O Brasil enfrenta uma série de retrocessos e desafios socioambientais, aprofundados durante o mandato de Bolsonaro, como o aumento do desmatamento e a violação dos direitos dos povos indígenas. Por isso, o país chegará à próxima COP27 com os piores resultados dos últimos anos, segundo especialistas. No entanto, há grandes expectativas de que isso mude tendo Lula da Silva como futuro presidente.

Lula no Acampamento Terra Livre 2022. Foto: Mídia NINJA

Por Ester Pinheiro

Além dos desafios econômicos nas contas públicas, emprego, desigualdade, saúde e segurança, Lula, a partir de 1º de janeiro de 2023, ainda tem a responsabilidade de proteger os povos indígenas e a biodiversidade, à frente da mais importante conferência internacional do clima: a COP27. No entanto, a mudança de governo pode impactar a participação do Brasil nas negociações climáticas?

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, COP 27, acontecerá em Sharm el-Sheik, no Egito, entre os dias 6 e 18 de novembro. Segundo alguns especialistas em clima, o Brasil tem os piores resultados dos últimos anos, com taxas crescentes de desmatamento, aumento do número de queimadas e planos de expansão da produção de combustíveis fósseis, como gás e petróleo. Essa realidade desencadeou o assassinato de defensores do meio ambiente e a violação dos direitos daqueles que mais protegem as florestas: os indígenas e as comunidades locais.

 

Foto: Vinícius Mendonça/Ibama

Na COP27, o Brasil estará representado pela primeira vez em três pavilhões independentes: o governo federal, a sociedade civil e os governadores da Amazônia, este último uma iniciativa inédita para dar espaço às populações indígenas e locais. Lula recebeu convite do governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), presidente do Consórcio de Governadores da Amazônia Legal, e confirmou que participará da conferência.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, haverá a participação de representantes de órgãos do Governo Federal com competências relacionadas aos temas do evento, como os Ministérios das Relações Exteriores (MRE), Meio Ambiente (MMA) e Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A expectativa para a COP27 deste ano é que os países participantes demonstrem a sua eficácia, apresentando projetos e cooperação voltados ao controle do aquecimento global, mas o Brasil não apresenta bons resultados. Apesar de o ministro do Ambiente, Joaquim Leite, ter anunciado na COP26 a redução das emissões de gases com efeito de estufa, tudo indica que aumentaram nos últimos anos.

Joaquim Leite na COP26. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Ou seja, com o aumento das emissões e a queda de 4,1% do PIB, o Brasil ficou mais pobre e mais poluído, segundo dados do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG ).

A agenda da COP: mais foco em “energia verde” e menos em desmatamento

A SEEG calculou quanto dióxido de carbono (CO₂) o Brasil gerou, constatando que em 2021 o país emitiu 2,42 bilhões de toneladas brutas de CO2 equivalente, o nível mais alto em 19 anos . Isso representa um aumento de 12,2% em relação a 2020 (2.160 milhões de toneladas). Isso se deve justamente à mudança no uso do solo (degradação do solo), responsável por 49% de todas as emissões do país. Desse percentual, o desmatamento na Amazônia representou 77% das emissões em 2021.

Além disso, um levantamento recente do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON) mostra que a área desmatada em 2022 foi a maior dos últimos 15 anos . Entre agosto de 2021 e julho deste ano, foram derrubados 10.781 quilômetros quadrados de floresta, o equivalente a 7 vezes a cidade de São Paulo.

Imagem aérea de uma área desmatada para monocultura ou pecuária, próximo a Porto Velho, em 2020. Foto: Bruno Kelly / Amazônia Real / Wikimedia Commons

De acordo com o cientista brasileiro, ambientalista e ex-secretário do Observatório do Clima, Carlos Rittl, entre as principais causas do desmatamento na Amazônia, estão a impunidade de crimes ambientais, retrocessos nas políticas ambientais, atividade pecuária, projetos madeireiros, mineração, a promoção da ocupação ilegal de terras públicas e retomada de grandes obras.

