Na cidade de Campinas estão alocados dois cursos de artes de grande renome da América Latina. As graduações em Artes Cênicas e Artes Corporais da Unicamp, bem como a Pós Graduação em Artes da Cena, formam profissionais que atuam em todo cenário nacional e também fora do país. Pessoas jovens e adultas recebem os títulos de bacharelado, mestrado e doutorado e muitas vezes são citadas como referências em diversos projetos em que trabalham ao longo da carreira.

E não é por menos, as artes vivas na Unicamp são pesquisadas com profundidade, o próprio campus é testemunha da qualidade das obras produzidas, mas também a cidade de Campinas, pois a extensão – parte estruturante da universidade pública brasileira, que promove o encontro entre o conhecimento acadêmico e a sociedade – sempre esteve presente como parte do projeto pedagógico dos cursos. As obras de teatro, dança, performance e circo apresentadas por estudantes da Unicamp tem como tradição lotar as salas, deixando público de fora por questões estruturais que já perduram há mais de 38 anos.

Desde a fundação, as artes da presença na Unicamp ocupam um espaço improvisado, antigo vestiário – algumas pessoas relatam – ou antigo almoxarifado, que fora ocupado por uma turma de artistas com aval da Reitoria e que passou por adaptações para garantir a estrutura mínima necessária para realização das aulas e dos espetáculos. Ao longo dos anos, a estrutura física do prédio chamado Paviartes nunca fora suficiente, o quadro docente também sempre esteve no limite do possível para garantir a continuidade, mas de uns anos para cá o que era provisório virou ruínas – uma triste história sem previsão de término. 

As ruínas e obras inacabadas já fazem parte da paisagem do Instituto de Artes, o que não significa que estudantes, corpo docente e funcionárias se sintam em segurança. Uma estudante de doutorado comenta a obra do teatro que foi paralisada no ano de 2013 e que segue sem movimentação apesar das promessas de continuidade: “aquele teatro gigante, que começaram a construir em uma área alagada, foi embargado por falta de uma pilastra e agora está com uma fenda vertical enorme que dá pra ver do outro lado. Estamos com medo de que esse prédio caia a qualquer momento”.

Após o ocorrido com o teatro do Instituto de Artes, parece que a falta de fiscalização das obras dentro do campus trouxe mais uma consequência para os corpos docente e discente das artes da Unicamp. Em 2020, após o processo legal de licitação, uma empreiteira assumiu a reforma dos departamentos de Artes Cênicas e Artes Corporais. Era tempo de pandemia e as aulas aconteciam de forma virtual, a previsão era de que a obra seria entregue assim que o retorno presencial fosse possível – entre 2021 e 2022. Logo essas promessas começaram a contar com certos atrasos, até que se assumiu que a empresa contratada havia abandonado o canteiro de obras, deixando para trás metade do prédio em ruínas.

Outra licitação foi aberta e outra empresa assumiu a “reforma” em 2022. Hoje, quem for caminhar por entre as ruínas poderá verificar que não há um único vestígio de cimento batido, demonstrando que as duas empresas se limitaram a destruir o que estava construído.

As consequências desse processo, que já leva três anos, passam por estudantes que sofreram lesões graves, encontros inesperados com escorpiões, falta de estrutura básica para aulas e pesquisas, além da proximidade de entulhos jogados pela própria Reitoria no canteiro de obras, o que representa um grande risco de desenvolver focos de dengue na cidade de Campinas.

Em 2023, a Unicamp entrou em greve geral e uma das pautas da mobilização foi o movimento “Paviartes Já!”, puxado por estudantes das artes diante de tamanho descaso. Nessa ocasião, abriu-se finalmente discussão com a diretoria do Instituto de Artes e com a Reitoria da Unicamp. Houve diversas reuniões, com promessas de agilidade nos processos burocráticos para contratação de uma nova empresa, mas principalmente para realocar as atividades durante o período em que o prédio novo não estiver funcionando. Porém, mais de seis meses depois dessas tratativas, já com o ano letivo em pleno vapor, a situação dos cursos segue ainda pior do que no ano passado.

Estudantes se aborrecem com a postura da Unicamp que celebra a qualidade artística das produções sem garantir condições mínimas de salubridade para as aulas. “A obra foi coberta com tapumes de metal, mas a sujeira continua lá. Eles não cumpriram nem metade do que foi prometido. “O mais engraçado de toda essa história, é que nossas produções artísticas, nossas pesquisas são compartilhadas nas redes sociais da Unicamp como comemoração, uma vitória das artes na universidade. Mas todas as coisas que criamos são apesar da Unicamp”, comenta uma graduanda em Artes Cênicas.

As tentativas de diálogo com a Diretoria Executiva de Planejamento Integrado (DEPI), responsável pela fiscalização das obras dentro da Unicamp, receberam retornos evasivos, se recusando a passar informações. Assim como as tentativas de diálogo com a Reitoria e também com a diretoria do Instituto de Artes (IA) que, diante de tal cenário, não somente aprovou como lutou junto aos órgãos da universidade para o início de outra obra no Instituto. Desde outubro de 2023, foi iniciado o processo de demolição de parte de outro prédio do IA, para fins de reforma de acessibilidade – o que é bastante necessário -, porém o timing não parece ser o mais adequado, já que, atualmente, há mais salas sem possibilidade de utilização dentro do instituto.

A situação já passou do limite para as pessoas que estudam e pesquisam artes do corpo na Unicamp. É urgente que as duas empresas envolvidas nesse processo sejam penalizadas, assim como as pessoas responsáveis pela fiscalização das obras dentro da universidade. Afinal, a história recente de um instituto renomado já conta com duas obras inacabadas e muitas consequências graves para a comunidade acadêmica que frequenta os espaços do Instituto de Artes. E ainda mais urgente é o comprometimento das instâncias competentes com a agilidade dos processos de licitação e contratação da nova empresa, bem como a fiscalização constante do processo no canteiro de obras.