Originalmente publicado em COMIDA RJ-CE
Soberania Alimentar
Ao abrir um restaurante ou simplesmente fazer compras para sua família, uma pessoa tem a possibilidade de escolher, através do seu poder de compra, quem será beneficiado. Este é um dos reflexos da (re)evolução do ato de cozinhar. Finalmente estamos pensando sobre nossas atitudes cotidianas e nas suas consequências. Ponderar como o ato de adquirir um pão (ao escolher uma padaria local ao pão industrializado) pode ou não espelhar na economia da sua região, demonstrando não somente esta nova realidade apresentada, como também nos fazendo perceber que as nossas atitudes têm o poder da mudança.
Foi em 1996 que o movimento internacional de agricultores A Via Campesina pela primeira vez apresentou o conceito da soberania alimentar como sendo “o direito de cada nação a manter e desenvolver os seus alimentos, tendo em conta a diversidade cultural e produtiva”. Em resumo, ter soberania plena para decidir o que se cultiva e o que se come.
Comida para todos
Porém, não se pode dizer que hoje as sociedades possuem sua soberania alimentar. Para pessoas de baixo poder aquisitivo, por exemplo, a comida sem aditivos químicos ou agrotóxicos, é cara e, por tal, de difícil acesso. Se então não houver uma relação de responsabilidade daqueles que trabalham pela e com a Gastronomia, em lutar pelo direito à comida de verdade e ela ser possível para todos, estaremos fadados a nos tornar cozinheiras e cozinheiros sem significância, com a única e exclusiva função de repetir receitas para agradar a alguns poucos endinheirados que nos tomam como peças decorativas. O direito humano à alimentação adequada está contemplado no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Tal direito consiste no acesso físico e econômico de todas as pessoas aos alimentos e aos recursos, como emprego ou terra, para garantir esse acesso de modo contínuo. Ao afirmar que a alimentação deve ser adequada entende-se que ela seja adequada ao contexto e às condições culturais, sociais, econômicas, climáticas e ecológicas de cada pessoa, etnia, cultura ou grupo social.
Políticas Públicas
Pensando nesta relação da comida, fazem-se cada vez mais necessárias as discussões políticas e sociais, estruturadas na sustentabilidade da cultura alimentar. Entretanto, não se iludam, pois há discursos vazios, puramente publicitários, advindos de alguns profissionais e empresas, que em se valendo do amadurecimento da cozinha profissional brasileira, propagam responsabilidade social sem planejamento ou continuidade produtiva. Não há mais tempo nem espaço para políticos, empresas e pessoas ignorarem os impactos das suas escolhas alimentares.
Existem mapeamentos que são realizados para melhoria de escoamento de produção, para projetos futuros de construção de estradas nas regiões rurais do país que também possuem importante papel na localização de produções rurais. O Censo Agropecuário 2017 organizado pelo Instituo Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) visitou cerca de 5,3 milhões de propriedades agrícolas entre 2017 e 2018. Após o mapeamento, foram colhidas importantes informações sobre a produção, sazonalidade e quantidade de produção, atualizando um mapa que pode gerar parcerias com produtores.
Além de aproximar o campo da cidade, essa relação pode tornar a população mais informada sobre meios de produção e manejos indevidos de defensivos agrícolas, caso eles ocorram. Este processo de conscientização e parceria é algo que deve ser construído com alicerces promovidos por instituições de ensino de gastronomia e programas de políticas públicas condizentes. E o que são políticas públicas? São conjuntos de programas, ações e atividades desenvolvidas pelo Estado, direta ou indiretamente, com a participação de iniciativas públicas ou privadas, que visam assegurar determinado direito de cidadania de forma abrangente ou para determinado seguimento social, cultural, étnico ou econômico.
Possibilidades Futuras
Unir instituições educacionais e empresas (públicas e privadas), informações históricas e atuais, etnias, biodiversidade e sustentabilidade já seria complexo para qualquer assunto, e se potencializa quando pensamos na imensidão da gastronomia brasileira. Porém, não se pode desanimar e não realizar. Se juntar esforços e criar um método de planejamento, organização, implantação e controle de políticas públicas, protetivas e de fomento das gastronomias locais, rapidamente é fortalecida a capacidade de realização de tais políticas. Envolver as escolas e associações de gastronomia neste processo, além de parecer o mais eficiente, ainda elucida o real papel destas organizações.
Estas ações não somente alteram a relação da sociedade com a comida, como também promove a consciência sobre os papeis que as pessoas tem dentro do processo, além de demonstrar a importância da gastronomia como uma ferramenta social.
Sobre os autores
” Juntando o nosso tempo de trabalho dedicado à Gastronomia dá 45 anos! Cozinha, gestão, coordenação de cursos, sala de aula, fóruns, congressos, textos, blog, e muita, muita dedicação pela Gastronomia. Por ela, para ela, por respeito a todos que fazem parte, tentamos juntar a experiência dos dois para contribuir com a profissão que garante que as pessoas comam, que garante saúde, alegrias e sentimentos. – Vanessa Santos e Gustavo Guterman, professores de gastronomia e produtores de conteúdo no blog Comida RJ-CE.