
O cinema tradicional resiste, mas o streaming já é o novo palco das grandes histórias
Com o streaming em alta, o Oscar se adapta aos filmes digitais, redefinindo o consumo e a produção cultural.
Por Kariana Ferreira
Há duas décadas, se você quisesse assistir a um filme premiado, a única opção era ir ao cinema ou aguardar o lançamento em DVD. Hoje, basta ter um celular em mãos para acessar as produções audiovisuais de qualquer lugar. As plataformas de streaming mudaram a forma de consumir cultura, mas, acima de tudo, revolucionaram a indústria cinematográfica. Se antes o caminho para o Oscar passava obrigatoriamente pelas salas de cinema, agora que o streaming domina a produção audiovisual, como essa transformação está impactando as premiações mais tradicionais?
Historicamente, os cinemas sempre foram o principal meio de distribuição de filmes, pelo menos até a pandemia. Em 2019, a receita das bilheterias norte-americanas ultrapassou US$ 11 bilhões, segundo dados da ComScore divulgados pela Variety. No Brasil uma média de 177 milhões de brasileiros frequentavam o cinema, de acordo com o Anuário Estatístico do Cinema Brasileiro, que rendeu aproximadamente R$ 3 bilhões de reais. No entanto, com a covid-19, as salas de cinema fecharam as portas, e o streaming assumiu o protagonismo.
No auge da pandemia de covid-19, entre 2020 e 2021 as distribuidoras entenderam que outro modelo precisaria ser experimentado para que o público continuasse consumindo audiovisual. O jornalista e crítico de cinema Gustavo Cheluje observa que já existia uma tendência ao crescimento do streaming, e ressalta, “eu acho que a pandemia acelerou muito essa mudança do consumo deste produto”, comentou.
Esse novo cenário forçou as premiações a se adaptarem rapidamente, incluindo as produções dos streamings. Arthur Fiel, professor do curso de Cinema e Audiovisual e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Territorialidades da UFES, ressalta que, para que essas obras sejam indicadas em prêmios – como o Oscar, por exemplo – é essencial que sejam exibidas em sala, proporcionando uma experiência que vai muito além da mera visualização. Uma das grandes mudanças para que obras produzidas por meio dessas plataformas também pudessem ser indicadas a premiações como o Oscar foi a exigência de que “essas obras elas passassem um período de tempo em salas de cinema, sendo exibidas em salas de cinema”, explicou o professor.
O Impacto nas Premiações
Gustavo Cheluje aponta que o Festival de Veneza foi o primeiro na Europa a aceitar filmes produzidos e distribuídos exclusivamente por streaming. Durante a pandemia, essa prática se tornou comum, já que o isolamento social tornava impossível frequentar cinemas. Em um exemplo emblemático, ‘Roma’, de Alfonso Cuarón, venceu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2019. O professor Arthur Fiel esclarece, “é importante destacar que ‘Roma’ teve um feito inédito, que foram as dez indicações ao Oscar de 2019, inclusive ganhando ali o melhor filme internacional”, contou. Esse feito foi histórico não apenas para o streaming, mas também para o cinema mexicano, já que foi a primeira produção do México a levar a estatueta.
O fato é que ‘Roma’ precisou ser exibido nos cinemas para poder ser indicado, tornando-se um marco da junção entre o cinema tradicional e o streaming. Dessa forma, o filme quebrou a resistência da indústria cinematográfica em relação às produções digitais. Como ressalta o professor Arthur Fiel, “podemos dizer que hoje há uma maior aceitação e aderência a obras produzidas para o streaming, que não deixam de ser audiovisual”, explicou.
O principal impacto do streaming, no entanto, ultrapassa os modelos de distribuição. As produções passaram a adotar uma linguagem mais acessível e dinâmica, pensada para um público que não quer ‘trabalhar’ para consumir conteúdo. Essa mudança na linguagem dos filmes, voltada principalmente para o público jovem, fez com que as premiações também se adaptassem para chamar a atenção desse novo perfil de espectador. Um exemplo disso é a criação de categorias que incluem filmes populares e blockbusters, ajustando-se às tendências e ao gosto das novas gerações.
Somente em 2021, pela primeira vez na história, um filme lançado diretamente em uma plataforma de streaming, ‘CODA’, da Apple TV+, levou o prêmio máximo do Oscar: Melhor Filme. Esse momento simbólico não apenas coroou a produção, mas também consolidou uma tendência irreversível. Nos últimos cinco anos, as plataformas de streaming investiram mais de US$ 20 bilhões em produções originais, transformando a indústria cinematográfica e redefinindo o que significa fazer cinema.
No entanto, o crítico Gustavo Cheluje ressalva que esse feito não significa que todas as produções de streaming estejam destinadas a vencer na categoria principal: ”A Apple é a única produtora de streaming que ganhou o prêmio até hoje. ‘CODA’ foi concebido para o cinema e venceu”, explicou. Ou seja, mesmo com a crescente influência dos streamings, conquistar a Academia pode não ser tão fácil quanto parece. A vitória de ‘CODA’ pode ser vista mais como uma exceção do que como uma regra, pelo menos por enquanto.
Essa dualidade entre exceção e regra reflete os desafios que as produções de streaming ainda enfrentam para serem reconhecidas como ‘cinema de prestígio’. Enquanto algumas premiações abraçam a mudança, outras ainda resistem, mantendo viva a discussão sobre o que realmente define um filme digno de um Oscar.
Texto produzido em colaboração a partir da Comunidade Cine NINJA. Seu conteúdo não expressa, necessariamente, a opinião oficial da Cine NINJA ou Mídia NINJA.