Por Lilianna Bernartt

Paul Schrader (“Gigolô Americano”, “O Contador de Cartas”) volta às telas com uma provocação sobre culpa, redenção e estilhaços de um passado sem resoluções.

Até aí, sem novidades, já que o cineasta é conhecido por construir personagens atormentados, solitários, em busca de algum tipo de expiação. O que difere essa experiência é que, desta vez, ele revisita esses temas através de uma estrutura fragmentada e contemplativa, se utilizando do livro “Foregone”, do escritor Russell Banks, como base.

Na história, Leonard Fife (Richard Gere/Jacob Elordi) é um documentarista aclamado que, à beira da morte, concede uma última entrevista para falar de sua vida. O que começa como um testamento pessoal vai se desdobrando em confissões dolorosas e revelações que corroem a imagem pública do personagem, e é aí que notamos a proposta central de Schrader: a desconstrução da ideia do herói intelectual progressista sob a égide do tempo.

Fife é um homem que tenta controlar sua narrativa como sendo a última tentativa de redenção e absolvição pré-morte; entretanto, é surpreendido por fatos, reações e descobertas incontroláveis e inesperadas, do tipo que somente a mais pura verdade pode arrancar.

Para estabelecer a intersecção entre passado e presente, a história é contada de forma não linear, com o uso de flashbacks, com os atores Richard Gere e Jacob Elordi dividindo o papel central, o que traz um desenvolvimento interessante da densidade e melancolia da personagem, ainda que o roteiro insista em não se aprofundar com coragem nos conflitos.

Aliás, é justamente essa falta de coragem (ou disposição) para dissecação dos conflitos que faz com que o espelhamento geracional proposto por Paul Schrader careça de aprofundamento dramático, deixando a ideia, bem, só na expectativa mesmo.

Foto: Divulgação/California Filmes
Foto: Divulgação/California Filmes
Foto: Divulgação/California Filmes
Foto: Divulgação/California Filmes

Schrader brinca com a linguagem do falso documentário e da confissão televisiva, explorando, em recursos cinematográficos e narrativos, a instabilidade da memória e a manipulação do discurso.

A câmera adota não só o papel de testemunha como também o de receptáculo, com a função de não apenas registrar, mas testemunhar e absorver as obscuridades de um homem em ruínas que, ao tentar narrar sua vida, se vê assombrado por multi versões de si mesmo.

O filme trabalha no limiar entre o real e a imaginação de um narrador nada confiável, não se esforçando, no entanto, para responder quaisquer perguntas, o que parece, a princípio, uma proposta interessante, mas, com o passar do filme, percebemos que talvez o objetivo tenha se perdido em si mesmo, deixando o filme confuso por algumas vezes e raso por outras.

Ainda assim, a dupla Richard Gere e Jacob Elordi cria uma dualidade existencial interessante de se analisar dentro da proposta do filme, no sentido de reflexão quanto ao inesperado e, muitas vezes, inexplicável rumo que a vida toma e a necessidade de responsabilização acerca do livre-arbítrio de nossas escolhas. Se você já olhou para alguma pessoa de idade e pensou “como essa pessoa chegou até aqui” ou “como essa pessoa era quando jovem”, vai entender o que quero dizer.

Schrader propõe uma reflexão sobre o legado — pessoal, político, artístico, humano — e, diante da profundidade de questões como essas, que por muitas vezes não possuem respostas, talvez seja mais interessante o exercício da reflexão e a análise dos sentimentos que permeiam esse estado do que a concretização de um testamento finito.