“O crime não acabou”. Três anos após rompimento da barragem de Brumadinho, atingidos clamam por justiça
Atingidos ainda sofrem as consequências do maior crime socioambiental do país.
O maior crime socioambiental do país completa 3 anos neste 25 de janeiro. O rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), deixou mais de 270 vítimas fatais e uma série de danos à natureza. As graves consequências geradas a partir do desastre, contudo, ainda surtem novos efeitos sobre os moradores e atingidos. “O crime não acabou”, escreveu em nota o Movimento dos Atingidos por Barragens, relacionando os efeitos das novas enchentes com a quantidade de minério e metais pesados deixados pela lama e um acordo judicial que deixou de fora as verdadeiras vítimas do crime.
A Mídia NINJA percorre a região atingida, durante a semana em que o crime da Vale completa 3 anos em Minas Gerais, e registra de perto os efeitos e consequências que o rompimento da barragem gerou e ainda gera sobre os atingidos. O rompimento em 2019 despejou 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração na bacia do rio Paraopeba. A lama percorreu mais de 300km, afetando 18 municípios e atingindo 944 mil pessoas. Centenas de famílias tiveram vítimas fatais. Mais de 600 mil pessoas tiveram o abastecimento de água comprometido em 8 municípios que dependem do rio Paraopeba, inclusive na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
“O rompimento da barragem, por mais doido e trágico, infelizmente não é a única ameaça que paira sobre a cabeça dos mineiros”, afirma José Geraldo, representante do MAB na região. Ele complementa alertando que, de centenas de barragens construídas em Minas Gerais, pelo menos 6 delas estão em risco de ruptura em nível de emergência. A informação pode ser confirmada pela Agência Nacional de Mineração (ANM). Além disso, tanto a barragem da mina do Córrego do Feijão em Brumadinho quanto a barragem do Fundão em Mariana, que também foi rompida tragicamente, não estavam sequer classificadas como barragem de risco.
“Nós temos temos uma situação em que a fiscalização não é executada adequadamente, as empresas não se preocupam com a vida das pessoas nem com o meio ambiente e nós temos cidades seriamente ameaçadas como é o caso de Congonhas, de comunidades de Ouro Preto, de Mariana, de Paracatu, e mais várias cidades do nosso estado de Minas Gerais”, disse José Geraldo.
Moradores ainda sofrem risco de contaminação
Em visita ao músico e compositor Zé Rodrigues, um dos atingidos pela lama da Vale, podemos verificar como os dejeitos ainda perduram sobre as residências e como os moradores correm atrás do tempo roubado pela destruição. “Esse armário tinha mais de 3 mil composições minhas, foi tudo embora”, lamentou. “Eu perdi coisas que na memória você não guarda. Uma relíquia que se desmanchou na água”. Ele conta que comprou a casa do próprio Estado, pagando mais de 30 anos de prestação que custava 10% de um salário mínimo. “Era muito caro”.
Nas paredes, Zé também mostra o nível das enchentes que atingiram recentemente a região. Para José Geraldo, do MAB, elas “têm relação com o crime da Vale pela quantidade de lama e de minério que ela deixou. Não é uma coisa nova, é uma ampliação do crime que foi cometido dia 25 de janeiro de 2019 lá na mina do córrego”, afirma. “É isso que a gente sempre brigou no acordo, como se o acordo resolvesse todos os problemas. A gente sempre falou que muitos prejuízos, muitos danos seriam conhecidos daqui a 5, 10 anos”. Relatos recentes de moradores atestam que muitos afluentes do Paraopebas já estão ficando contaminados com metais pesados já que a água da enchente sobe o Córrego e volta junto com a lama e os metais pesados.
A maior crítica em relação ao acordo de reparação é o afastamento das vítimas nos processos de negociação. “Enquanto os problemas econômicos, sociais e ambientais se ampliam, a Vale busca ter o controle do processo de reparação dos danos causados por ela mesma, utilizando-se de todos mecanismos à disposição”, escreveu o MAB em publicação na sua página. “Além de articular nos governos e no Poder Judiciário diversas formas de negar direitos, dificultando a participação dos atingidos no processo, a empresa trabalha cooptando lideranças locais para criar conflitos entre os moradores e enfraquecer a luta coletiva. Além disso, promove assédio moral através de seus funcionários”.
Em fevereiro de 2020, a Vale fez um acordo com o governo do estado e entidades de justiça, sob sigilo e sem o envolvimento das famílias atingidas, economizando R$ 17 bilhões. Dos R$ 54 bilhões pedidos nas ações de reparação dos danos, a Vale vai pagar apenas R$ 37 bilhões. “Parte desse montante será transferido para o governo do estado investir em obras que nada têm a ver com a reparação do crime de Brumadinho. É o caso do Rodoanel, que levou R$ 4,4 bilhões do acordo e irá criar novos atingidos ou atingir novamente famílias no trecho em que a obra será executada”.
Atualmente, o MAB está junto a outras organizações questionando no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) e no Supremo Tribunal Federal (STF) a legitimidade do acordo. A reivindicação é que os atingidos sejam o principal foco dos programas de reparação da bacia do rio Paraopeba, a fim de melhorar efetivamente as condições de vida da população, ampliando o acesso a serviços básicos para atender às novas demandas sociais criadas pelo próprio crime.
Romaria em memória e justiça
Desde 22 de janeiro, Brumadinho e a bacia do Paraopeba recebem a III Romaria pela Ecologia Integral com o lema Memória e Justiça. A programação conta com ações presenciais e virtuais e presença de organizações nacionais e internacionais. O evento é realizado pela Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), da Arquidiocese de Belo Horizonte, junto às pastorais e movimentos sociais, Assessorias Técnicas Independentes, ONG’s, entidades da sociedade civil organizada.
A Romaria começou no acolhimento das vítimas das enchentes em Brumadinho e ao longo da bacia do Paraopeba. Para as pessoas atingidas, é impossível não reviver a dor da lama de 25 de janeiro de 2019, especialmente agora que os rejeitos da mineração voltam à superfície.