O bebê de Simony
Perda de recém-nascidos por causas preveníveis deixa mulheres com trauma psicológico
Por Pedro Paz*
No dia 12 de janeiro deste ano, completaram-se 12 anos da morte do bebê de Simony por anoxia fetal grave, condição de privação ou diminuição da oferta de oxigênio ao cérebro; choque hipovolêmico, emergência decorrente da perda de grande quantidade de líquidos e sangue; e deslocamento prematuro da placenta, complicação grave na gestação em que a placenta se separa do útero. Todas essas causas de mortes de recém-nascidos são evitáveis, definidas como aquelas preveníveis, total ou parcialmente, por ações efetivas dos serviços de saúde que estejam acessíveis em um determinado local e época.
O bebê de Simony viveu menos de dez segundos, arrefecendo logo após o parto, devido ao atraso para realização de uma cesárea, intervenção cirúrgica para efetivação do parto de um ou de mais bebés, na Maternidade Cândida Vargas, hoje com status de instituto, localizado em Jaguaribe, na Zona Oeste de João Pessoa. Simony deu entrada na unidade de saúde no dia 11 de janeiro de 2011, por se encontrar em trabalho de parto. Mas só foi encaminhada para o bloco cirúrgico por volta das 17 horas do dia 12, quase 36 horas após chegar à maternidade. Ultrassonografia realizada no dia 11 apontou que o bebê se encontrava bem.
“Eu fui pra maternidade, né? E eu comecei a sentir dor, né? Aí, assim, meu filho não mexia na barriga, ele não mexia muito, e lá no hospital [maternidade] insistiram eu ter o parto normal, entendeu? Deram injeção, fizeram tudo pra eu ter normal. Só que eu não sentia as contrações. O menino era bem grande e não se mexia. Aí eu passei dois dias na maternidade esperando ter normal. Aí quando foram fazer o último toque, estava com três centímetro”, relata Simony em entrevista por telefone.
Ao executarem o toque com um bico de pato, espéculo vaginal que permite a visualização direta do colo uterino, perfuraram a bolsa amniótica, estrutura membranosa que envolve o feto, ocasionando o rompimento da bolsa. Inicialmente com dificuldade para recordar da sucessão dos fatos e depois de muitas hesitações, Simony parecia rever um filme de terror enterrado na sua memória e passou a lembrar de muitos detalhes.
“Aí a bolsa estourou. Espirrou sangue até na cara da médica lá, né? Aí ela ficou assustada. Aí tiraram eu da sala que eles fizeram o procedimento lá e me levaram pra outra sala. Mas eu fui a pé sozinha, né? Ninguém me levou. Mandaram tomar um banho pra fazer a cirurgia, né?”.
Simony se banhou enquanto tomava soro por meio de um cateter intravenoso, usado para administrar soluções ou medicamentos diretamente na veia. Sem ajuda profissional, ela sequer conseguiu tirar a própria roupa para o asseio e começou a sentir muitas dores, devido ao toque que culminou no rompimento da bolsa amniótica. Depois, passou a sangrar dentro do banheiro mesmo.
“Comecei a sentir muita dor, um negócio saindo, água saindo e tal. Fui caminhando até a sala do pós-parto que as mulheres fica lá pra esperar ter os seus filho. Procurei minha cunhada que estava comigo. Aí quando eu cheguei lá, sentei na cama com muita dor e comecei a ter hemorragia. Comecei a sangrar bastante e era a placenta que estava saindo toda pra fora. Então foi assim, foi assim, tipo uns 20 minutos mais ou menos, entendeu? Que aconteceu depois que usaram um procedimento lá pra poder estourar a bolsa”.
Por conta da hemorragia, chamaram os profissionais de saúde que estavam de plantão na maternidade. Eles chegaram correndo à sala de cirurgia. Assustada, a médica responsável pelo atendimento deu início à cesárea, após a remoção de outra mulher que passara pelo mesmo procedimento. Quando finalmente deram início à intervenção cirúrgica, o bebê nasceu sufocado.“Porque ele já tinha inalado todo o líquido, né? Eles fizeram em cima de dois dias, né? Assim, eu passei isso tudo sabendo que eu não tinha passagem nenhuma. Insistiram pra eu ter normal e aconteceu isso. Aí eu pedi pra ver o menino, né? Pra ver se tinha algum defeito, se furaram a cabeça ou alguma coisa. O menino estava perfeitinho. Só que o negócio é que ele estava morrendo sufocado. Da demora da cesárea, entendeu?”, avalia Simony.
