Ocupação de apoio à mulheres em situação vulnerável corre risco de reintegração em Porto Alegre
A suspeita é de não tenham resistido ao frio. A quem interessa o povo na rua? A quem interessam os prédios vazios?
Na rua Duque de Caxias, número 380, Centro Histórico de Porto Alegre, se desenrola mais um episódio na história da luta por moradia nas capitais. Desde 25 de novembro de 2016, a Ocupação Mulheres Mirabal, que faz parte do Movimento de Mulheres Olga Benário – movimento nacional em defesa da organização e proteção das mulheres -, acolhe mulheres em situação vulnerável e corre o risco de sofrer reintegração de posse. O imóvel atualmente pertence à Congregação dos Irmãos Salesianos. O prazo final para a desocupação da propriedade é quarta-feira, 23 de maio.
Atualmente, na casa de três andares, vivem seis mulheres e doze crianças, mas o processo de acolhimento é rotativo, conforme as necessidades de cada uma. Muitas vezes a Mirabal é uma casa de passagem. O apoio psicológico é feito pelas apoiadoras, com uma sala própria para o recebimento das novas abrigadas em um dos cômodos do primeiro andar. A ocupação também conta com uma biblioteca e salão de eventos. Segundo a coordenação, em um ano e meio foram acolhidas mais de 70 mulheres e realizados cerca de 200 atendimentos.
Cláudia chegou há um ano e três meses como acolhida após perder a casa em uma reintegração no antigo bairro onde morava e hoje faz parte da coordenação do Movimento Olga Benário. “Quando a gente acolhe as mulheres aqui, não acolhemos só pra dar uma cama, um lugar pra elas dormirem. Nós acolhemos principalmente pra elas se encontrarem quanto mulheres e saber que elas são muito fortes, que somos muito fortes e que temos o direito de ir e vir e merecemos estar em qualquer lugar sem sofrermos nenhum tipo de violência, tanto doméstico quanto psicológica.” E completa “é um trabalho muito necessário, principalmente nesses tempos em que cresce muito a violência contra a mulher, o feminicídio, principalmente contra mulheres negras.”
Para Renata, imigrante portuguesa que chegou ao Brasil vítima do tráfico de mulheres, as alternativas e o apoio oferecido pelo Estado não contempla as necessidades das mulheres. “Estou no processo já tem 5 anos para conseguir ir embora. Sou vítima de violência doméstica e sofri sete tentativas de homicídio por parte do meu ex-companheiro. Violência contra mim e contra meus filhos. Para poder voltar preciso conseguir a autorização pro meu menino mais novo. Só que eles querem procurar o progenitor para dar autorização, e ele sumiu. Eu me pergunto: como o Estado quer uma autorização de um assassino? Agora entrei com um novo processo. Primeiro vão procurar o pai, não vão encontrar e eu não vou saber se dão a autorização ou não. Só que se eu for pra rua, pra onde vou com meus dois filhos?”, declara.
O Movimento Olga Benário informou, via Facebook, que as últimas tentativas de diálogo com a administração do município não obtiveram sucesso.
“Hoje, dia 15/05, participamos de uma reunião convocada pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Vereadores de Porto Alegre que é presidida atualmente pela comandante Nádia. A convocação oficial da reunião foi realizada no dia 14/05, logo após a visita do Estado à nossa Ocupação a fim de cadastrar as mulheres acolhidas. Na ocasião fomos informadas que os membros do GT de negociação tinham sido convidados também, porém ninguém compareceu. Na reunião, que na verdade, assim como em outros casos de desocupações a exemplo da Lanceiros Negros, foi nada mais que uma FARSA para justificar a ausência do Estado e legitimar a reintegração de posse, foi dito pela comandante Nádia que a diretora Salma Valencio (Departamento de Políticas para as Mulheres do RS e vice-presidente do PMDB MULHER) informou à comissão que o Movimento não estava interessando nos imóveis que foram disponibilizados (2 apartamentos de 1 quarto), justificando assim a possível reintegração de posse e retirando a responsabilidade do Estado de construir políticas públicas para as mulheres. (…)”
No início de maio, o caso do incêndio em um prédio de 24 andares que abrigava cerca de 150 famílias no Largo do Paissandu, São Paulo, reacendeu o debate sobre as ocupações. Na segunda-feira (21), dois moradores de rua foram encontrados mortos, também em São Paulo. A suspeita é de não tenham resistido ao frio. A quem interessa o povo na rua? A quem interessam os prédios vazios?