Por Maria Vitória de Moura

Em 2006, foi lançada a Aliança para uma Revolução Verde para a África (AGRA). Financiada pela Fundação Bill e Melinda Gates e pela Fundação Rockefeller, a aliança estabeleceu duas metas para serem atingidas até 2020: dobrar os rendimentos de trinta milhões de pequenos agricultores e reduzir a insegurança alimentar pela metade. A ação se concentrou em 11 países, sendo eles Burkina Faso, Mali, Gana, Nigéria, Etiópia, Tanzânia, Moçambique, Malawi, Ruanda, Quênia e Uganda. 

Segundo o relatório “Challenges for african agriculture”, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), lançado em 2011, os principais desafios da agricultura na África subsaariana são as turbulências econômicas e políticas, que prejudicam a qualidade de vida, especialmente de populações rurais, além dos solos erosivos, dificuldade no controle da água por conta da mudança climática, fragilidade das paisagens após o desmatamento e a alta taxa de natalidade, com uma taxa de fertilidade duas vezes superior à média mundial.

Por mais que 60% da população viva em áreas rurais, um dos grandes problemas enfrentados por essa região é o rápido aumento populacional, que não é acompanhado pela expansão da agricultura. Com a promessa de ampliar a produtividade agrícola e diminuir a fome na África, a AGRA introduziu o conhecido pacote da Revolução Verde, com incentivos bilionários para levar fertilizantes químicos, sementes geneticamente modificadas, agrotóxicos, fungicidas, herbicidas e máquinas para os países do programa. 

A Revolução Verde proposta para esses países não se distanciou do que foi feito na América Latina e na Ásia a partir da década de 1970, quando a mesma fundação que hoje se expande pela África trouxe ao Brasil e outros países a promessa de acabar com a fome mundial. Sim, a Fundação Rockefeller, que hoje tem os dois pés na Revolução Verde na África, também teve influência no processo agrícola brasileiro. 

No podcast “O veneno mora ao lado”, Giovanna Nader faz uma análise do surgimento da narrativa que deu origem ao agronegócio no Brasil e no mundo. Na época, em plena Guerra Fria, a narrativa defendida pelos países do bloco capitalista, liderados pelos Estados Unidos, defendiam que era sim possível acabar com fome implementando uma série de medidas que viriam a ser exportadas para outros países, principalmente os mais pobres. 

O “Pacote Agrícola”, como seria chamado o conjunto de sementes transgênicas, agrotóxicos e maquinários, foi desenvolvido com duas perspectivas interessantes. Primeiro, os Estados Unidos viam na situação de fome vivida nos países subdesenvolvidos a chance de proliferar revoluções comunistas. Segundo, todo o desenvolvimento tecnológico e químico adquiridos durante a Segunda Grande Guerra procuravam agora novos mercados possíveis. 

Os maiores financiadores de pesquisas nesse período foram grupos privados, entre eles a Fundação Rockefeller, que já nesse período investiu em estudos voltados à formulação e dissipação do Pacote Agrícola, primeiramente no México, com alterações genéticas de cultivos como o trigo e o milho. No Brasil, em 1973, em plena Ditadura Militar, a Revolução Verde foi instaurada a partir de parcerias entre o governo brasileiro, os Estados Unidos e a Fundação Rockefeller. 

Na África, o plano não foi diferente. A AGRA previu que o fornecimento de sementes e agrotóxicos para os pequenos agricultores promoveria o aumento dos seus rendimentos em 100%, o que levaria ao cumprimento da meta inicial de diminuir a fome pela metade no continente até 2020. Assim, deu-se início à Revolução Verde africana, incentivando os agricultores a utilizarem sementes caras que seriam então inevitavelmente atreladas a agrotóxicos igualmente caros. 

Sem consultar os agricultores, o regime de monocultura também foi incentivado pelo programa, que sempre recebeu críticas das organizações de agricultura africanas, que alertaram que as tecnologias ocidentais, que pouco acabaram com a fome no ocidente, também não seriam a saída para a África. 

Como resultado, houve um alto endividamento dos agricultores que, mesmo com incentivos para comprar o pacote oferecido, não tiveram rendimentos suficientes para cobrir os custos. Além disso, as sementes de trigo e arroz, majoritariamente oferecidas, não se enquadravam na dieta africana, o que também empobreceu a diversidade alimentar. A monocultura prejudicou a fertilidade do solo e os agricultores se viram reféns do uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, criando nos agricultores uma dependência dos subsídios e maiores riscos de endividamento. 

A pesquisa da Tufts University, conduzida pelo professor Thimothy Wise, citada no artigo “Revolução Verde na África Subsaariana: a falha na busca pelo fim da fome”, de Mariana Nascimento, mostrou que apesar do fomento promovido pela AGRA por 15 anos e com gastos de aproximadamente 1 bilhão de dólares, pouco impacto foi sentido no continente.

A produção de alimentos básicos aumentou apenas 18% em 12 anos, taxa de crescimento muito semelhante à anterior à criação da aliança. O relatório “O Estado da Insegurança Alimentar e Nutrição no Mundo” (SOFI), produzido pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2021, também apontou que os níveis de pobreza no continente permaneceram altos, especialmente em áreas rurais. O número de pessoas gravemente desnutridas aumentou em 31% desde 2006, e a fome severa na África Subsaariana cresceu cerca de 50% desde a fundação da aliança. 

Ou seja, a Revolução Verde na África Subsaariana não chegou nem perto de atingir seus objetivos, pelo contrário, intensificou o cenário de fome e desnutrição na região. O que nos leva a pensar: quem está lucrando com a fome na África? Instituições privadas que investiram bilhões no programa não o fariam caso vissem a possibilidade de um futuro prejuízo. As empresas que orquestraram a AGRA podem ter lucrado com o programa, mas são os agricultores africanos que estão pagando o preço.