O que faltou no 64º Grammy Awards
Mesmo após enfrentar críticas em edições anteriores, o Grammy Awards 2022 não fugiu muito do padrão
Por Julia Filgueiras
Como em toda premiação, o público também elege os esnobados da noite de Grammy Awards. Seja por dissonância com o número de ouvintes e fãs ou com a aclamação da crítica, a Academia de Gravação nem sempre acerta nos prêmios e indicações. É por isso que todo ano ela é alvo de críticas vindas de grandes artistas, que dizem que as escolhas no Grammy são marcadas por falta de diversidade, corrupção e pouca transparência.
Não é à toa que, para a edição deste ano, a Academia passou por uma série de mudanças no processo de votação. É verdade, metade das indicadas ao “Álbum do Ano” foram mulheres, e as duas principais categorias da noite foram vencidas por artistas negros. Mas a expectativa era que essas transformações na Academia garantissem nomeações ainda mais conectadas com as reais tendências do mercado da música.
As categorias mais desejadas da noite sempre ficam por conta da “Canção do Ano”, “Gravação do Ano”, “Álbum do Ano” e “Artista Revelação”. Diferentes de todas as outras, essas categorias têm espaço para 10 indicações. Enquanto a jovem Olivia Rodrigo teve seu nome indicado a todas elas, outros grandes artistas ficaram de fora das escolhas da Academia. Mesmo emplacando colocações incríveis entre as músicas mais ouvidas do ano passado, grupos como BTS e Måneskin tiveram indicações desproporcionais ao seu sucesso.
Apesar da apresentação grandiosa e da indicação à “Melhor Performance de Duo/Grupo Pop”, assim como na última edição, o grupo de kpop só levou o prêmio de maior número de fãs mais engajados nas redes sociais. A performance musical mesmo, dessa vez com a música “Butter”, não levou para casa nenhum troféu. Pelo tamanho do sucesso, os fãs esperavam que esse ano os meninos finalmente fossem premiados ou conseguissem mais indicações, ao menos uma nas categorias principais.
O mesmo vale para a italiana Måneskin, que dominou os corações e mentes de muita gente com o sucesso do cover “Beggin’”, no Tik Tok. Tudo bem, por mais que tenha estourado no ano passado, o maior hit da banda foi lançado em 2017, e por isso não poderia ser indicado nesta edição. Mas o álbum “Teatro d’ira: Vol. I” (2021) também foi um grande sucesso e poderia ao menos ter garantido uma indicação a “Artista Revelação” ou nas categorias de Rock. A Måneskin não se apresentou na cerimônia, mas foi um dos grupos responsáveis por anunciar parte dos indicados ao Grammy, ainda no ano passado.
As ausências de Lana Del Rey e Lorde também foram muito sentidas por seus fãs. As duas tiveram trabalhos bastante expressivos no ano passado e, mesmo sendo muito reconhecidas na indústria da música, nenhuma recebeu uma indicação, nem mesmo nas categorias dos seus gêneros musicais. O primeiro lançamento de Lana em 2021, “Chemtrails over the Country Club”, foi um dos seus trabalhos mais bem recebidos pela crítica. Mesmo assim, a cantora não recebeu nenhuma indicação, algo especialmente estranho para uma artista indicada 6 vezes em 8 anos, inclusive nas categorias principais.
Lorde é outra cantora querida pela Academia de Gravação desde que começou, levando dois grandes prêmios logo na estreia. “Solar Power”, seu último álbum, não agradou tanto a crítica quanto seus outros trabalhos – mas ainda assim, sua ausência na lista de indicados gerou frustração por parte dos fãs. Vale lembrar que, entre outros projetos incríveis que ficaram de fora da premiação, os trabalhos de Lana e Lorde foram produzidos pelo Jack Antonoff, que levou o prêmio de “Melhor produtor não-clássico” desta edição.
O esquecimento de Miley Cyrus também foi muito comentado. Com seu “Plastic Hearts”, a cantora trouxe uma nova versão roqueira para sua carreira, muito bem recebida pelos fãs e pela crítica – algo que também trouxe muitas expectativas para seu primeiro gramofone dourado. Falando na ex-Hannah-Montana, acabou que o comeback do rock e do emo para o mainstream que ganhou expressão no ano passado não teve muita expressão na premiação. A própria Olivia Rodrigo, premiada nas categorias de “Artista revelação”, “Melhor Performance Solo de Pop” e “Melhor Álbum Vocal de Pop”, surfou nessa onda com hits como “good 4 u”, fortemente inspirado na sonoridade do pop rock dos anos 2000.
