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O futuro do cinema brasileiro após ‘Ainda Estou Aqui’
O impacto da produção redefine caminhos, abre portas e reafirma a força da nossa indústria no cenário mundial.
Por |sabella Breve
Um filme pode mudar a história de uma indústria cinematográfica inteira? ‘Ainda Estou Aqui’ chegou como um marco, conquistou o público, emocionou a crítica e colocou o Brasil novamente sob os holofotes do Oscar. Mas o que vem depois? O sucesso da obra pode redefinir os rumos do cinema brasileiro?
De onde surgiu o sucesso?
‘Ainda Estou Aqui’ estreou no Festival de Veneza de 2024, venceu o prêmio de Melhor Roteiro e foi aplaudido de pé por dez minutos. A partir daí, o filme percorreu festivais ao redor do mundo, conquistando elogios da crítica e fortalecendo sua campanha para o Oscar. No final daquele ano, a produção finalmente chegou ao Brasil, onde foi abraçada pelo público e se tornou a quinta maior bilheteria nacional da história.
O impacto nas salas de cinema foi notável. Segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine), 2024 registrou um recorde de funcionamento, com 3.509 salas ativas – um crescimento impulsionado, sobretudo, pelo sucesso de ‘Ainda Estou Aqui’ e ‘O Auto da Compadecida 2’. No início de 2025, o longa estreou nos Estados Unidos, onde alcançou a maior bilheteria de um filme brasileiro no país e solidificou sua presença no cenário internacional.
Desde então, ‘Ainda Estou Aqui’ tem sido exibido em diversos países, gerando debates, premiações e entrevistas que ressaltam sua relevância. No mês passado, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anunciou suas indicações ao Oscar, e o Brasil fez história: o longa recebeu indicações nas categorias de Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, pela performance de Fernanda Torres. Um feito inédito, que não apenas colocou o Brasil em destaque mundial, mas reacendeu o orgulho pelo cinema nacional e atraiu milhares de espectadores de volta às salas. Não à toa, mais tarde, o filme foi reexibido nos cinemas do país.
Agora, o Brasil se prepara para marcar presença na 97.ª Cerimônia do Oscar. Ganhando ou perdendo, uma coisa é certa: a história já foi modificada para sempre. Mas o que o futuro nos reserva?
Antes de ‘Ainda Estou Aqui’: desafios e estagnação
Nos anos que antecederam o lançamento de ‘Ainda Estou Aqui’, o cinema brasileiro vivia um momento de altos e baixos. Apesar de certas aclamações, o mercado enfrentava desafios que impediam seu pleno desenvolvimento.
Para enfrentar essa desigualdade na distribuição, a Cota de Tela foi restabelecida como uma estratégia para ampliar o acesso do público ao cinema nacional. A legislação determina que um percentual mínimo de sessões nas salas de cinema seja destinado a produções brasileiras, reduzindo a hegemonia de blockbusters estrangeiros e fortalecendo a presença do audiovisual nacional no circuito comercial. A medida foi reafirmada pela Lei 14.814/2024, sancionada em 19 de dezembro de 2023, e assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pela ministra da Cultura, Margareth Menezes, garantindo sua validade até 2033.
No entanto, a distribuição não era o único desafio. O financiamento do setor audiovisual passou por períodos de incerteza. O desmonte de políticas públicas e cortes em incentivos dificultaram a captação de recursos para novos projetos, fazendo com que muitos filmes não saíssem do papel ou tivessem produções limitadas.
Outro fator preocupante era o desinteresse de parte do público brasileiro pelo cinema nacional. Muitos espectadores ainda viam os filmes brasileiros com um certo preconceito, associando a produção nacional a um padrão de qualidade inferior. Com poucas exceções, como algumas comédias de grande apelo popular e franquias já estabelecidas, o cinema nacional lutava para conquistar audiências em larga escala.
Com esse cenário, o impacto de ‘Ainda Estou Aqui’ se torna ainda mais significativo. Mais do que um sucesso isolado, o filme provou que produções brasileiras podem competir ao nível internacional, atrair o público e reacender o interesse pelo cinema nacional. Mas o que realmente mudou a partir dele?
O que muda para o cinema brasileiro após ‘Ainda Estou Aqui’?
