O paradesporto é democrático?
O custo de equipamentos do paradesporto é uma barreira à democratização e ao acesso à prática.
Por Doiara Silva dos Santos, para Cobertura Colaborativa Paris 2024
O paradesporto competitivo, que culmina no nível paralímpico, é um nicho muito peculiar de vivência e visibilidade do esporte para pessoas com deficiências. Os Jogos Paralímpicos se consolidaram como um megaevento esportivo, contando com a sua própria organização e instituição representativa: o Comitê Paralímpico Internacional. Embora se tornar um atleta paralímpico seja um caminho de oportunidades e realizações para muitas pessoas com deficiências (congênitas ou adquiridas), o debate sobre o usufruto do paradesporto como direito social e prática cultural precisa ser ampliado. Para quem o paradesporto é acessível? Sabemos quanto custam os equipamentos para a prática do paradesporto? Nas grandes lojas de equipamentos esportivos, costumamos ver materiais específicos para esta prática?
São cadeiras de rodas, próteses e calçados específicos, bolas com guizo, máscaras de proteção, etc. Uma máscara de proteção de goalball, utilizada pelos paratletas, pode ser encontrada a partir de R$595,00. Uma bola oficial com guizos desta mesma modalidade custa a partir de R$1.595,00, e a trave, equipamento com dimensões próprias a esta modalidade, pode ser encontrada a partir de R$9.490,00. Enquanto uma cadeira de rodas comum, modelo CDS, manual, com freios laterais, pode ser encontrada a partir de R$495,00, uma cadeira própria para o basquete sobre rodas tem um preço inicial de R$5.556,00. As próteses esportivas, com estruturas anatômicas e biomecânicas adequadas às individualidades dos competidores, são majoritariamente fabricadas fora do Brasil e podem custar mais de R$30.000,00.
Ou seja, o paradesporto é um privilégio para poucos! Quem pode sonhar em ser atleta paralímpico?
No Brasil, segundo dados do IBGE (2023), há 18,6 milhões de pessoas de 2 anos ou mais de idade com algum tipo de deficiência, sendo a maioria mulheres e pessoas negras. Os dados revelam também que as pessoas com deficiência têm menor acesso à educação, ao trabalho e à renda. As relações de gênero, classe e poder, de forma interseccional, demandam maior atenção ao analisarmos o paradesporto e a elaboração de políticas das organizações esportivas, a responsabilidade social das empresas privadas e o papel dos governos no combate às desigualdades, especialmente quanto a esses grupos que têm suas oportunidades vulnerabilizadas na estrutura social.
O potencial educativo e os benefícios da prática de esportes para a saúde biopsicossocial de todas as pessoas são reconhecidos cientificamente e popularmente. Além disso, no Brasil, constitucionalmente, o esporte é um direito de cada pessoa e dever do Estado (Artigo 217 da Constituição Federal). Diante disso, pergunta-se: com que frequência vemos nos espaços públicos da cidade (como quadras poliesportivas) praticantes de futebol de 5? E de goalball ou basquete sobre rodas? Onde estão as pessoas com deficiência nas academias, clubes, parques, esporte universitário, escolinhas e projetos sociais esportivos? Para além das barreiras arquitetônicas, há a falta de profissionais especializados e problemas estruturais quanto a estereótipos e discriminação.
Destaca-se que avanços acontecem em todo o mundo no que tange às iniciativas de políticas para aumentar o número de competidores nas diferentes modalidades paralímpicas. No Brasil, a Lei de Incentivo ao Esporte tem contemplado projetos paradesportivos em todo o país, e esses fatores somados explicam o sucesso do Time Paralímpico do Brasil. Além disso, os eventos paradesportivos escolares estão crescendo, embora continuem esbarrando em dificuldades comuns às realidades das escolas públicas: infraestrutura e materiais insuficientes.
Os investimentos dos Comitês Paralímpicos Nacionais em centros de treinamento, em conhecimento científico e tecnológico para amparar os treinamentos, sistemas de classificação e no desenvolvimento de equipamentos para aprimorar o desempenho dos atletas têm sido cada vez maiores. O Comitê Paralímpico do Brasil (CPB), por exemplo, criou mais de 60 centros de referência paralímpicos espalhados por vários estados, como Paraíba, Roraima, Paraná, Amazonas, Minas Gerais, Ceará, etc. Os centros têm a preocupação de oportunizar para pessoas com deficiências a prática esportiva com qualidade em todo o território nacional.
Porém, começar pode ser muito difícil. Ainda que o caminho seja o nível competitivo, continuar também é complicado. Em 2022, dados da edição dos Jogos Paralímpicos de Tóquio revelam uma diferença no valor pago pelas bolsas a atletas olímpicos e paralímpicos brasileiros, que chegou a 150%. Em Paris 2024, houve avanços quanto ao valor das premiações por medalhas, sendo os mais altos da história. O CPB anunciou que uma medalha de ouro em esportes individuais renderá ao atleta um prêmio de R$250 mil reais (R$100 mil reais a menos que o prêmio oferecido pelo Comitê Olímpico Brasileiro aos atletas olímpicos).
Conhecemos medalhistas olímpicos e paralímpicos que nos lembram da importância dos projetos sociais para democratizar o acesso ao esporte. Daniel Dias, maior medalhista brasileiro da história dos Jogos Paralímpicos, por exemplo, abriu o “Instituto Daniel Dias”, que tem como público-alvo crianças e jovens de escolas públicas. Porém, vale lembrar que os preços dos equipamentos paradesportivos podem dificultar, inclusive, as iniciativas e a sobrevivência de projetos sociais e escolas de paradesporto, que contam com menor investimento das iniciativas privadas.
Perspectivar o paradesporto fora do âmbito competitivo, ou seja, como oportunidade democrática de lazer, educação, saúde e qualidade de vida, parece ainda mais distante, especialmente se considerarmos os indicadores censitários sobre a relação entre gênero, renda e questão étnico-racial.
Há um longo caminho para democratizar o paradesporto, que exige a continuidade e ampliação das políticas de fomento para contemplar tanto a alta performance (e que a base venha forte!) quanto outras dimensões do paradesporto para a educação, lazer e saúde das pessoas com deficiência. Nesse sentido, qualquer debate sobre inclusão e paradesporto deve perpassar também as questões de renda, gênero e étnico-raciais.