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O Terror no Oscar com ‘A Substância’
O filme de Coralie Fargeat é apenas o sétimo filme a competir na categoria de melhor filme representando o gênero.
Por Rafael Delgado
Sabe aquele parente chato que incomoda nas celebrações de família? Para o Oscar, esse parente incômodo é o filme do gênero terror. Contando com noventa e sete edições da premiação, apenas treze filmes de terror estiveram na corrida para levar o troféu para casa, sendo que apenas sete concorreram ao prêmio de Melhor Filme: O Exorcista (1973), Tubarão (1975), O Silêncio dos Inocentes (1991), O Sexto Sentido (1999), Cisne Negro (2010), Corra! (2017) e A Substância (2025). Apenas O Silêncio dos Inocentes ganhou o prêmio máximo da academia antes dessa nova edição.
Todos sabemos que o Oscar possui seus gêneros favoritos e, dessa forma, gosta de privilegiá-los, o que acaba colocando o terror em desvantagem e em uma prateleira artística menor. Isso porque, para a academia hollywoodiana, os gêneros considerados “mais sérios” e “mais importantes” são geralmente filmes de guerra, época, drama ou biografias.
O terror, por ser, na maioria das vezes, um filme “mais pobre” em relação ao orçamento, acaba ficando com um estigma de filme com menos prestígio ou até mesmo mais comercial. E mesmo sendo um filme bem elaborado, com grandes atuações e um grande roteiro, o Oscar continua dando de ombros para ele, confirmando o preconceito com o gênero.
Se pensarmos em um histórico recente, duas das últimas grandes atuações em filmes de terror sequer chegaram a ser nomeadas na cerimônia: Toni Collette por Hereditário e Lupita Nyong’o por Nós. Agora, em 2025, tivemos mais uma atuação esquecida para a competição de Melhor Ator Principal. Em Herege, Hugh Grant recebeu diversos elogios, prêmios e até mesmo foi considerado o melhor papel de sua vida até então. Porém, já entendemos o quanto é difícil o terror entrar nessa panela.
Agora, na edição deste ano, o filme que virou sensação no final de 2024 e que acabou recebendo diversos prêmios durante os festivais que percorreu, o body horror A Substância, está competindo nas categorias de Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original e Melhor Maquiagem. A plataforma que apostou no longa-metragem de Coralie Fargeat foi a Mubi, streaming conhecido por distribuir filmes com uma pegada independente, de alta qualidade e com uma excelente curadoria.
A única mulher indicada neste Oscar a Melhor Direção, Coralie Fargeat, explora em A Substância um tema atual e extremamente relevante. Hoje em dia, em uma sociedade viciada em procedimentos estéticos, na maioria das vezes influenciada por “influenciadores digitais”, e tentando se manter o mais jovem possível, o filme busca explorar o tema com uma perspectiva extrapolada da realidade. Usando o terror para apontar, criticar e fazer o público refletir, Fargeat cria um dos melhores filmes desta edição.
A diretora já havia criado uma obra que precedeu A Substância, na qual dialogava sobre o conceito de uma estética perfeita. Em Reality +, um jovem parisiense inseguro com sua beleza acaba instalando o chip Reality +, que permite aos usuários verem a si mesmos e aos outros do aplicativo com o corpo dos sonhos. O único problema é que o chip só funciona em intervalos de 12 horas, o que acaba gerando um dilema para o protagonista, que se apaixona por outra usuária.
Nesse curta-metragem, dez anos antes de sua grande obra, Coralie experimentou um gostinho do que seria A Substância.
Na nova trama, Elizabeth Sparkle, uma ex-atriz que apresenta seu programa de aeróbica, acaba sendo demitida por seu chefe por conta de sua idade. No meio do desespero, Elizabeth é confrontada por uma grande questão após um laboratório lhe oferecer uma substância que promete transformá-la em sua versão mais jovem e melhorada. Aceitar ou não aceitar?
O grande destaque do filme é a veterana atriz Demi Moore, que, nesta edição, é uma das grandes rivais de Fernanda Torres na disputa pelo Oscar de Melhor Atriz. Moore aceitou o papel por se identificar com a personagem protagonista do filme, sentindo-se, durante sua carreira, objetificada e muitas vezes subestimada. Em seu discurso no Globo de Ouro, a atriz chegou a falar que grande parte da indústria não acreditava em seu trabalho e que ela nunca ganharia reconhecimento por ele.
Assim como outras grandes atrizes e atores que interpretaram personagens complexos em filmes de terror, Demi Moore se junta a essa lista e recebe sua primeira indicação ao Oscar em sua carreira de 44 anos. Isso nos faz questionar o poder que os filmes do gênero possuem na hora de entregar grandes personagens para atores e atrizes que os interpretam.
Porém, dentro do próprio filme de Fargeat, outra atriz que se destacou no papel da versão melhorada de Elizabeth Sparkle ficou de fora da lista de indicados. Margaret Qualley, considerada por muitos uma das melhores atrizes dessa nova geração, foi esquecida na categoria de Melhor Atriz Coadjuvante. Esse fato gerou polêmicas e questionamentos sobre quem poderia ter “trocado” a vaga para Qualley entrar.
Mesmo levando em consideração o último vencedor do gênero dentro dessa cerimônia – Corra! –, que acabou levando o Oscar de Melhor Roteiro Original com uma crítica afiada ao racismo, a visão elitista do Oscar ainda é bastante conservadora. Muitas vezes, para um filme do cinema de gênero conseguir entrar na competição, ele precisa ser um filme que está para além do fantástico ou do sobrenatural; ele precisa ser “algo a mais”. Dessa forma, podemos utilizar o clássico ganhador do Oscar, O Silêncio dos Inocentes, e o contemporâneo Corra! como exemplos de filmes que são aceitos pela academia por explorarem temas sociais ou por apenas aparentarem ser filmes de suspense e não de terror.
Dessa forma, utilizando uma crítica social como plano de fundo em seu filme, Fargeat chega forte na competição com seu longa. A Substância não deixa de utilizar arquétipos de um filme de terror; pelo contrário, Fargeat coloca em seu roteiro diversas cenas explícitas, nojentas e sinistras para confrontar o espectador. Definitivamente, é preciso ter estômago para assistir a essa obra. Além disso, bebendo da fonte de Eraserhead, de David Lynch, e A Mosca, de David Cronenberg, o cinema de gênero se alimenta ao ter A Substância representando-o nesta premiação.
Agora, em 2025, o Oscar terá que lidar com o rolo compressor que é A Substância e, cada vez mais, olhar com carinho para o gênero de terror que, além de atrair um grande público, nos leva, sim, a questionamentos e reflexões sobre críticas importantes abordadas na trama.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.