O legado e a expectativa da Paris pós-olímpica
Balanço de como Paris mudou para sediar os jogos e o legado que restará para a capital francesa.
Por Alex Fravoline, para Cobertura Colaborativa Paris 2024
Sediar os Jogos Olímpicos não só traz relevância global a uma cidade, mas também requer grandes mudanças e investimentos para receber o maior evento esportivo do mundo. Com uma posição que muda a cidade, para Paris não é uma surpresa: é sua terceira vez que abriga as Olimpíadas, tendo sido anfitriã anteriormente em 1900 e 1924. Cem anos depois, outros objetivos e motivos mudaram a capital francesa para os jogos.
Antigamente, as cidades se candidatavam a partir de campanhas de alto custo para sediar os Jogos Olímpicos. No entanto, desde 2014, o Comitê Olímpico Internacional mudou estas regras para escolher o local, avaliados as estratégias da cidade, aspectos políticos e legados sustentáveis.
Um exemplo recente foi a escolha do Rio de Janeiro para sediar os jogos de 2016, que passou por diversas reformas e revitalizações, apresentando um legado olímpico concentrado no transporte público e instalações educacionais feitas com estruturas de construções olímpicas. Para Paris, uma cidade de primeiro mundo, turística e que “se vende sozinha”, apostou na inovação.
O site oficial da edição explica que a cidade resolveu inovar em vários níveis, criando os jogos mais urbanos e sustentáveis. A começar pela redução dos custos de construções pela pegada de carbono, um objetivo anunciado pela organização francesa para reduzir as emissões de CO₂ pela metade, em comparação com as últimas edições. Além, é claro, do tão falado projeto ambicioso de limpeza do rio Sena, com um custo de cerca de 1,5 bilhões de dólares, conforme o National Geographic.
O rio Sena foi uma pauta exaustivamente explorada nessas Olimpíadas. O poluído rio, que corta a romântica e clássica Paris, foi um dos protagonistas de promessas e polêmicas. As etapas de saneamento incluíram a modernização das estações de tratamento de esgoto, a conexão das barcaças ao sistema de esgoto e a coleta de resíduos plásticos. O plano também resultou em cinco obras importantes, incluindo um enorme reservatório de águas pluviais e residuais perto da estação de Austerlitz.
Mesmo com a desaprovação de ONGs e ambientalistas sobre o estado da água, Anne Hidalgo, a prefeita de Paris, ousou ao prometer nadar no rio para provar que não está sujo. No dia 17 de julho, nove dias da cerimônia de abertura, a promessa foi cumprida. Os jogos começaram e, mesmo assim, os treinos foram cancelados e atletas olímpicos da natação passaram mal, por conta da poluição. O maior legado olímpico ainda poderá causar muita polêmica.
E não foi somente o rio Sena que prometeu ser palco inusitado de provas esportivas. Outras modalidades ocorreram em locais icônicos de Paris: a escalada esportiva, no prédio da Ópera Garnier; a esgrima, no Grand Palais, local de exposições e eventos; e o hipismo, no Domaine de Chantilly, um cenário elegante e histórico.
Além da tradicional abertura ocorrer ao ar livre, o surfe teve sua competição a quase 15 mil quilômetros de distância, a maior registrada nos jogos, em Teahupo’o, no Taiti, a maior ilha da Polinésia Francesa. Segundo a imprensa, a organização preferiu realizar a modalidade na Oceania para valorizar a onda histórica do local e também o território que faz parte do poder francês. Um legado cedido por Paris.
A redução da pegada de carbono também passa por trajetos mais curtos. A maioria da energia para os Jogos será proveniente de fontes renováveis, como energia eólica e solar. O deslocamento até os locais dos jogos será facilitado pela promoção de meios de transporte menos poluentes, como metrô e bicicletas. Intencionalmente, não foram planejados novos estacionamentos ao redor das instalações esportivas, assim como não terão novas construções.
Um ano antes do início dos Jogos, Paris também começou a abolir os estacionamentos da cidade para transformar o espaço em áreas verdes. Novas ciclovias, linhas de metrôs e muros antirruído foram construídos, e edifícios foram reformados com técnicas mais sustentáveis. A capital também planeja adotar novos limites de velocidade em suas vias e proibir ônibus no centro da cidade.
No ponto do legado esportivo, há de se falar que Paris abrigou também a edição mais feminina da história. Para a França, foram vinte e três medalhas destinadas a atletas e equipes femininas, mais duas medalhas com equipes mistas. Este pode ser um legado francês do passado: em 1922, a francesa Alice Milliat (1899-1938) organizou as primeiras Olimpíadas Femininas, enfrentando preconceito e falta de apoio oficial.
Para esta edição, foram criadas novas competições mistas, como o revezamento no triatlo. Em alguns esportes, entre eles o futebol, a final feminina foi disputada depois da masculina, invertendo uma ordem “tradicional” de fundo machista.
A homenagem para diversas personalidades femininas na cerimônia de abertura também chamou a atenção. O diretor da cerimônia, Thomas Jolly, fez questão de exibir uma estátua de Milliat em um “quadro” sobre dez mulheres injustiçadas pela história. O sucesso foi tanto que a prefeita Anne Hidalgo expressou o desejo de instalar as estátuas em definitivo em um parque da capital francesa. É curioso afirmar que dos legados para Paris, talvez seja um dos mais promissores e mais bonitos, além de ser um legado que não beneficia somente a cidade, senão o mundo inteiro.