“O Rio Amazonas é como estar em casa”: diário de viagem na flotilha indígena
Yaku Mama, a embarcação com 60 organizações indígenas, navega pelo rio Tapajós rumo à COP 30 em Belém.
Por Lucía Ixchiú / Fotos: Coberutra colaborativa Yaku Mama
Antes de começar este relato, respire fundo. Em meio ao caos do mundo, esses lugares ainda existem. Encho meus pulmões de ar e escrevo.
Iniciamos nossa jornada cercadas de água e selva por todos os lados. Não vimos outros países nos últimos cinco dias. Nossos olhos ficaram marrons com folhas verdes. A floresta entrou em nosso corpo e em nosso espírito, ou talvez tenhamos sido nós que entramos nela.
Essa viagem, a milhares de quilômetros de casa, me fez pensar muito nela. Talvez seja porque partimos no final de outubro e estávamos rio adentro no Dia dos Mortos. Para os povos maias e mesoamericanos de onde venho, esse dia é muito importante para honrar e lembrar a vida de nossos ancestrais e entes queridos que já passaram para outro plano.
Coube a mim honrar os ancestrais no maior rio do mundo, na selva mãe do planeta, a Amazônia. E comecei a pensar se alguns dos nossos ancestrais, há centenas de anos ou mais recentemente, teriam feito esse trajeto, se teriam vindo até aqui para conhecer os parentes.
Esse trecho da viagem foi muito profundo e também me revelou muitas coisas sobre mim mesma. Fez com que eu olhasse para dentro. E, nos poucos momentos de contemplação, senti uma conexão intensa com o rio. Os sonhos vieram por várias noites, trazendo mensagens claras e profundas. A pedra-coração veio conosco, protege, guia e acompanha.
Crescemos olhando para o céu, crescemos olhando para o rio. Por isso, ao vir, nos reconhecemos neles, viemos deles. Tenho pensado muito sobre onde quero viver. Tenho pensado muito no que sinto falta da minha casa. Às vezes, me acostumo a estar longe.
Às vezes, esqueço que estou no exílio, que já fazem cinco anos sem poder voltar para casa. Mas nesta viagem compreendi tudo: estou fora porque escolhi viver. Escolhi a vida e a liberdade. Sento-me para olhar o céu, no meio da selva, entendendo que foi ela quem nos tirou de casa para vir visitá-la.
No meio do silêncio e do nada, sinto paz e me encontro comigo mesma. No coração da floresta, reafirmo que pertenço a mim, que a Terra é minha mãe por inteiro, e que honro cada lugar que também agora é minha casa e meu território. Esta viagem rumo a Belém foi muito mais que um trajeto, foi aprendizado, um reencontro com a floresta e comigo mesma.
Aqui o tempo e o espaço se organizam de outro jeito. Os tempos da selva são outros. É o mundo que não quer entender, nós pertencemos a ela. É ela quem nos salva.
E assim, em meio a toda a força do rio, esta viagem continua e atraca depois de cinco dias, numa travessia do tempo do não-tempo.