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O sucesso estrondoso de ‘Ainda Estou Aqui’ não se limita ao impacto imediato nas bilheteiras e na crítica. O filme abriu portas para novas oportunidades, revisitando questões importantes sobre o futuro do cinema brasileiro. Agora, com o mercado e o público mais atentos ao potencial das produções nacionais, surgem novas perspectivas e desafios para o audiovisual brasileiro.
Fernanda Torres se tornou uma figura internacionalmente reconhecida, especialmente no cenário de Hollywood, conquistando um público que, até a estreia de ‘Ainda Estou Aqui’ nos Estados Unidos e a vitória de Torres no Globo de Ouro deste ano, a desconhecia. A revista Variety se destacou ao falar sobre a atuação de Torres, projetando até mesmo sua vitória no Globo de Ouro. Agora, com a proximidade do Oscar, veículos como The New York Times e outros têm apontado que Torres tem grandes chances de levar a estatueta para casa. Atrizes como Sarah Paulson, Jamie Lee Curtis e Mindy Kaling, além de diretores como Luca Guadagnino (‘Rivais’) e Edward Berger (‘Conclave’), também teceram elogios públicos à performance dramática de Torres no papel de Eunice Paiva.
Na semana passada, o filme brasileiro ‘O Último Azul’, dirigido por Gabriel Mascaro, ganhou o Urso de Prata no Festival de Berlim, um dos prêmios mais prestigiosos da premiação. E nesta semana, outro grande feito: o Festival de Cannes anunciou que, em sua edição deste ano, o Brasil será o País de Honra. A iniciativa é do “Marché du Film” (Mercado de Filmes do Festival), que celebra uma nação distinta a cada ano, reconhecendo suas contribuições para a indústria cinematográfica mundial. O Brasil se torna o quarto país a receber esse título.
Além disso, após o impacto de ‘Ainda Estou Aqui’, o Governo Federal anunciou o “Tela Brasil”, uma plataforma de streaming totalmente dedicada ao conteúdo nacional. A iniciativa visa aumentar a visibilidade das produções brasileiras, especialmente aquelas que não conseguem chegar a todas as salas de cinema do país, garantindo maior acesso ao público.
No entanto, as transformações não se limitam ao reconhecimento: elas envolvem a redefinição de estratégias para produção, distribuição e o papel das políticas públicas, além de como o mercado e o público reagirão diante das novas oportunidades criadas por esse sucesso. O futuro do cinema brasileiro passa, agora, por um momento de reflexão e ação sobre como aproveitar essa visibilidade de maneira sustentável e inovadora.
Os desafios e próximos passos: o que esperar do futuro?
Embora o sucesso de ‘Ainda Estou Aqui’ tenha colocado o cinema brasileiro em destaque no cenário internacional, os próximos passos exigem um olhar atento para as questões que ainda precisam ser resolvidas. A continuidade desse sucesso depende não só de investimentos consistentes, mas também de uma estratégia clara para garantir que o crescimento do setor seja sustentável. A implementação e manutenção de políticas públicas, como a Cota de Tela, serão fundamentais para garantir que produções nacionais continuem a ganhar espaço nas salas de cinema. Ao mesmo tempo, é essencial que o governo apoie a produção audiovisual, oferecendo incentivos fiscais e recursos que permitam que novos filmes sejam feitos e distribuídos com qualidade. O futuro, portanto, exige um equilíbrio entre apoio estatal, inovação no mercado e o fortalecimento da indústria para que o Brasil possa continuar conquistando um lugar de destaque no cenário global.
Além disso, os acontecimentos recentes ressaltaram a importância da presença do cinema brasileiro no cenário internacional, algo que, por muito tempo, não era prioridade nem mesmo para a própria Academia Brasileira de Cinema. O Oscar sempre foi visto como um espaço dominado por produções americanas – e de fato é -, mas isso não significa que o Brasil deva limitar-se. Não se trata de buscar validação externa, e sim de ampliar o alcance do cinema nacional, mostrando ao mundo sua força e diversidade.
Com tantos desafios e oportunidades em jogo, os feitos de ‘Ainda Estou Aqui’ marcam o início de uma nova fase para o cinema nacional, em que política, economia e sociedade serão peças-chave para o progresso. Afinal, um filme como esse, com sua genialidade e sensibilidade, só poderia ter nascido do talento brasileiro. Tão bom que até parece – e é – cinema brasileiro.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.