O que é migração climática e como ela afeta o Brasil
Mais de 1,1 milhão de pessoas foram deslocadas por desastres climáticos no Brasil em 2024
por Catalina Roig
As consequências da crise climática já estão afetando grande parte da população: na última década, os desastres relacionados ao clima causaram 250 milhões de deslocamentos internos, o que equivale a mais de 67 mil deslocamentos diários. Esses dados surgem do relatório apresentado pela Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR) na COP30 sobre a situação da migração por motivos climáticos, no qual também se alerta que houve um aumento de 10% em comparação com a década anterior.
O relatório também mostrou que a crise climática aprofundou as desigualdades socioeconômicas existentes: das 117 milhões de pessoas deslocadas por conflitos, 75% estão expostas a riscos relacionados ao clima. A ACNUR define a migração climática como o movimento de pessoas que, devido a mudanças súbitas ou graduais no ambiente provocadas pelas alterações climáticas, são obrigadas a migrar, internamente ou para outros países.
No entanto, há também uma questão jurídica relacionada à migração climática. Embora muitas vezes se use o termo “refugiado climático”, essas pessoas não são reconhecidas oficialmente pelo direito internacional como refugiadas (status reservado apenas a quem foge de guerras ou conflitos) e, portanto, não gozam das proteções estabelecidas pela Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951. Isso representa um problema em um mundo onde os desastres climáticos tendem a aumentar, além de agravarem os conflitos já existentes.
Brasil: o país latino-americano com mais deslocamentos internos por desastres climáticos
Um relatório do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC) mostra que o Brasil foi o país latino-americano com mais deslocamentos internos devido a desastres climáticos em 2024, quando 1,1 milhão de pessoas tiveram que se deslocar, principalmente devido às enchentes ocorridas naquele ano no Rio Grande do Sul, onde 775 mil pessoas foram deslocadas e cerca de 200 morreram.
O relatório menciona que as evidências disponíveis sugerem que “as mudanças climáticas e a falta de desenvolvimento e modernização da infraestrutura duplicaram a probabilidade do evento e contribuíram para sua magnitude e gravidade”.
Nesse sentido, diversos estudos mostraram que as pessoas mais vulneráveis foram as mais afetadas pelas enchentes. Por exemplo, um estudo geoespacial do Núcleo Porto Alegre do INCT Observatório das Metrópoles mostrou que “as áreas que mais sofreram com as enchentes apresentam uma concentração expressiva de população negra, geralmente acima da média dos municípios”. Por outro lado, houve relatos de povos indígenas que se recusaram a evacuar por medo de perderem suas terras.
O território das Américas registrou um número recorde de 14,5 milhões de pessoas deslocadas em 2024, um número maior do que o total acumulado dos cinco anos anteriores, dos quais 13 milhões e meio estão associados a desastres climáticos, enquanto 1,5 milhão foram deslocadas por conflitos e violência.
Grande parte dos deslocamentos por desastres ocorreu nos Estados Unidos, onde cerca de 11 milhões de pessoas tiveram que se deslocar, principalmente devido a furacões, tornando o país o que mais teve deslocados no mundo.Entre os países mais afetados também estão Filipinas (8,9 milhões), Índia (5,4 milhões), Bangladesh (2,4 milhões) e China (3,9 milhões), a maioria dos casos também causada por tempestades e inundações.
Como as catástrofes se relacionam com as mudanças climáticas
Desastres climáticos como as enchentes no Rio Grande do Sul estão profundamente relacionados à atual crise socioecológica. Um relatório da Aliança Brasileira para a Cultura Oceânica mostra que, enquanto a média anual de registros de desastres climáticos na década de 1990 era de 725 por ano, esse número aumentou para 4.077 registros anuais desde 2020, o que representa um aumento de 5,5 vezes.
Cerca de metade desses registros se refere à seca (período seco, estiagem, incêndios florestais, baixa umidade do ar), 26% a inundações e 19% a tempestades. Esses eventos têm afetado cada vez mais as pessoas: nos últimos quatro anos (2020–2023), quase 78 milhões de brasileiros e brasileiras foram afetados.
Os enormes impactos que a crise climática já está causando na reprodução da vida humana evidenciam a urgência de frear a degradação dos territórios e de criar políticas de proteção para as populações mais vulneráveis aos desastres climáticos que estamos vivenciando.



