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O fantasma do retorno de Donald Trump assombra o Oscar 2025
Como os valores e posicionamentos do Trumpismo se relacionam com os indicados ao Oscar.
Por Mauriceia Rocha
Donald Trump não está representado no Oscar somente na cinebiografia ‘O Aprendiz’, protagonizada pelo ator Sebastian Stein. Sua presença política, através de seu retorno à Casa Branca, permeia toda a premiação.
Em um primeiro olhar, mais óbvio, o jovem Trump é o personagem principal do filme do iraniano Ali Abbasi, que nos convida a seguí-lo, em sua ambiciosa saga como pupilo do inescrupuloso advogado Roy Cohn, interpretado por Jeremy Strong, que o ensina pilares para ser um “homem poderoso”, como manipulação da verdade, a nunca admitir seus próprios erros e a fazer absolutamente qualquer coisa pela vitória. O então candidato à reeleição em 2024, manifestou-se publicamente contra a produção, classificando-a como “falsa, sem classe, um ataque difamatório” e tentou barrar, através de seus advogados, a estreia do filme nos EUA.
No filme conhecemos Trump como um filho do setor imobiliário, no qual tem sido bem-sucedido. Metodologia empresarial de investimento que parece querer ser aplicada em território palestino. Segundo a BBC News, o atual presidente dos EUA, declarou que Gaza seria “a Riviera do Oriente Médio” e ao ser questionado se o exército americano estaria envolvido na tomada do território, declarou: “faremos o que for necessário”. Na contramão, temos o indicado palestino a Melhor Documentário, ‘No Other Land’, mostrando a resistência de seu povo às violentas ocupações, expulsões e limpeza étnica, por parte de Israel, aliado dos EUA. Segundo a Lei Internacional, tentativas de transferência forçada de população são estritamente proibidas.
Ainda no viés de influência estadunidense em conflitos mundiais, temos o indicado à Melhor Filme Internacional, o ucraniano, ‘Porcelain War’, onde artistas manuais vão para a linha de frente na guerra contra a Rússia. O filme conta a narrativa da Ucrânia enquanto vítima, porém é sabido politicamente, que não há inocentes neste conflito. Trata-se de uma guerra na Ucrânia e não contra a Ucrânia, com interferência direta dos EUA, que a patrocinou até onde foi interessante para si mesmo. Donald Trump atualmente descarta o presidente Zelensky, que foi mais um líder usado como marionete.
É sabido que os EUA apoiou as ditaduras na América Latina, das quais vivemos os resquícios, consequências e ameaças de retorno até os dias de hoje. O episódio da violenta invasão do Capitólio, principal símbolo de poder do país em 2021, por apoiadores de Trump, após sua derrota nas urnas, inspirou o ato antidemocrático no Palácio do Planalto em 2023, após a derrota de Jair Bolsonaro. A visibilidade e reconhecimento do filme brasileiro Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, que trata da temática da ditadura no Brasil, através do recorte da família Paiva, seguida pela declaração da estrela Fernanda Torres em entrevista ao podcast da revista Variety, de que houve financiamento estadunidense ao exército brasileiro, mostra a relevância do tema perante o retorno de Trump. Ainda Estou Aqui, está indicado em três categorias: Melhor Filme Internacional, Melhor Filme e Melhor Atriz.
Ainda na temática do Autoritarismo, temos o indicado a 10 categorias no Oscar deste ano: ‘Wicked’. Soa estranho uma fábula musical colorida, que tem como uma das protagonistas a popstar Ariana Grande, falar do tema? Pois ‘Wicked’ narra como o Mágico, se posiciona, para manter o seu poder, perante a insatisfação popular, devido às dificuldades econômicas enfrentadas pela terra de Oz. Estrategicamente, ele une o povo contra um inimigo em comum: os animais e inicia um apartheid, onde os mesmos são perseguidos e impedidos de falar. Ele é “o escolhido” pelos dons sobrenaturais (que ele finge ter). Elphaba, interpretada por Cynthia Erivo, é taxada como má e perseguida por defender grupos marginalizados. Qualquer semelhança com líderes como Donald Trump não é mera coincidência; na vida real os bodes expiatórios são, por exemplo, imigrantes e pessoas trans, culpados pelas crises econômicas e dos “valores familiares e patriotas”.
Falando em perseguição a imigrantes, o governo Trump em seu segundo mandato, foca na política anti-imigratória, com deportações em massa, causando pânico, isolamento, perseguição e desumanização da comunidade latina nos EUA. ‘A Lien’, que concorre a Melhor Curta-Metragem Live Action no 97o Oscar, dirigido por David e Sam Cutler-Kreutz, abraça essa temática, ao retratar o personagem Oscar Gomez, um imigrante latino, sendo preso enquanto busca a documentação da cidadania, separado de sua família. Na outra mão, temos Emilia Perez, filme francês, falado em espanhol, que se passa no México, mas foi rodado em Paris, por escolha do diretor Jacques Audiard, e tem como protagonistas atrizes não-mexicanas. Mal recebido pelos mexicanos sob as acusação de ser “desrespeitoso”, “xenofóbico” e “esteriotipado”, o filme demonstra desinteresse pela cultura do país e utiliza de inúmeros clichês, através de uma visão colonialista. Emília Perez consegue impressionantes 13 menções, liderando as indicações no mesmo ano do retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, onde ele promete terminar a construção do muro na fronteira com o México. Simbolicamente, o muro já está erguido.
A vida do imigrante é refletida também no filme ‘O Brutalista’, de Brady Corbet, onde acompanhamos o arquiteto hungaro e judeu, Laszlo Toth, que precisa abandonar sua terra natal devido a Segunda Guerra Mundial, vivendo o “sonho americano”, que aqui significa condições sub humanas de vida, seguidas da obrigação á gratidão aos EUA, que o toleram, mas não o aceitam. Aqui, o brutalismo não é apenas um estilo arquitetônico e dialoga muito bem com a política atual estadunidense.
Trump, defensor declarado da pena de morte, declarou no dia 24/12/2024 (seria uma mensagem natalina?), que irá ordenar, ao Departamento de Justiça dos EUA, que busque, ao máximo, conseguir penas de morte durante sua gestão. O indicado na categoria Melhor Curta Documental, ‘I Am Ready Warden’, da diretora Smriti Mundhra, acompanha os últimos dias de John Henry Ramirez, condenado à execução pelo Texas por assassinato, e questiona se a decisão realmente traz paz e justiça a todas as partes envolvidas no crime.
E quando o assassinato é comentido pela própria polícia? Também indicado em Melhor Curta Documental, o filme Incident, dirigido por Bill Morrison, narra, através da edição de imagens de câmeras de vigilância e corporais de policiais, o assassinato do barbeiro Harrith Augustus pela policia e a alta letalidade policial contra pessoas negras em Chicago.
‘A Complete Unknown’, de James Mangold, recebeu 8 indicações. O filme é uma cinebiografia de Bob Dylan. O cantor, compositor e prêmio Nobel de Literatura, tem uma música, com a qual termino este texto que reflete sobre a relação entre a reeleição de Donald Trump e o Oscar 2025, chamada With God on our side, onde são enumerados alguns episódios tenebrosos da história estadunidense, como massacres indígenas, guerras, armas químicas e nucleares, com a repetição irônica do verso “Com Deus ao seu lado”, exatamente como profere “o bom cristão” Donald Trump.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.