Por Milene de Souza

No Brasil, 40% da população vive em municípios sem salas de cinema, segundo o IBGE (Censo 2019). Para muitos, a única forma de assistir a grandes produções é pela pirataria. Essa realidade evidencia a dificuldade de acesso à cultura, especialmente ao cinema nacional, que, apesar de sua riqueza, enfrenta desafios históricos.

Nos últimos anos, o setor audiovisual sofreu ataques diretos. Durante o governo Bolsonaro, a indústria foi alvo de cortes e tentativas de desmonte, como a ameaça de extinção da ANCINE (Agência Nacional do Cinema). Parte da população apoiou essas medidas, reflexo de uma descrença generalizada no cinema brasileiro. Foi preciso um filme ser indicado ao Oscar para que muitos voltassem a reconhecer sua força. O episódio revelou a falta de compreensão sobre a indústria cinematográfica, que vai além da cultura: movimenta a economia e gera empregos.

A ideia de que “filme brasileiro é ruim” persiste. Muitos reduzem a produção nacional a comédias pastelão ou a clássicos como Central do Brasil. A comparação com Hollywood é inevitável, mas também injusta. O cinema brasileiro tem identidade própria, retrata histórias no nosso idioma e traduz o país em suas contradições.

Apesar dos desafios, o público começou a responder. Em 2024, segundo a ANCINE, 209 filmes nacionais foram assistidos por 7,37 milhões de pessoas, arrecadando R$ 141 milhões até setembro. O setor ainda se recupera do desmonte iniciado em 2019, mas iniciativas como a Lei Paulo Gustavo (nº 195/2022) impulsionam a retomada.

Um dos símbolos dessa reconstrução, Ainda Estou Aqui, é o primeiro filme original da Globoplay, que já levou mais de 5 milhões de pessoas ao cinema. Dirigido por Walter Salles, adapta o livro autobiográfico de Marcelo Rubens Paiva e narra a luta de sua mãe, Eunice Paiva, para descobrir o paradeiro do marido, Rubens Paiva, desaparecido na ditadura militar. A história ressoa em um país que, há poucos anos, viu manifestações a favor do retorno do regime.

Com bilheteria de R$ 150 milhões, Ainda Estou Aqui tornou-se o segundo maior sucesso do cinema nacional, atrás apenas de Minha Mãe é Uma Peça 3 (R$ 169,8 milhões). Mais que um fenômeno comercial, representa a reconexão do público com a produção brasileira. Em tempos de incerteza, a arte segue como espaço de resistência e memória.

O cinema nacional não precisa de um Oscar para ser legitimado. Precisa de investimento, apoio e reconhecimento. Assistir a filmes brasileiros, debater suas histórias e ampliar seu alcance fortalece uma arte que nos representa.

Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.