“Considerando o ano eleitoral, isso se torna ainda mais preocupante. Os esforços de fiscalização muitas vezes diminuem e a sensação de impunidade aumenta, como no caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips”, analisa Rittl.

Apesar do desmatamento, a posição do governo Bolsonaro busca apresentar o Brasil como “o país da energia verde” diante da crise energética provocada pela guerra na Ucrânia, segundo declarações recentes do atual ministro do Meio Ambiente em reunião com empresários promovidos pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham) e pela Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil) neste mês. Leite disse que esta conferência vai olhar muito para a energia. “É um desafio global com a crise energética que está acontecendo, nossa energia está sendo vista por outros países como uma oportunidade de investimento”, declarou Leite.

Por outro lado, para Cristina Orpheo, diretora executiva do Fundo Casa Socioambiental Brasil, a energia não seria o problema mais urgente do país. “Não temos uma política climática séria, a cada ano o desmatamento e os eventos climáticos extremos aumentam no Brasil. Não temos nada para levar para a COP27”, diz Orpheo.

Além do desmatamento na Amazônia e no Cerrado, dados do Greenpeace  apontam para um aumento da violência contra povos indígenas e comunidades locais nos últimos anos. Isso coincide com outros antecedentes, como os coletados em recente relatório da Global Witness, que não só mostra que o Brasil é um dos países da região que lidera a lista de assassinatos, mas também que vários dos ataques registrados ocorreram na região amazônica.

Nesse sentido, Rittl concorda com Orpheo: “Infelizmente, não temos nada de bom para mostrar como resultado da ação do governo federal. O governo Bolsonaro abandonou a política nacional de mudanças climáticas e os planos de combate ao desmatamento, e não tem resultados para isso, apenas um registro contínuo de problemas.”

Por outro lado, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva – que pode voltar ao posto – disse em entrevista que o país fará história na COP27. “O Brasil não vai mais chantagear as questões ambientais. A questão climática é agora uma questão estratégica no mais alto nível de governo”, assegurou.

As propostas climáticas de Lula

Em seu governo anterior, o presidente Lula criou planos para combater o desmatamento na Amazônia e no Cerrado, além de um programa e política nacional de mudanças climáticas, um fundo nacional para financiar a ação climática, o Fundo Amazônia e metas para reduzir o desmatamento e as emissões quando o Brasil não tinha uma obrigação formal no contexto das negociações climáticas.

Para Rittl, o discurso do presidente eleito promete a renovação dos compromissos com essa agenda, a reconstrução de políticas públicas sobre o tema com diálogo e a participação de diferentes setores da sociedade. “Agora podemos esperar uma tentativa de retomada do papel brasileiro nas COPs, perdido nos últimos 4 anos, e um peso maior do Brasil nas negociações climáticas.”

Na verdade, Lula prometeu restaurar a aplicação da lei na floresta Amazônica para conter o desmatamento. “O Brasil vai lidar com a questão do clima como nunca antes, queremos ser responsáveis ​​pela manutenção do clima. Se o mundo estiver disposto a ajudar, manter uma árvore em pé na Amazônia pode valer mais do que qualquer (outro) investimento”, disse Lula em discurso. Além disso, na sua agenda, Lula promete fortalecer a Polícia Federal e restaurar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ​​(Ibama), necessário para conter o desmatamento na Amazônia.

Lula na COP15. Foto: Ricardo Stuckert

Entretanto, o Partido dos Trabalhadores reconhece a necessidade de uma “nova geopolítica global” para discutir a questão climática e disse que o Brasil tem um potencial “extraordinário” para ser protagonista internacional nessa questão. Nas redes sociais, Lula destacou que o Brasil também precisa de alianças fora da região. “Se vencermos as eleições, precisaremos de alianças, investimentos e intercâmbios com a União Europeia. Na participação e na construção de um mundo efetivamente limpo. Sem produção de dióxido de carbono. O Brasil pode ser protagonista nisso. A questão climática é essencial para a sobrevivência do próprio planeta.”

