo contou que, após a Polícia Civil de São Félix do Xingu tomar conhecimento a respeito da situação de Ozéas, os policiais civis se dirigiram até a Vila para interrogar o agricultor.
Com o apoio da Força Nacional, a polícia civil conseguiu dar procedimento ao interrogatório de Ozéas, que ficou sob custódia dos policiais civis por cerca de três a quatro horas, respondendo perguntas sobre suas acusações.
Concluído os procedimentos, os policiais levaram Ozéas para o carro, contudo, segundo o deputado, ele teria tentado tirar a arma do tenente coronel e, na briga, houve o disparo que levou Ozéas a óbito.
Para o deputado Aveilton Souza, existe a possibilidade da ocorrência de outros assassinatos devido à situação. “A qualquer momento mais pessoas podem perder a vida”, suspeita.
Em nota, a Secretaria Geral da Presidência, responsável pela operação, afirmou que “Um dos invasores tentou tomar a arma de um dos policiais da Força Nacional de Segurança, resultando em um tiro que, infelizmente, levou a óbito o invasor.”
Tensão e pânico tomam conta
A presença dos não-indígenas prejudica o meio ambiente, ameaçando a caça, pesca e ainda gera conflitos com os indígenas, que têm o direito a esse território homologado desde os anos 1990, contudo, tratando-se de Amazônia, nem tudo é tão simples.
“A minha avaliação é que a grande maioria são produtores, agricultores familiares” contou Bordalo, falando sobre os ocupantes ilegais. A ocupação da área começou há mais de duas décadas, portanto, famílias inteiras foram formadas no local, onde hoje plantam e colhem seu sustento.
Os deputados que visitaram o local, diante da situação ambígua, recomendaram a suspensão da operação, mas não da desintrusão, para que possam ser feitos ajustes na forma como as pessoas vêm sendo abordadas, assim como a forma como essas pessoas vão ser deslocadas da localidade, para que possam sofrer o mínimo possível com a mudança.
Para Bordalo, todas as operações de desintrusão deveriam ser acompanhadas de um complexo social para que as abordagens ocorram de maneira mais humanizada. “Já ocorreram quatro suicídios nesta Vila Renascer advinda dessa situação de pânico”, conta.
O aumento da tensão assusta também os indígenas e, segundo a Agência Pública, alguns indígenas das aldeias Tekatawa e Kaeté tiveram que sair de suas casas com receio de retaliações.
Um problema que vem de longe
Enquanto indígenas se sentem acuados em seu próprio território e ocupantes ilegais temem por seu destino, os conflitos de terra se espalham pelo país, sendo a Amazônia legal a área que mais concentra o número de casos: 59% dos conflitos de todo país ocorreram na região em 2022.
O Pará foi o segundo estado onde ocorreram mais assassinatos, atrás de Rondônia e Maranhão, que empataram em primeiro lugar. Os dados são do relatório anual da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que acompanha de perto a situação da violência no campo, especialmente no norte do país.
De acordo com o relatório, a estabilidade da Amazônia Legal como área em que mais existem ocorrências de conflito relacionadas à terra e à água é reveladora da durabilidade da expansão da fronteira agrícola.
Durante o governo Bolsonaro, o agronegócio avançou e, com ele, também avançaram os conflitos deste tipo. Enquanto o agro precisa de campos extensos para produzir, os pequenos agricultores e indígenas foram perdendo espaço diante do poder econômico e da influência política dos grandes empresários do agro, que foram se fortalecendo ao longo de décadas, muitas vezes com o aval do Estado.
Impulsionada pela falta de governança e pelo enfraquecimento dos órgãos ambientais federais e estaduais, a Amazônia se tornou palco de uma expansão desenfreada da fronteira agrícola, associada diretamente ao desmatamento ilegal e ao crime ambiental, conforme análise da CPT de 2022.
Diante do cenário conflituoso na TI Apyterewa, resta agora tentar realizar a operação da maneira mais pacífica possível, assegurando que todas as pessoas permaneçam em segurança.
“Isso começou desde quando se iniciou o processo de criação da reserva indígena, fazendo com que chegássemos a esse clima de guerra que estamos hoje”, avaliou Aveilton Souza.
E o deputado Bordalo reforça: “Nós queremos que as desintrusões ocorram porque os territórios indígenas tem que ser efetivamente assegurados, soberanos e entregues ao usufruto dos povos indígenas, mas, por outro lado, nós queremos assegurar e mitigar ao máximo os impactos dessas remoções forçadas conformes os preceitos dos direitos humanos”.