Simony afirma, com convicção: “O parto não era pra ser normal. Ele era grandão, eu não tinha passagem. Porque as contrações a mulher sente e eu não sentia. Era mãe de primeira viagem também, né? Aí eu sofri isso tudo lá nessa maternidade. O peso dele era peso normal, né? Quase quatro quilos. Tudo normalzinho. Não tinha problema nele de nada. Ele era normal”.
“O parto não era pra ser normal […]”
Na ocasião, a equipe médica não permitiu que a cunhada de Simony a acompanhasse. Argumentaram que isso não era possível porque Simony era maior de idade. “Fiquei um pouco com medo, né? Porque era a primeira gravidez, né? Eu queria muito que ela entrasse, mas eles não deixavam ela entrar. Aí quando aconteceu tudo isso, minha cunhada não estava do meu lado, porque se ela tivesse, eu acho que não tinha acontecido, né? Aí quando eu fui procurar ela, já tinha acontecido”.
Pela fresta da porta da sala na qual ocorreu a cesárea tardiamente, a cunhada de Simony acompanhou a aflição da equipe médica. “Foi, porque na hora que ela viu, eles levaram o menino agoniado, o menino sufocado, né? Mandaram se afastar, disseram a ela que não podia ver, né? Aí ela querendo saber o que aconteceu, porque ela estava vendo que não estava normal a criança. Aí pronto, lá, eles começaram a fazer os procedimento pro menino respirar e não passou nem dez segundo, viu. Aí ela até falou, assim, o que está acontecendo com a criança. Enrolaram lá e pronto”.
Após constatarem a morte do bebê de Simony, foi oferecido, pela maternidade, atendimento psicológico pontual. “Tive lá na maternidade, na hora, né, que aconteceu, porque eles viram que estavam errados, né, aí correram e mandaram uma pessoa, uma psicóloga pra poder ajudar, porque no momento a gente fica abalada, né, com as coisas”. Simony recebeu alta três dias depois do ocorrido.
Ainda na maternidade, Simony teve conhecimento de casos semelhantes, mas não houve a possibilidade de escolher onde teria seu bebê. “Eles [profissionais da Maternidade Cândida Vargas] têm costume, né? De insistir mais em parto normal. As mulheres lá falam muito que já aconteceu muita coisa lá. Então insistem mais em normal, né? Aí o cesário acho que eles deixam por último. Eu ouvi falar na TV que aconteceu umas morte de criança lá. Entendeu? E diz que a maternidade já tem costume de acontecer isso. De crianças morrer lá”.
O bebê de Simony já tinha nome, se chamaria Victor Kauan. Por conta do trauma psicológico, ela quis engravidar novamente e o mais rápido possível, para esquecer do horror pelo qual havia passado e que se assemelha, em algum grau e com as devidas diferenciações de enredo, ao drama vivido por Rosemary, no clássico O Bebê de Rosemary (1969), de Roman Polanski, diretor polaco nascido na França.
“Eu pretendi engravidar porque fiquei meio depressiva, entendeu? É, eu perdi, eu perdi ele, botei na cabeça, né? Aí eu sofri bastante, aí por isso que eu engravidei pra esquecer um pouco”. Logo sem seguida, Simony teve dois filhos com o mesmo genitor. Uma menina e um menino, hoje com dez e oito anos de idade, respectivamente. Simony não atribui o fim do seu relacionamento à perda do primeiro bebê. “Não, não, foi uma escolha minha. Ele também bebe um pouco. Aí eu fiquei responsável pelos meus filhos”.
Simony chegou a culpar seu ex-marido pela morte de Victor Kauan. “Botei um pouco de culpa no ex-marido também, mas depois fui tirando da cabeça, né? Ele, tipo, ele era um homem, assim, um pouco ignorante nas coisas. E acabei descobrindo as traição dele, aí eu senti, eu botei um pouco de culpa nele, os stress que eu tive também com ele, aí eu culpei ele, mas não tinha nada a ver não. O que aconteceu na maternidade foi culpa da maternidade mesmo, não foi ele não, entendeu?”.
