O que está acontecendo no Irã?
O Irã passa por um momento crítico com diversos protestos após a morte de uma jovem de 22 anos por usar o hijab de forma considerada incorreta
Na sexta-feira, 16 de setembro, a jovem Mahsa Amini, de 22 anos, morreu após ser detida pela polícia moral do país, por usar o hijab, um dos tipos de véu islâmico que é obrigatório no Irã, de forma incorreta. testemunhas afirmam que Mahsa foi espancada na viatura da polícia, e ao chegar à delegacia, passou mal e foi internada. A versão das forças de segurança é de que a jovem teve um infarto, divulgando imagens dela caindo sozinha no prédio público.
A morte de Mahsa foi o estopim para o início uma grande revolta no Irã. Diversas cidades estão com protestos, e uma das principais palavras de ordem é “morte ao ditador”, se referindo ao Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei, que é o Chefe de Estado desde 1989. Apesar de eleições com participação civil acontecerem no país, onde elegem membros do Majlis, o parlamento, e presidente, quem tem a palavra final é o Aiatolá, visto que após a Revolução islâmica de 1979, o Irã se tornou uma república teocrática islâmica. Também é eleito por sufrágio universal a Assembleia dos Peritos, que elege e, se necessário, destitui o Líder Supremo.
Mais de 80 cidades de diferentes regiões do Irã estão com protestos há cerca de 10 dias, que se intensificaram desde a morte de Mahsa, com mulheres queimando hijabs e cortando seus cabelos em forma de protesto, e tem como resultado entre 47 e 57 mortes, incluindo 4 crianças. O grupo de direitos humanos Hengaw faz levantamentos das violências no Curdistão Iraniano, registrando somente na área 18 mortes e 898 feridos, além das centenas de presos. A internet está sendo bloqueada no país, e mesmo que afete a economia, o governo prefere evitar que os manifestantes se articulem utilizando WhatsApp e Instagram, aplicativos de grande uso pela população iraniana que foram bloqueados pelo Estado. O observatório NetBlocks está registrando esses bloqueios realizados pelo regime teocrático. Viaturas foram incendiadas, e a polícia ataca com grande repressão quem está nas ruas. Mas essa não é a única causa dos protestos.
O Irã é um grande exportador de petróleo, mas sofreu com barreiras, e diversos poços foram fechados, afetando a economia do país. Nos últimos meses, uma negociação está sendo feita, e em 4 de agosto, o governo de Joe Biden, presidente dos EUA, restaurou isenções de sanções contra o país. Para uma recuperação econômica, irá levar algum tempo, reabrir poços, por exemplo, exige um investimento que pode não ter um retorno tão rápido. Isso, somado às revoltas nas ruas, traz uma grande crise para as mãos das lideranças iranianas.
Além disso, a região de onde era Mahsa Amini é o Curdistão iraniano, habitada por curdos, tem um conflito separatista de longa data (teve início em 1918) no oeste do Irã, onde tem sua expressão cultural respeitada, mas não tem direito a um autogoverno e autonomia política, como desejam.
Mas então a culpa é do hijab?
Não. Esse lenço traz uma carga religiosa grande, e é uma demonstração para muitas mulheres no mundo inteiro de devoção, e o usam por vontade própria, assim como mulheres judias que também usam lenços ou perucas para esconder seu real cabelo – e não sofrem críticas por isso. Acontece que desde a Revolução de 1979, as mulheres são obrigadas a usar o hijab, não é um ato realizado por desejo ou demonstração religiosa, em um país que já teve épocas onde tentavam arrancá-los das cabeças de mulheres mais religiosas, e hoje não se pode deixar de usá-lo. Há diversas restrições de vestimentas (homens não podem usar shorts, por exemplo), e separação entre homens e mulheres nos espaços públicos, em um país em crise devido a diversas sanções impostas pelos EUA e Europa pelo seu programa nuclear.
Protestos contra o uso obrigatório do hijab acontecem há algum tempo no país, sempre com repressão das forças de segurança, mas as ações contra as regras de vestimenta tem sido cada vez mais frequentes, o que o governo e agentes de segurança consideram como comportamento imoral. A situação se assemelha aos grandes protestos em 2019, mas a mídia internacional aponta diferenças. Dessa vez, são homens e mulheres também nas ruas, não são somente jovens, mas outras gerações também estão protestando, além de pessoas de diferentes povos, que estão unidos não somente para que as mulheres tenham direitos, mas também por uma mudança em um regime que é ruim para todo o país. Jovens desejam sair do país, para terem maior liberdade, e o governo teocrático ainda não tem um nome claro para ser o substituto de Ali Khamenei, que está com 83 anos.