O ciclo menstrual no futebol feminino – Parte 3: o uso de anticoncepcionais
Na terceira e última parte desta série de matérias especiais que busca demonstrar o que a ciência do esporte já produziu sobre o ciclo menstrual em atletas de futebol, abordamos o uso de anticoncepcionais pelas jogadoras
Por Tácio Santos
Na terceira e última parte desta série de matérias especiais que busca demonstrar o que a ciência do esporte já produziu sobre o ciclo menstrual em atletas de futebol, abordamos o uso de anticoncepcionais pelas jogadoras. O objetivo do texto é tão somente apresentar informações a respeito do assunto, e não encorajar ou desencorajar a utilização deste, ou de qualquer outro tipo de medicamento.
Efeitos do uso de anticoncepcionais em jogadoras de futebol
O estudo mais abrangente sobre o uso de anticoncepcionais em jogadoras de futebol feito até o momento comparou atletas de um mesmo time, que faziam ou não uso destes medicamentos, ao longo de uma temporada competitiva de quatro meses nos Estados Unidos. Todas foram expostas à mesma meta de carga de treinamento, mas aquelas que faziam uso anticoncepcionais acumularam uma carga de treinamento 15% inferior ao término do período analisado. Ainda assim, o grupo exposto aos anticoncepcionais exibiu maior concentração sanguínea de indicadores de desgaste físico. Além disso, apesar de nenhum dos dois grupos ter apresentado mudanças significativas no peso corporal, o grupo que não utilizou anticoncepcionais exibiu maior aumento da massa magra e maior redução da massa gorda que o grupo em uso.
Estes dados sobre a composição corporal são de suma importância para tratar do tema em questão, pois um estudo realizado com atletas na Women’s Super League, da Inglaterra, identificou que o aumento do peso corporal é o principal fator que leva à utilização de anticoncepcionais – embora o controle de dores seja o principal benefício percebido durante o uso. Já a sensação de não precisar mais de anticoncepcionais figura como principal motivo para abandono deles. Contudo, na contramão do objetivo inicial, ganhar peso é o segundo motivo mais apontado para suspensão do uso. Outrossim, a maioria das usuárias relata benefícios com tal medicação, e a maioria daquelas que não fazem uso, relata sintomas negativos antes e durante a menstruação. Mas entre as usuárias, apenas 55% fala sobre isso com os seus treinadores, ou com a equipe médica do time. Adicionalmente, dados de outra pesquisa realizada com atletas da mesma liga mostram que quando não há uso de anticoncepcionais, mais de 65% das jogadoras busca tratar os sintomas menstruais por si só, recorrendo medicamentos livres de receita médica.
Um aspecto não menos importante a ser considerado no uso de anticoncepcionais em jogadoras de futebol é sua associação com menor prevalência de lesões. A possível explicação para este fenômeno, apresentada por pesquisadores da área, é que como a medicação melhora sintomas menstruais e pré-menstruais que poderiam afetar a coordenação motora, o risco de lesões por perda da capacidade coordenativa diminui. Apesar disso, ao contrário do que se cogitava inicialmente, tal uso parece não influir sobre as queixas de dor lombar frequentemente relatadas em certos períodos do ciclo menstrual.
A utilização de anticoncepcionais por jogadoras de futebol
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o acesso a informações e serviços contraceptivos de qualidade é de suma importância não só por permitir que as mulheres tenham o número de filhos que desejarem, e quando desejarem, mas também porque o acesso a métodos contraceptivos é essencial para garantir o bem-estar e a autonomia da mulher.
Porém, ainda segundo a entidade, cerca de 15% das mulheres em idade reprodutiva no mundo têm alguma necessidade de contracepção não atendida; especialmente na África Central e Ocidental, onde menos da metade delas têm a demanda por planejamento familiar satisfeita, devido a medo de efeitos colaterais, limitação de acesso e escolha, oposição cultural ou religiosa, baixa qualidade dos serviços disponíveis, entre outros motivos.
Um exemplo desse contexto, no futebol, é visto no estudo realizado com jogadoras de que disputaram a Copa da África do Sul em 2020, no qual 5% delas relatou utilizar anticoncepcionais naquele momento, e 2%, já ter feito uso anteriormente. Segundo os autores da pesquisa, o baixo uso de contraceptivos se deve, provavelmente, a fatores socioeconômicos e religiosos-culturais. Ou seja, a baixa utilização, em comparação a jogadoras de países da Europa, é condizente com o que ocorre na população feminina em geral dos dois continentes. A título de comparação, os números registrados em jogadoras da Inglaterra são, respectivamente, 28 e 43%. E, curiosamente, um levantamento feito nas Copas do Mundo dos Estados Unidos (2003) e da China (2007), que é uma junção de países com maior e menor desenvolvimento socioeconômico, identificou o número intermediário de 15% de uso pelas atletas durante estes eventos.
Para além da utilização de anticoncepcionais, mas a título contextualização, e ainda relacionado ao tema: apesar de a maioria das jogadoras que disputaram a Copa da África do Sul em 2020 relatar que têm acesso à escolha dos seus produtos sanitários preferidos, 36% informou usar trapos de pano velhos durante a menstruação como alternativa.
A realidade do futebol feminino brasileiro
Em nosso conhecimento, ainda não existem estudos sobre o uso de anticoncepcionais em jogadoras de futebol realizados no Brasil. Esta lacuna nos leva a terminar com uma pergunta a você, que leu até aqui. A realidade da maioria das jogadoras de futebol em nosso país é mais parecida com aquilo que foi descrito nos Estados Unidos e na Europa, ou na África?
Texto produzido em cobertura colaborativa da NINJA Esporte Clube