Quando perdeu Victor Kauan, Simony vivia no bairro Mário Andreazza, em Bayeux, na Região Metropolitana de João Pessoa, capital paraibana. Hoje, Simony Silva dos Santos tem 32 anos, é dona de casa e mora, há dois anos, com os dois filhos e outro companheiro na comunidade Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro. “Eu vim pro Rio de Janeiro pra trabalhar e pra ficar perto da minha família, que mora aqui também e que pode me ajudar”.
A hora do desespero
Em comparação à morte de um adulto, a de um bebê parece provocar mais desespero entre familiares, parentes, amigos e entes queridos porque se trata de um indivíduo que sequer teve a chance de viver. As questões referentes ao enterro do bebê de Simony foram resolvidas pelo seu ex-marido. Ela não quis participar do rito e também não podia, porque permaneceu internada na maternidade durante três dias.
“Eu fiquei três dias na maternidade. E a criança tinha que tirar eu acho que no mesmo dia, né? Não podia ficar lá. Acho que no segundo dia ele foi enterrado. As roupinha dele estava tudo comprada, estava tudo esperando, né? Aí teve que tirar antes de eu chegar [em casa]. Eu dei pra uma mulher, uma senhorinha que estava lá [na maternidade]. O filho dela tinha acabado de nascer e não tinha nada. Aí mandei dar tudo”.
Marinaldo Chagas, 61 anos e evangélico, trabalha há 22 anos na Funerária Santa Joana, localizada na Avenida Liberdade, no Centro de Bayeux, na Região Metropolitana de João Pessoa, onde Simony residia na época em que perdeu Victor Kauan.
No vídeo abaixo, ele descreve o desalento das famílias que chegam para comprar caixão para enterro de um recém-nascido. A caixa ou recipiente deve ser resistente e impermeável, provido em seu interior de material absorvente, para acondicionamento, transporte e sepultamento de restos mortais de bebês. Custa, em média, R$ 400. Às vezes, as famílias não têm como comprá-lo e recorrem à prefeitura da cidade ou à doação.
(Agente funerário descreve desalento de famílias que chegam para comprar caixão para recém-nascido.)
No Cemitério Nossa Senhora da Boa Morte, também em Bayeux, onde provavelmente Victor Kauan está enterrado, mulheres que trabalham informalmente aguando covas por R$ 20 ou R$ 25 mensais, por unidade, destacam que o enterro de um recém-nascido é mais comovente, se comparado ao de um adulto. Mais do que o ato de comprar um caixão, o enterro é a hora do desespero porque é quando cai, definitivamente, a ficha sobre a morte do recém-nascido.
Não se sabe ao certo se Victor Kauan está enterrado no Nossa Senhora da Boa Morte, porque Simony preferiu não saber. Procurei a administração do sepulcrário para identificar a cova, mas a gestão não foi encontrada no local. O atestado de óbito poderia ajudar nesse sentido, mas, em algum momento desta apuração jornalística, o ex-marido de Simony, que tem posse do documento, deixou de me responder e um profissional da Secretaria de Saúde de João Pessoa não conseguiu identificar a certidão no sistema municipal, o que indica que ela pode estar registrada no sistema do Estado da Paraíba. A foto de capa da reportagem é de um túmulo sem identificação.
Aguadoras de cova contam como é o enterro de bebês.
Joelma Bezerra (à esquerda do vídeo) tem 46 anos, três filhos e três netos e vive também de auxílio do Governo Federal. Maria Lúcia Ferreira da Silva (à direita), 58 anos, tem uma filha e quatro netos e recebe benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ambas são casadas e intercalam suas atividades de doméstica com a de aguamento de covas no Cemitério Nossa Senhora da Boa Morte. Elas contam como geralmente acontece o enterro de bebês, chamados de anjinhos. Depois dos momentos de pânico que culminam na perda de um recém-nascido, Joelma diz que quem o gerou simplesmente não consegue olhar para o cadáver, quando comparece ao ritual de passagem.
Quanto vale?
Em 11 de setembro de 2020, a Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJ-PB) manteve a decisão do Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital, que condenou o Município de João Pessoa a pagar uma indenização à Simony e ao seu ex-marido, por danos morais, no valor de R$ 80 mil, em decorrência da morte de Victor Kauan durante o parto realizado na Maternidade Cândida Vargas. A relatoria da Apelação Cível nº 0058764-79.2012.815.2001 foi do desembargador Fred Coutinho.