Olivia se deu bem, mas artistas como WILLOW e Machine Gun Kelly, que foram muito reconhecidos por essa volta do rock para as paradas de sucesso, foram esquecidos pela Academia. Outra artista que trouxe essa tendência foi a Halsey, que conseguiu sua primeira nomeação na categoria de “Melhor Álbum Alternativo” com “If I Can’t Have Love, I Want Power”, disco produzido por Trent Reznor e Atticus Ross, do Nine Inch Nails – mas não levou nenhum troféu para casa. Sem contar, é claro, com a própria Måneskin. Para além das principais, as categorias do rock acabaram sendo marcadas por nomes mais “tradicionais”, como Foo Fighters e Paul McCartney.
Nomes da música latina também ficaram restritos a seus gêneros musicais. Mesmo tendo muita expressão nos charts globais e americanos, nomes como Bad Bunny, KAROL G, Rauw Alejandro, J Balvin, Kali Uchis não receberam nenhuma indicação para os principais prêmios da noite. Esse ano, a Academia de Gravação até instaurou uma nova categoria de avaliação para gêneros latinos, do reggaeton ao funk brasileiro: “Melhor álbum de música urbana”. Mas, logo em seu primeiro ano, essa e outras categorias voltadas para a música latina foram todas encaixadas na pré-cerimônia, sem ganhar o destaque que merecem. A presença latina na parte principal da noite acabou ficando toda por conta da apresentação incrível de J Balvin com a argentina Maria Becerra.
Outros artistas que fizeram falta nas categorias principais são nomes do hip hop que foram líderes de reprodução em 2021: Megan Thee Stalion e Drake. A Megan foi uma das principais histórias da cerimônia do ano passado, entregando tudo numa performance histórica e levando para casa 3 troféus, incluindo o de “Artista Revelação”. Ainda assim, a Academia não indicou o seu álbum “Good News” em nenhuma categoria neste ano. Drake até chegou a ser indicado, mas apenas nas categorias de rap. Para um álbum que teve um desempenho de vendas tão bom quanto “Certified Lover Boy”, pelo menos uma indicação nas categorias principais era esperada por ele. Especula-se que, por conta disso, Drake pediu que a Academia retirasse suas duas indicações.
Nas categorias de rap, a Academia fez “opções seguras”, com mais nomes já estabelecidos na indústria e poucas mulheres. Por conta disso, artistas com obras super bem avaliadas na crítica acabaram não conseguindo uma indicação. Little Simmz e seu último trabalho “Sometimes I Might Be Introvert” é uma delas. No Brit Awards, ela foi indicada em quatro categorias e premiada como “Artista Revelação”, título para o qual também poderia ter sido indicada na cerimônia de ontem.
Arlo Parks e seu “Collapsed In Sunbeams” é outro projeto que foi muito reconhecido na crítica especializada, sendo considerado, junto com Simmz, um dos melhores discos do ano. Ela foi indicada em “Melhor Álbum Alternativo” e “Artista Revelação”, além de ser chamada para anunciar indicados na pré-cerimônia do Grammy – mas não ganhou em nenhuma das categorias. Quem surpreendeu ainda mais seus fãs ao não levar nenhum troféu na noite de ontem foi a Billie Eilish, já queridíssima da Academia e indicada em sete categorias por seu trabalho em “Happier Than Ever”.
A verdade é que, apesar das mudanças anunciadas, a cerimônia do 64º não fugiu muito do padrão. Nunca vai sair todo mundo satisfeito, e tá tudo bem. Ausências, contradições e polêmicas, mas sempre algumas surpresas para todo mundo continuar assistindo no ano que vem. A vitória de Jon Batiste no “Melhor Álbum” surpreendeu muita gente, inclusive ele mesmo. Ele foi o artista mais indicado da noite, com o nome em 11 categorias de diferentes gêneros musicais, e fez uma apresentação catártica que mereceu muito os aplausos. Mesmo que seu álbum “We Are” não tenha sido tão querido pelo público quanto os de Olivia, Billie, Doja Cat e Lil Nas X, sua premiação neste ano emblemático pode representar o início de uma mudança nas categorias principais, que talvez estejam se tornando mais abertas para artistas de outros estilos. De uma forma ou de outra, a gente espera que as mudanças reais no Grammy realmente estejam vindo, mesmo que lentamente.