
‘Oeste Outra Vez’: O faroeste brasileiro que escancara a fragilidade masculina
O filme de Erico Rassi desconstrói a masculinidade em um western ao estilo dos irmãos Coen, ambientado no sertão goiano
Por Juliana Gomes
O cinema brasileiro segue surpreendendo com narrativas que desafiam convenções e exploram a fundo as complexidades humanas. Oeste Outra Vez, vencedor do Festival de Gramado de 2024 e dirigido por Erico Rassi, é um brilhante exemplo dessa ousadia, desconstruindo a figura do homem rude e invulnerável dentro de um faroeste nacional.
Ambientado no sertão de Goiás, o filme acompanha Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana), dois homens cujas vidas se entrelaçam tragicamente após serem abandonados pela mesma mulher. O que poderia ser apenas um enredo sobre rivalidade amorosa logo se transforma em uma jornada sobre orgulho ferido, repressão emocional e o peso da masculinidade tóxica. Incapazes de lidar com a rejeição e a solidão, os personagens se refugiam na violência, nas bebedeiras e em um ciclo autodestrutivo.
A estética de Oeste Outra Vez remete aos clássicos do western, com planos abertos que enfatizam a aridez do sertão e a solidão dos protagonistas. Mas, ao contrário dos heróis invencíveis de John Ford ou Sergio Leone, aqui encontramos homens fragilizados, presos a um código de honra que os condena à ruína. A quase ausência de personagens femininas ressalta esse universo claustrofóbico, onde demonstrar vulnerabilidade é um pecado mortal.
O filme evoca muito do cinema dos irmãos Coen, tanto na ironia do destino quanto na construção de personagens que transitam entre o trágico e o cômico. A masculinidade tóxica é exposta com humor sutil, e a narrativa, mesmo sombria, encontra momentos de estranha leveza.
Entre as grandes atuações, destaca-se Rodger Rogério como Jerominho, um pistoleiro envelhecido cuja lenda contrasta com o peso de suas escolhas. Já Ângelo Antônio entrega uma performance intensa e melancólica, dando profundidade ao seu personagem.
O roteiro de Erico Rassi é afiado e certeiro ao explorar a fragilidade masculina sem cair em caricaturas ou soluções fáceis. O filme não apenas conta uma boa história, mas propõe uma reflexão necessária sobre o impacto da masculinidade reprimida na sociedade.
A trilha sonora, com elementos de folk e sertanejo raiz, reforça a nostalgia e a melancolia da trama, funcionando quase como um narrador silencioso dos dilemas dos personagens. Seu minimalismo intensifica os silêncios, tornando-os ainda mais pesados e significativos.
Com sensibilidade e crítica, Oeste Outra Vez desafia o espectador a olhar além das aparências e questionar os alicerces de um mundo que ainda dita que homens não choram. Um filme que reafirma a força do cinema brasileiro ao abordar temas profundos com originalidade e precisão.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine Ninja. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine Ninja ou Mídia NINJA.