O Município de João Pessoa recorreu da sentença, sob o argumento de que o risco de vida do bebê foi decorrente do estado apresentado pela mãe, que apresentava sinais de deslocamento da placenta, devendo, portanto, na sua ótica, ser afastado o dever de indenizar. Alternativamente, requereu a diminuição do valor da indenização indicada na decisão de 1º Grau. Quanto vale a vida prematuramente interrompida de Victor Kauan? No máximo R$ 80 mil?
Ao relatar o caso, o desembargador Fred Coutinho observou não haver dúvidas de que o atraso para realização do parto foi causa de sofrimento fetal, levando o recém-nascido à morte por anoxia fetal grave, choque hipovolêmico e deslocamento prematuro da placenta, logo após o parto. Ele entendeu que, diante de tal contexto, não há como afastar o dever de indenizar.
“Desse modo, considerando as peculiaridades do caso concreto, e em especial, as condições financeiras do agente e das vítimas, as quais perderam um filho, entendo que a indenização por danos morais arbitrada em R$ 80.000,00 deve ser mantida, pois além de se encontrar em sintonia com o critério da razoabilidade, funciona, ainda, como um fator de desestímulo à reiteração da conduta ora analisada”, frisou o desembargador.
À decisão, cabe recurso. Simony quer o dinheiro para dar uma vida melhor para os seus filhos. “Pra alguma coisa pra eles no futuro. Comprar alguma coisa, financiar alguma coisa pra o futuro deles”.
A ação foi movida por advogado do ex-patrão do ex-marido de Simony, já que não tinham condições financeiras de sustentar um processo judicial. “Aconteceu que ele faleceu, o primeiro advogado que assumiu o caso que a gente ganhou na época, né? Aí ele faleceu. Eu não sei nem quem ficou mexendo nesse processo. Eu só sei que depois que eu saí daí [da Paraíba], eu procurei outra advogada pra assumir. Entendeu? Pra ver se ela conseguia assumir”.
A nova advogada de Simony falou que esse tipo de processo demora para ter desfecho e que os médicos da maternidade também vêm recorrendo das decisões judiciais “Duas vez. É. Aí já deixei na mão de Deus, né? Eu não procuro nem fico atrás mais. É, mas está rolando, né? O processo e a última decisão foi favorável, né?”.
O silêncio das inocentes
Umas das características marcantes desta apuração jornalística difícil foi o silêncio das mulheres identificadas, certamente vítimas inocentes de negligência, no sentido de que pareciam não desejar reviver o trauma psicológico.
Outras duas mulheres foram encontradas por intermédio de fontes jornalísticas, maioria mulher, que compreendiam a importância da pauta para a proteção da primeira infância não só na Paraíba, mas no Brasil, na América Latina e no mundo. Contudo, nada poderei dizer sobre essas outras duas mulheres, sequer em que região do Estado moram e as circunstâncias de seus silêncios, a fim de protegê-las e de respeitar a memória e escolha delas de se manterem no anonimato.
“Eu nem lembro mais das data que aconteceu isso. E faz tempo. Faz uns 11 anos, né? É, 11 anos, minha filha tá com dez ano, vai fazer dez, entendeu? Eu conto com minha filha, porque eu fiquei grávida depois de um ano mais ou menos que isso aconteceu. Então vai mais 11 anos por aí, eu acho, eu acho vai 11. Onze para 12 anos, tá perto”, disse Simony no início da nossa entrevista por telefone, como se estivesse se esforçando para desatar um nó na sua cabeça.
Segundo a psicóloga Cíntia Aleixo, alguns distúrbios emocionais podem afetar a mulher que vive a experiência do luto materno, dentre eles, a culpa, o bloqueio, a raiva , além das sensações físicas acometidas pela ansiedade do luto, tais como a sensação de falta de ar, apetite, insônia, agitação, choro e desânimo. “Todos estes, de modo temporário ou insistente, o que sugere a investigação e o acompanhamento psicológico com um profissional especializado em psicologia”, defende.
