A disputa pelo Setentrião: crise e reordenamento político no Amapá
Por Ivan Henrique de Mattos e Silva Após o término do período previsto para a realização das convenções partidárias – cujo prazo se encerrou no dia 05 de agosto –, o quadro eleitoral nos estados se coloca, enfim, de modo mais nítido. A despeito do número total de candidaturas registradas na Justiça Eleitoral para o executivo […]
Por Ivan Henrique de Mattos e Silva
Após o término do período previsto para a realização das convenções partidárias – cujo prazo se encerrou no dia 05 de agosto –, o quadro eleitoral nos estados se coloca, enfim, de modo mais nítido.
A despeito do número total de candidaturas registradas na Justiça Eleitoral para o executivo do Amapá, a disputa efetiva parece estar circunscrita ao candidato do Solidariedade, de um lado, e ao candidato do PSD, de outro. De acordo com os dados da Pesquisa Rede Amazônica/IPEC, divulgada no dia 24/08, Clécio (Solidariedade) ocupa a primeira posição, com 41%, seguido por Jaime (PSD), com 35%, e, em terceiro lugar, Gilvam Borges (MDB), com 5%. Já na pesquisa mais recente da Genial/Quaest, divulgada no dia 06/09, Clécio aparece com 44% das intenções de voto, seguido por Jaime, com 34%, e, em terceiro lugar, novamente Gilvam Borges, com 4%.
Três aspectos principais compõem o pano de fundo da disputa eleitoral para o governo amapaense deste ano: a acentuada deterioração do padrão de vida no estado (já historicamente marcado por debilidades e problemas estruturais), o aprofundamento de uma guinada conservadora na trajetória do voto amapaense (verificada em todos os níveis e para todos os cargos), e uma importante reorganização das forças políticas locais.
Em relação ao primeiro aspecto, essa deterioração pode ser verificada em, pelo menos, três chaves distintas. Em primeiro lugar, quanto ao fornecimento de energia elétrica: embora seja um problema histórico (mesmo que o estado possua quatro usinas hidrelétricas em seu território), a situação piorou bastante nos últimos anos, e o estado ainda vive os ecos – tanto no imaginário social, como nas quedas constantes de energia – de uma crise energética de ampla magnitude ocorrida no estado no final de 2020, quando um apagão chegou a atingir 13 dos 16 municípios amapaenses, e cujos efeitos diretos se estenderam por 22 dias. Em segundo lugar, quanto ao empobrecimento da população na esteira da pandemia de COVID-19, já que o Amapá, entre novembro de 2019 e janeiro de 2020 passou à condição de estado com a maior proporção de pessoas vivendo na pobreza em todo o país (55,9%). E, por fim, quanto ao acelerado crescimento da violência: segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, divulgado no dia 28 de junho, entre 2020 e 2021 Macapá figurou como a capital mais violenta do país, com um índice de 63,2 mortes violentas por 100 mil habitantes.
Embora não seja uma exclusividade do Amapá, e esteja, em linhas gerais, em consonância com uma tendência mais ou menos generalizada no Brasil ao longo dos últimos pleitos eleitorais, o segundo aspecto, ou seja, a guinada conservadora, é bastante evidente no contexto amapaense. Desde 2002, quando consideradas as eleições para a Câmara dos Deputados, Senado, Assembleia Legislativa do Estado do Amapá (Alap), Presidência da República e Governo do Amapá (GEA) há duas claras tendências: o encolhimento eleitoral dos partidos de esquerda pari passu a um crescimento da competitividade dos partidos de direita. Para o escopo desta reflexão, dois dados, em especial, merecem atenção: as trajetórias ideológicas do voto para a Presidência da República e para o GEA:
Gráficos 1 e 2: Votos para a Presidência da República por perfil ideológico (primeiro turno)
Após pontuações muito próximas de zero nas eleições gerais de 2002, 2006 e 2010, e 1,8% em 2014, os votos no Amapá em partidos de direita alcançam a marca de 45,1% dos votos totais no primeiro turno de 2018. Enquanto isso, os partidos de esquerda, que chegaram a receber 91,4% dos votos totais em 2002, caem para 46,6% em 2018 (embora as pesquisas de intenção de voto indiquem vantagem de Lula nas eleições deste ano). E a mesma tendência se verifica quando analisados os votos para o GEA, embora de modo menos evidente:
Gráficos 3 e 4: Votos para o GEA por perfil ideológico (primeiro turno)
Embora a esquerda siga sendo o campo que mais aglutina os votos no estado do Amapá, os partidos de direita, que praticamente não receberam votos em 2002 e 2006, flutuam em torno de 20% dos votos totais em 2010 e em 2014, para, enfim, ultrapassar a marca de 35% dos votos totais em 2018. No mesmo período, a esquerda, que chegou a receber 96% dos votos em 2006, cai para 65% em 2018.
O último aspecto considerado aqui diz respeito a um reordenamento do panorama político no estado do Amapá. Ao longo das últimas décadas, dois partidos hegemonizaram, em grande medida, as disputas pelo GEA, vinculados a duas tradicionais famílias políticas amapaenses: o PSB, vinculado à família Capiberibe, e o PDT, vinculado à família Góes. O atual governador, Waldez Góes (PDT), está finalizando seu quarto mandato no executivo estadual, e João Capiberibe – principal liderança do PSB – já foi governador por duas vezes, e seu filho, Camilo Capiberibe (atualmente deputado federal pelo PSB), uma. Pela primeira vez, desde 2002, nenhum dos principais concorrentes ao governo do Amapá é filiado a um desses partidos – que, aliás, sequer figuram como cabeças de chapa.
O reordenamento do cenário político amapaense ainda contém um segundo elemento de contexto: após anos ocupando posições opostas nos pleitos eleitorais, PSB e PDT estarão juntos na disputa de 2022. O PDT, que hoje governa o estado, apoiará o candidato Clécio Luís , ex-prefeito da capital por dois mandatos (tendo, inclusive, indicado o candidato a vice-governador), que também contará com o apoio do PSB – embora não figure na coligação. Seu principal opositor, Jaime Nunes , constrói uma campanha de oposição ao atual governo liderado por Waldez Góes, embora seja seu vice-governador.
As duas principais candidaturas ao GEA devem reproduzir, no âmbito local, a polarização verificada no âmbito nacional. Quase todos os partidos de esquerda e centro-esquerda apoiam a chapa liderada por Clécio Luís ainda que de modo informal e sem figurar na coligação – sobretudo em função da escolha de Davi Alcolumbre (União Brasil) para compor a chapa como o candidato ao Senado ao invés do ex-governador João Capiberibe. O candidato do Solidariedade também conta com o apoio do ex-presidente Lula. E, ainda que não haja, até aqui, apoio formal do presidente Bolsonaro à chapa liderada por Jaime Nunes, algumas das principais lideranças do bolsonarismo local estão ao seu lado, com destaque para Cirilo Fernandes (PODEMOS) e Guaracy Jr. (PTB).
Ivan Henrique de Mattos e Silva é Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos, mestre e doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos, com período sanduíche na Brown University (EUA). Atualmente é Professor Adjunto de Ciência Política na Universidade Federal do Amapá e vice-coordenador geral do Laboratório de Estudos Geopolíticos da Amazônia Legal (LEGAL).
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.