Quanto a outros compromissos, no seu programa de governo propõe-se a criação de mecanismos de redução de gases poluentes; cumprir as metas que o país assumiu como resultado do Acordo de Paris e garantir a transição energética que transforma as atividades produtivas num paradigma de sustentabilidade ambiental, social e econômico. Menciona também a recuperação de terras degradadas por “atividades predatórias”, o reflorestamento de áreas devastadas; e a conservação da biodiversidade.

Participação do Brasil na COP27

Vale destacar que, apesar da presença de Lula durante a COP27, o Brasil ainda estará sob o governo Bolsonaro . Por isso, Rittl acredita que não haverá mudanças radicais no trabalho dos negociadores nesta COP, mas prevê muito interesse de outros países e da comunidade internacional nos compromissos do futuro governo. “A participação de Lula na COP27 dá confiança para construir pontes com governos de todo o mundo e atrair ajuda e investimentos para reconstruir a agenda ambiental do governo, o que seria muito importante”.

O cenário seria muito diferente se Bolsonaro tivesse vencido, já que um segundo mandato representaria, segundo Rittl, a continuação da deterioração das normas e leis ambientais, aumentando o desmatamento e as emissões de gases de efeito estufa. “Continuaríamos a estrangular o espaço cívico para que as organizações da sociedade civil atuem na discussão das políticas ambientais e climáticas”, diz.

No seu primeiro discurso após os resultados das eleições, Lula indicou as principais diretrizes do seu governo, em termos de justiça ambiental e climática: a criação do Ministério dos Povos Indígenas e a proibição de qualquer tipo de atividade ilegal nos territórios indígenas, seja mineração ou extração de madeira. Por tudo isso, Rubens Born, especialista em direito ambiental que estará na COP27, qualifica o discurso de Lula como “uma excelente notícia que terá repercussão internacional”. E poucas horas depois da vitória de Lula como presidente, o governo norueguês anunciou que retomará a ajuda financeira ao Brasil para reduzir o desmatamento no país. 

Para Born, a COP27 será um momento em que o presidente Lula poderá anunciar algumas medidas do seu futuro governo, para o qual há grande expectativa da sociedade brasileira em relação à proteção ambiental, sustentabilidade e garantia dos direitos humanos dos povos indígenas . “Certifico que a sua posição sustenta um compromisso com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, principalmente com a retomada de dois planos e ações governamentais para controlar e punir a destruição.”

O que falta ao Brasil para se comprometer com o clima e o meio ambiente?

Segundo Orpheo, o Brasil precisa de vontade política para fazer o “dever de casa” em termos de justiça climática. “Perdemos toda a nossa capacidade governamental de combater atividades ilegais na Amazônia, invasões de Terras Indígenas, mineração ilegal, desmatamento e a capacidade de proteger os defensores do meio ambiente.”

Por isso, Rittl sustenta que o nível de comprometimento será visto na prioridade que o novo governo Lula dá à agenda climática. “Se essa agenda deixar de ser tratada como ambiental e se tornar um pilar fundamental de uma agenda de desenvolvimento sustentável, sem que os lobbies agro, industrial e de mineração impeçam o progresso e promovam retrocessos, o Brasil voltará a ser um grande protagonista nas COPs e nos esforços globais para enfrentar as mudanças climáticas”.

Para reforçar a política climática, a diretora-executiva do Fundo Casa Socioambiental indica que é preciso recuperar a estrutura de controle e investigação, bem como construir redes de inteligência para a proteção das florestas e dos seus povos, e recuperar a missão da Fundação Nacional do Índio, FUNAI e Fundação Palmares, primeira instituição pública dedicada à promoção e preservação dos valores históricos e sociais da cultura negra na formação da sociedade brasileira.

Orpheo vai liderar um grupo de 12 pessoas da sociedade civil para a COP27, formado na sua maioria por mulheres e jovens afrodescendentes. Para ela, a ação cidadã é fundamental para que o próximo governo Lula honre os seus compromissos ambientais e climáticos. “É necessário implementar os seus planos de mitigação e adaptação, respeitando os direitos das comunidades indígenas e ativistas ambientais, proporcionando políticas para seu bem-estar e proteção”, conclui.

Este texto foi produzido com o apoio do Climate Tracker America Latina