De acordo com Cíntia Aleixo, a consciência da morte pode ser compreendida de diferentes formas e isso pode ser explicado através da cultura e das diferentes experiências que uma mãe possui com outras mortes. “Isto quer dizer que os rituais que envolvem a vida da pessoa são carregados de emoções e conflitos pessoais, e os laços afetivos que fazem parte de sua própria história são imprevisíveis e dolorosos a ponto de serem traumáticos e consequentemente o trauma faz com que estes sejam repensados, acessados ou não, questionados, aceitos, esquecidos”, afirma a psicóloga.
O caso do bebê de Simony, no ponto de vista da Cíntia Aleixo, sugere a presença de uma estrutura emocional com fragmentos de memória ou até mesmo confusão mental de caráter incontrolável, porém, previsível frente à nova realidade de mundo e vida (também morte) que se apresenta. Ou até mesmo o não desejo de fala sobre o assunto.
Ela argumenta que é extremamente importante considerar o trauma a partir de uma perspectiva étnica também e social, que precedem as ferramentas mentais de equilíbrio mentais que regulam as vidas de pessoas neste contexto, porque as consequências negativas de marcadores sociais da diferença como gênero, raça e classe justificam o desequilíbrio ou ausência de resposta emocional, sentimento deprimido de esquecimento e até mesmo irritação, desamparo, solidão e vulnerabilidade significativos.
“É importante que estas mães possam trabalhar, na experiência do trauma, a dor da perda, vivenciar as fases do luto (trauma) até que se encontrem na experiência de adaptação de nova vida”, conclui a psicóloga.
Paulo Bueno, também psicólogo, entende que os bebês nascem muito antes do parto, à medida que vão se desenvolvendo no interior da barriga da pessoa gestante, devido às fantasias e às expectativas que há sobre sua chegada, que vão desde o gênero ao time pelo qual torcerá, envolvendo também as possíveis relações que estabelecerá com familiares e situações que poderão ser vividas ao longo da sua existência.
Nesse sentido, para o psicólogo, a morte prematura é o rompimento de tudo que foi construído na gestação, os desejos. É um rompimento muito brusco e que tende a produzir um trauma. “Rompe as coordenadas a partir das quais a gente organiza a vida, nossa noção de tempo, de espaço, nossa identidade. Quem era eu antes e depois do trauma? Antes de me tornar gestante? Depois, somos reposicionados em um novo mundo que precisa ser reconstruído”, afirma.
Na concepção do Paulo Bueno, existe uma ideia mais genérica de que a morte de um recém-nascido produz um trauma nos familiares. Mas o que mais interessa na psicanálise, segundo ele, é como esse trauma se deu e como vai se particularizando para cada sujeito. “Essa resposta não é genérica, é particular, porque se trata de como a mãe lida com maternidade, perda, e pode se tonar insuportável responder a isso, devido ao fato de ser algo muito íntimo”.
Para o psicólogo, é uma dor em primeira pessoa, muito forte. “A questão da memória é muito importante. O trauma faz com o sujeito não consiga lembrar voluntariamente. Fica registrado no inconsciente, mas não é facilmente acessível. A gente não consegue esquecer porque retorna através dos sonhos, de sintomas. É uma lembrança que aparece de outros jeitos. Não é que se esteja burlando a memória. Há uma perda de recursos simbólicos, de conseguir nomear o acontecimento”, explica.
Nessa direção, a partir da teoria da psicanalise fundamentada inicialmente pelo neurologista e psiquiatra austríaco Sigmund Freud, que nos instrumentaliza frente ao entendimento do psiquismo humano, a psicóloga Ana Rosa Detilio também considera que, para entender o que parece ter acontecido com Simony, é necessário, primeiramente, compreender o funcionamento do inconsciente, que é uma parte bastante significativa de nosso psiquismo, composto pelo consciente, que são as memórias, lembranças que conseguimos acessar facilmente, e o inconsciente, que não temos fácil acesso, mas que é deveras atuante mesmo que não o percebamos.
Podemos pensar em processos mentais que ocorrem sem que o indivíduo se dê conta. Sem que tenha consciência sobre eles, como um “reservatório” de sentimentos, pensamentos, impulsos e memórias que estão fora da percepção consciente. E o psiquismo, conforme Ana Rosa Detilio, acomoda alguns mecanismos de defesa que são, como o próprio termo indica, meios de proteção criados pelo inconsciente para distanciar indivíduos de eventos, atitudes, sentimentos, crenças, palavras e pensamentos desagradáveis que tenham trazido sofrimento ou ainda constituído um trauma.
