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O Papa é Pop: Como ‘Conclave’ transformou o Vaticano em um reality show político
Longa revela intrigas e hipocrisias no Vaticano, misturando política e humor, e ganhando o público jovem nas redes.
Por Tiago Gonçalves
Por anos, Hollywood tratou a Igreja Católica e seus ritos com certa solenidade e mistério. Mas Conclave (2024), dirigido por Edward Berger (Nada de Novo no Front), chega para chacoalhar essa tradição. O filme, que acompanha a eleição de um novo Papa após a morte do pontífice anterior, surpreendeu o público ao fugir da abordagem introspectiva e filosófica esperada para um thriller político-espiritual. Em vez disso, Berger abre as portas do Vaticano e expõe a politicagem, as incoerências e até os momentos cômicos desse encontro sagrado.
O Vaticano nunca foi tão entretenimento
A trama segue o cardeal Lawrence, um homem de fé que, ao longo do processo de escolha do novo líder da Igreja, se vê em meio a uma guerra de egos, segredos e disputas internas. Mas, ao contrário do que se poderia esperar, Conclave não mergulha apenas na profundidade da fé, e sim nas fragilidades e hipocrisias do poder eclesiástico. O resultado? Um filme que, sem desrespeitar a tradição, humaniza o processo e revela suas contradições.
O choque entre conservadorismo e modernidade fica evidente logo nos primeiros momentos, como na cena de um cardeal ultraconservador defendendo a volta do latim enquanto, nada discretamente, fuma um vape. Pequenos detalhes assim constroem um retrato satírico e mordaz da alta cúpula católica, tornando Conclave uma obra que desmistifica o Vaticano sem cair no deboche gratuito.
A estrutura do filme se assemelha a um drama de conspiração política, mas com um ritmo e tom que aproximam a narrativa de um reality show. Intrigas, traições e escândalos emergem conforme os cardeais tentam influenciar a eleição do novo Papa. Segredos são desenterrados, acusações são feitas, e a suposta solenidade do processo cede espaço a um jogo de influência e vaidade. Para os espectadores, isso torna o filme altamente envolvente, já que os personagens, longe de serem figuras inatingíveis, parecem protagonistas de uma novela cheia de reviravoltas.
Berger não hesita em mostrar a ironia do momento: enquanto os cardeais proclamam devoção e humildade, estão imersos em um dos cenários mais políticos e estratégicos do mundo. A graça de Conclave está justamente nessa dualidade: a religião como pano de fundo para uma disputa de poder que em nada difere daquelas vistas em qualquer outro ambiente político.
Se o filme já era uma surpresa nos cinemas, sua recepção nas redes sociais o alavancou ao status de filme pop. O público jovem, muitas vezes distante de tramas religiosas, se encantou com o estilo vibrante da obra e com seus momentos inesperadamente cômicos. A viralização de Conclave aconteceu de forma quase orgânica, seja por meio de edições de vídeos, memes ou até comparações inusitadas.
Um dos maiores sucessos foi uma série de GIFs que contavam a história do filme utilizando trechos de ícones brasileiros como Gretchen, Tulla Luana e Rita Cadillac. (Se possível, inserir o tweet:
— vini (@pardiimvinicius) February 13, 2025
O compilado, dividido em cinco episódios, conquistou milhares de visualizações e ajudou a consolidar Conclave como um dos títulos queridinhos do público para o Oscar de Melhor Filme. O filme, que inicialmente parecia destinado a um público mais nichado, conseguiu atingir também uma audiência que busca entretenimento e sátira política na mesma medida.
Conclave e a reinvenção dos filmes sobre religião
Diferente de outras produções que abordam a fé de maneira dogmática ou extremamente contemplativa, Conclave abraça suas contradições. A pompa e a tradição são preservadas na estética, mas o conteúdo revela a humanidade por trás da cerimônia. A ideia de que o Vaticano é um palco para rituais milenares ganha uma nova perspectiva quando o público percebe que, por trás das vestes sagradas, há homens comuns, com ambições, vícios e estratégias.
Edward Berger acerta ao trazer uma abordagem menos engessada, sem perder a seriedade dos temas que aborda. Conclave não apenas escancara os bastidores de um evento ultrassecreto, mas também o torna irresistivelmente fascinante para o grande público. Ao desmistificar a cerimônia, Berger não enfraquece sua importância; pelo contrário, ele a torna ainda mais intrigante. No final das contas, se há uma coisa que Conclave prova, é que a política — seja ela secular ou religiosa — continua sendo um espetáculo irresistível.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.