O corpo gordo nu e o lixo: “por que evitamos encarar nossas sobras?”
Fotógrafa e ativista abordam a relação entre o corpo gordo nu feminino e o lixo: “tanto um quanto o outro são evitados e odiados”
O modo como a sociedade de consumo enxerga as “sobras” é alvo de nova sondagem do coletivo Lute como uma Gorda, formado pela fotógrafa Ju Queiroz e a performer ativista gorda, Malu Jimenez. “Trazemos para a cena o corpo gordo nu feminino e o lixo. Tanto um quanto o outro são invisibilizados, pois representam o feio, o sujo e o podre culturalmente. Ou seja, são evitados e odiados em sociedade”.
Com um ensaio-manifesto titulado “Sobras”, elas levantam questionamento sobre o porquê se esconde, se ignora e se evita encarar as sobras. E é sob essa perspectiva que criticam a busca pela magreza como protótipo de saúde, beleza e felicidade, que acaba pressionando as mulheres a combater qualquer “sobra” que exista em seu corpo, porque é lixo o que sobra, e deve ser descartado e não encarado.
Sobre o viés ambiental, lançam também uma lupa para a grande quantidade de lixo gerado nos dias de maior movimento em Chapada dos Guimarães (MT) – cidade onde moram – e quão poluídos ficam os pontos turísticos.
As fotos que expressam essa fusão de emoções e provocações, num exercício de resistência, podem ser conferidas na exposição virtual “Sobras”, que fica em cartaz até o dia 15 de fevereiro, no site www.juqueiroz.com. Para garantir a acessibilidade de pessoas com deficiência visual, a mostra conta com descrição de imagem em texto alternativo (ALT).
“O impacto do que consideramos sobras e descartamos é dor e destruição ao corpo feminino, e na natureza”. Segundo Malu Jimenez, o ensaio fotográfico também tem como objetivo propor brechas de fugas ao que se tem como ideal e institucionalizado.
“Romper com a ideia de que estamos morrendo. Pelo contrário, estamos subvertendo a lógica ilógica que nos mata a cada dia. O trabalho transpassa por essa proposta de fazer fotografia como resistência à heteronormatividade que sustenta políticas fascistas e neoliberais do hoje”.
Fotografia de resistência
O Coletivo Lute como uma Gorda é formado principalmente por Malu Jimenez e Ju Queiroz, que sempre contam com diversas colaborações. O coletivo é dedicado a produzir fotografia de resistência, colocando o corpo gordo e a discussão sobre a gordofobia no foco das produções artísticas. Junto às corpas gordas, trazem ao foco denúncias ambientais, sociais e políticas que transpassam a vivência de duas mulheres que querem mudar o mundo.
Malu costuma dizer que seu corpo é uma máquina de guerra. Em outro recente ensaio, o “Envenenada”, elas criticaram com ensaio realizado nas plantações de algodão em Chapada dos Guimarães, a exposição aos agrotóxicos. Por isso, foram vítimas de ataques nas redes, que partiram de todas as direções. Até mesmo do deputado estadual Gilberto Cattani, do PSL, o qual estão processando.
Gordofobia, resistências e ativismos
O coletivo parte dos estudos transdisciplinares das corporalidades gordas no Brasil com a tese de doutorado “Lute como uma Gorda: gordofobia, resistências e ativismos”, junto aos estudos da fotografia de corpos dissidentes, desenvolvido por Ju Queiroz. O coletivo Lute como uma Gorda tem participado de festivais, seminários e eventos no Brasil.
Desde 2019, vêm desenvolvendo a ideia de trabalhar com ensaios fotográficos políticos que trouxessem uma proposta de resistência. A ideia é trazer a fotografia como uma ferramenta, instrumento na luta antigordofobia, de representatividade e de posicionamento político: o corpo gordo é revolução! O corpo gordo é político!
A fotografia de resistência, ou como resistência é a arte de fotografar corpos esquecidos, hostilizados e excluídos socialmente. Corpos que nunca aparecem na mídia e ensaios “convencionais”. É uma proposta de subverter a lógica do que se considera “belo”, “normal”, “positivo”, “saudável” na concepção atual.
“A arte da fotografia como resistência se propõe a trazer um discurso alternativo ao poder, a esse capitalismo fascista e neoliberal que vivenciamos no mundo todo, a concepção que só um tipo de corpo é enaltecido: o branco, hetero, macho normativo”, diz Ju Queiroz.
Malu, completa: “o trabalho do coletivo rompe com esse discurso hegemônico, trazendo o corpo gordo como central na composição da fotografia, uma corpa GORDA como máquina de guerra em ato de sobrevivência, (re)existência ao discurso unificado e moralista, propondo novas ideias, saberes e olhares sobre corporeidades femininas hoje”.
Ficha Técnica:
- Ju Queiroz – Fotografia
- Malu Jimenez – Performer
- Anne Mathilde de Jorge – Assistente fotografia/Making off
- Carolina Argenta – Design Gráfico
- Julia Muxfeldt – Artesã
- Salomon Morales – Pesquisa/apoio
O projeto foi apoiado pelo Edital Movimentar/ Coletivo lute como uma gorda / Prefeitura de Cuiabá/ Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer de Mato Grosso.
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