“Ela [Simony] pode ter se valido de um dos mecânicos de defesa para a proteção de seu psiquismo, aquele que chamamos de repressão. Algo que a pessoa remove da sua consciência pensamentos ou resíduos de memória considerados inaceitáveis e intoleráveis, afastando a lembrança de determinados fatos, mas que ficam armazenados em algum lugar do inconsciente. Que podem vir à tona quando abordados. Provavelmente conforme é trazido à tona as questões que envolvem o fato, o psiquismo dela reencontra as memórias que estavam ali adormecidas para sua proteção psíquica”, opina a psicóloga.
No entendimento de Ana Rosa Detilio, nem sempre estas memorias estão disponíveis ao serem abordadas, trazidas à tona. Pois vai depender muito de como cada pessoa processou e introjetou a vivência. “Ainda com a memória e a lembrança reativadas, os sentimentos experenciados naquele momento de vida também são reativados”. De fato, parece ter sido isso que aconteceu durante a entrevista com Simony.
O silêncio dos burocratas
Além da dificuldade de entrevistar mulheres que perderam recém-nascido por morte evitável, outro obstáculo para o avanço desta reportagem foi, antes da etapa das entrevistas, identificar famílias que viveram e ainda vivenciam esse trauma.
Em 8 de julho do ano passado, a resposta do Conselho Regional de Medicina na Paraíba (CRM-PB) já indicava que esta apuração jornalística enfrentaria muitas adversidades como o corporativismo: “as informações desta natureza são sigilosas, considerando os dados dos processos éticos profissionais e a lei geral de proteção de dados”.
Mais ou menos no mesmo período, a assessoria do desembargador Fred Coutinho, relator da decisão que manteve a condenação do Município de João Pessoa a pagar indenização à Simony e ao seu ex-marido, me informou que ele tinha impedimento de falar sobre processos em curso, por conta de lei da magistratura, ou seja, um silêncio do Poder Judiciário institucionalizado, embora entendível em alguma medida. Mas me disponibilizou o endereço de Simony na Paraíba e os telefones do escritório do advogado que cuidava do caso.
Após inúmeras tentativas, descobri que o advogado que deu entrada no processo havia morrido de covid-19. O que atualmente dá seguimento aos procedimentos jurídicos, no primeiro momento, ficou de disponibilizar o telefone dela. Depois, parou de me responder. Resolvi então ir ao endereço da Simony, em Bayeux, na Grande João Pessoa. Com a ajuda de um vizinho, consegui falar com o ex-marido dela, ter acesso ao telefone dele e, posteriormente, ao dela, assim como descobrir que há dois anos Simony reside no Rio de Janeiro.
“As informações desta natureza são sigilosas, considerando os dados dos processos éticos profissionais e a lei geral de proteção de dados.”
A reportagem só foi possível porque consegui entrevistar a Simony. Faria pouco sentido tratar do tema de mortes evitáveis de recém-nascidos, no formato de uma reportagem especial como esta, sem pelo menos ter uma história para contar, a fim de mostrar como se dá e os impactos do óbito prevenível de um bebê na vida de gente de verdade.
Se dependesse de outros burocratas, principalmente os do Ministério Público, esta reportagem seria inviável, possivelmente devido à burocracia e à incapacidade de instituições como essa de dar conta da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Essa inépcia ocorre por uma série de motivos, entre eles, na minha avaliação, o da falta de pessoal.
É importante lembrar de que o Ministério Público é uma instituição independente e essencial à função jurisdicional do Estado. Os poucos órgãos do Ministério Público que me responderam alegaram que não tinham informações sobre casos de mortes evitáveis de recém-nascidos ou sugeriram que eu apurasse em outra jurisdição, a exemplo da Promotoria de Conde, na Grande João Pessoa; da Promotoria de Justiça de Mamanguape, no Litoral Norte; da 1ª Promotoria da Criança e do Adolescente de Campina Grande, no Agreste; e da Promotoria de Justiça de Pombal, no Sertão. Aqui, vale destacar que pelo menos deram atenção à demanda por informação.
