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O fenômeno ‘Ainda Estou Aqui’: O reencontro com as memórias esquecidas de um país
Como o filme resgatou a lembrança de um período sombrio e trouxe à tona os esqueletos guardados da história do Brasil.
Por Leonardo Veloso
Um mês após a estreia do filme, em novembro de 2024, já podia-se observar o primeiro efeito do longa: após uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 13 de dezembro, mais de 200 certidões de óbito da época da ditadura foram corrigidas, inclusive a de Rubens Paiva. Nelas, comprovou-se que o engenheiro morreu de forma violenta e por ação do Estado brasileiro. Isso, por si só, já foi um grande passo para a democracia brasileira, que muitas vezes ainda duvidava que um sistema opressor como esse havia realmente existido. Mas esse era apenas um dos acontecimentos que ainda estavam por vir como resposta ao impacto de Ainda Estou Aqui.
Indicado a três Oscars este ano, o fenômeno brasileiro Ainda Estou Aqui arrebatou o público nacional e foi altamente aclamado pela comunidade internacional. O que poderia ser apenas um filme de drama acabou surtindo efeitos que ultrapassaram as telas do cinema. O longa-metragem, dirigido por Walter Salles, trouxe à tona um passado sombrio da história do Brasil e revelou feridas que muitos acreditavam já cicatrizadas, além de reacender a memória de uma nação que parecia adormecida diante da barbárie vivida por tantas famílias.
Baseado no livro homônimo, Ainda Estou Aqui, o filme se passa nos anos 1970, em plena ascensão da ditadura militar, e conta a história real do ex-deputado Rubens Paiva e sua família, que moravam em uma residência à beira-mar no Rio de Janeiro. Em um dia aparentemente comum, oficiais das Forças Armadas levam Rubens de sua casa para interrogá-lo sobre um suposto envolvimento em atividades contra o governo. O que deveria ser uma simples entrevista transforma-se em um sequestro e no desaparecimento de um pai de família. A partir daí, Eunice Paiva, a matriarca da família, assume as rédeas do lar e embarca em uma jornada em busca de respostas, enquanto tenta preservar a saúde mental de seus filhos.
Em fevereiro deste ano, a Justiça Federal concedeu a pensão vitalícia a Clarice Herzog, viúva de Vladimir Herzog, perseguido e morto por agentes do Estado durante o regime militar em 1975. Vladimir era diretor de jornalismo da TV Cultura quando foi preso. Após a confirmação de seu homicídio, o jornalista rapidamente tornou-se um dos grandes mártires e símbolos da luta contra o autoritarismo do regime opressor.
O IMPACTO DO FILME NAS GERAÇÕES MAIS JOVENS
O nome do filme tornou-se uma espécie de marco para registrar casos de abuso e violência por parte do Estado brasileiro durante a ditadura e em outros períodos da história do nosso país. Gerações que não vivenciaram o período da repressão puderam, através do filme, se aproximar das lutas e dos personagens que defenderam a democracia. É certo afirmar que o filme funcionou como um elo, conectando a nova geração à história do seu próprio país.
Recentemente, no Rio de Janeiro, jovens do coletivo Levante Popular da Juventude realizaram um ato de protesto em frente à casa do general reformado José Antônio Nogueira Belham. Ele foi denunciado desde a época do regime militar por homicídio e ocultação do corpo de Rubens Paiva, pai de família. Belham é um dos réus acusados de violações dos direitos humanos e que foi beneficiado pela Lei da Anistia. Ele é apenas um entre tantos que continuam impunes pelas atrocidades cometidas há mais de 50 anos. Esse episódio revela como o filme também conscientizou as gerações mais jovens e resgatou uma memória que, até pouco tempo, estava perdida em meio aos inúmeros escândalos criminais que marcaram o Brasil nos últimos anos. Um dos mais recentes é a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre a tentativa de golpe de Estado por parte do ex-presidente Jair Bolsonaro durante seu mandato.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.