Por Camila Henriques

As linhas entre ficção e vida real são quase invisíveis em “O Homem dos Sonhos”, mais recente trabalho do diretor norueguês Kristoffer Borgli. A estranheza é frontal, a começar pela escalação de Nicolas Cage como Paul Matthews, um professor que tem a vida arrastada por uma situação pitoresca: um belo dia, praticamente todo mundo ao redor de Paul começa a sonhar com ele.

Um homem sem graça é jogado aos leões pelo extraordinário. Paul passa por todos os estágios da fama em um intervalo curtíssimo de tempo – mais que os 15 minutos bradados por Andy Warhol, mas menos que um participante de reality show que consegue esticar a notoriedade com aparições aqui e ali nas colunas de fofoca ao longo dos anos. Ele é alvo de curiosidade, fascínio, vira sensação, objeto de interesse ao lucro alheio, e, como tudo o que nasce, cresce, se desenvolve e morre, logo se torna infame.

Em um filme que debate a vida útil de um viral, ter Cage na pele do protagonista é algo tão fascinante quanto a trajetória percorrida pelo personagem. Ator que ganhou um certo culto na internet graças a uma filmografia que tem de (quase) tudo, ele inspirou a criação de vários memes focados em sua expressividade, sobretudo no olhar. Em “O Homem dos Sonhos”, esse olhar ainda salta em susto, desespero e até mesmo em prazer, ainda que contido em um personagem que nunca perde sua ânsia de ser mais um na multidão.

Foto: Divulgação

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O filme de Borgli coloca Paul em uma encruzilhada, e não apenas porque a fama não é uma escolha, e sim uma consequência inevitável. Na já citada linha tênue entre ficção e realidade, o que se tem é um confronto interior de um protagonista que é um agente passivo no sonho alheio, mas que, no mundo real, é completamente consciente do que está vivendo e causando nas pessoas.

Essa dança de percepções remete a outros filmes do cinema Hollywoodiano que também apresentam homens que ganham consciência de circunstâncias extraordinárias (algumas delas, fantasiosas), como “O Show de Truman”, “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, “Mais Estranho Que a Ficção” e “Quero Ser John Malkovich”. A exemplo de alguns destes filmes, em “O Homem dos Sonhos”, as figuras femininas são acessórios dessa jornada, como as filhas que são retrato do choque geracional e da forma como a fama de Paul não afeta apenas ele.

Ao mesmo tempo, é interessante ver como o filme também encontra espaço para um rápido, porém eficiente (e decisivo) deboche sobre a fama que também é instrumento para o lucro alheio: a ruína de um é a oportunidade da startup ou da agência mais próxima.

Assim como em um sonho dos mais aleatórios, a história pode ser interrompida por um despertar abrupto. A realidade chama e a indústria não vê a hora de virar a esquina e descobrir a próxima pessoa comum para explorar.