No dia 12 de janeiro, no qual foram completados 12 anos do caso do bebê de Simony, a Promotoria de Justiça de João Pessoa finalmente me enviou a Notificação nº 2/48º PJ/2023, mas, como as outras, para me dizer que “de acordo com a pesquisa realizada no MPVirtual, não foi encontrado procedimentos nesta Especializada com objetos que guardassem relação com mortes evitáveis de recém-nascidos, a fim de auxiliar na pesquisa”.
Além da morte
A violência presente na micro-história do bebê de Simony revela um sofrimento social para além desta descida ao ordinário que envolve a morte de Victor Kauan. Um sofrimento social muito mais abrangente, conforme preconiza a antropóloga indiana Veena Das, e que requer macropolíticas para que seja atenuado ou erradicado, assim como reivindicam antropólogas brasileiras como Barbara Marques, Raquel Lustosa, Thais Valim e Soraya Fleischer.
A prova de que a morte do bebê de Simony representa um contingente muito maior é um estudo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que identificou 3.834 mortes evitáveis de recém-nascidos na Paraíba, entre 2009 e 2017. Justamente quando aconteceu a de Victor Kauan. Ou seja, ele integra essa estatística. Esse número [3.834 mortes evitáveis de recém-nascidos na Paraíba] representa 74,5% das 5.149 mortes registradas no período neonatal, relativo aos sete primeiros dias após o nascimento, no intervalo de tempo estudado.
Segundo a pesquisadora Tiê Farias, responsável pelo estudo e egressa do curso de doutorado do Programa de Pós-graduação em Modelos de Decisão e Saúde da UFPB, os principais fatores relacionados a óbitos neonatais evitáveis são a escolaridade da mãe, prematuridade, o tipo de parto e o número de filhos vivos.
De acordo com a doutora pela UFPB, quanto maior a escolaridade da mãe, menor a proporção de óbitos neonatais evitáveis. O fato do recém-nascido ser prematuro também aumenta a proporção de óbito neonatal. O aumento da quantidade de partos cesáreos também influencia de forma direta o aumento do óbito neonatal evitável. Já quanto maior a média de filhos vivos, menor é a quantidade de óbitos neonatais.
Ao todo, foram protocolados 7.241 óbitos no período neonatal e no pós-neonatal (primeiro ano de vida) no Estado da Paraíba, nos nove anos apurados pela pesquisa. No total, houve 522.852 nascimentos nesse ínterim.
Entre as principais causas mais notificadas de óbito evitável de recém-nascido na Paraíba, estão, em ordem decrescente, septicemia bacteriana não especificada do recém-nascido, síndrome da angústia respiratória do recém-nascido, pneumonia congênita não especificada e hipoxia intrauterina durante o trabalho de parto e o parto.
A extensa lista continua: imaturidade extrema, hipoxia intrauterina não especificada, outros recém-nascidos de pré-termo, asfixia ao nascer não especificada, infecção própria do período perinatal não especificada, desconforto respiratório não especificado do recém-nascido e feto e recém-nascido afetados por outras formas de descolamento da placenta.
Tiê Farias sinaliza que existem também causas que são classificadas como mal definidas. Elas correspondem a outra grande parte das mortes de neonatais, sobrando para as causas não evitáveis muito pouco, menos de 10% do total das mortes de recém-nascidos no Estado da Paraíba. Um exemplo de causa não evitável é uma malformação congênita, esclarece a pesquisadora.
Os dados utilizados no estudo foram extraídos das declarações de óbito e das declarações de nascidos vivos disponibilizadas pelo Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e pelo Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC), gerenciados pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde.
Como esse trabalho começou a ser realizado em 2018, só existiam os dados até 2017 consolidados pelo Ministério da Saúde. A pesquisa iniciou com o ano de 2009 porque em 2010 houve a inclusão dos números da declaração de nascido vivo na declaração de óbito. Através desse código único, foi possível fazer a ligação entre as duas declarações.
A egressa da UFPB diz que teve dificuldades para lidar com esses dados porque houve falhas no preenchimento das declarações, como, por exemplo, na escolaridade da mãe, onde não existiam 16,9% de informações. Essas e outras informações foram recuperadas por meio das respectivas declarações de nascido vivo e, posteriormente, por técnicas estatísticas de imputação de dados.
Financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o estudo, inicialmente, realizou a qualificação das informações de óbitos do Ministério da Saúde, através de técnicas estatísticas e demográficas para correção do sub-registro das declarações de óbitos nos municípios paraibanos, que variaram entre 75,9% e 87,4% de subnotificação. Esse percentual corresponde à estimativa de óbitos infantis que não foram notificados.
Orientada pelo professor da UFPB Neir Antunes Paes, Tiê Farias avalia que a redução dos níveis da mortalidade infantil neonatal é possível, principalmente, com a intensificação dos cuidados com o recém-nascido e com a mulher durante a gestação, principalmente nas áreas ruralizadas do estado da Paraíba. As estatísticas produzidas na tese expõem que há diferenças significativas entre os municípios urbanos, intermediários adjacentes e rurais adjacentes na Paraíba, informa a pesquisadora.
No Brasil, segundo o Observatório de Saúde na Infância – Observa Infância, que reúne pesquisadores da Fiocruz e do Centro Universitário Arthur de Sá Earp Neto (Unifase), cerca de 22 mil bebês morrem todo ano antes ou até completarem um ano de vida. Isso representa uma taxa de 11,8 mortes a cada mil nascimentos. Em países desenvolvidos, esse número é menor: a cada mil bebês, há duas mortes. Dessas 22 mil mortes de bebês anuais no Brasil, dois terços poderiam ser evitados com ações como vacinação, amamentação e acesso à atenção básica de saúde. Os pesquisadores veem aumentar o risco à saúde das crianças com a queda da cobertura vacinal.
Pelo menos 255 bebês com menos de um mês morrem todos os dias na América Latina e no Caribe, conforme comunicado da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em fevereiro do ano passado. Segundo o documento, sete em cada mil crianças não atingem a idade de um mês na região, uma taxa que varia de 1,7 em Aruba e 2,3 em Cuba a 18 na República Dominicana e 32 no Haiti. A maioria dessas mortes são de causas evitáveis.
Em 2018, antes da pandemia de covid-19, o Fundo de Emergência Internacional para Crianças das Nações Unidas (Unicef) disse que, todos os anos, 2,6 milhões de recém-nascidos de todo o mundo não sobrevivem ao primeiro mês de vida e que um milhão deles morrem no dia em que nascem. Os bebés de países considerados os “piores do mundo para nascer”, como Paquistão, República Centro-Africana e Afeganistão, têm até 50 vezes mais probabilidades de morrer no primeiro mês de vida.
De acordo com o relatório “Para Cada Criança, Vida”, no contexto global, o índice médio da mortalidade infantil em países de baixa-renda é de 27 mortes em mil nascimentos. Em países de alta-renda, esse mesmo índice é de três mortes em mil. Se até 2030 cada país reduzisse o seu índice de mortalidade neonatal ao nível médio dos países de alta-renda, 16 milhões de vidas poderiam ser salvas.
Conforme o Ministério da Saúde, a asfixia perinatal, uma das causas da morte do bebê de Simony, é a terceira causa de morte neonatal no mundo, representando 23% dos óbitos de recém-nascidos no planeta inteiro, além de estar entre as principais causas de lesão cerebral permanente em bebês nascidos com idade gestacional de 37 a 42 semanas.
No contexto da covid-19, quase metade das crianças e adolescentes brasileiros mortos por covid-19 em 2020 tinham até dois anos de idade; um terço dos óbitos até 18 anos ocorreram entre os menores de um ano e 9% entre bebês com menos de 28 dias de vida, segundo estudo inédito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado em agosto de 2021, que analisou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade Infantil (SIM), do Ministério da Saúde, considerado o padrão ouro para esse tipo de investigação.
Acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e de crianças é uma preocupação mundial e meta da Agenda 2030 das Nações Unidas, plano de ação global que reúne 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas, criados para erradicar a pobreza e promover vida digna a todos, dentro das condições que o planeta oferece e sem comprometer a qualidade de vida das próximas gerações.
A meta 3.2 dos ODS é a seguinte: “Até 2030, acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de 5 anos, com todos os países objetivando reduzir a mortalidade neonatal para pelo menos até 12 por 1.000 nascidos vivos e a mortalidade de crianças menores de 5 anos para pelo menos até 25 por 1.000 nascidos vivos”.
É estrutural
Gilka Paiva é ginecologista e obstetra e, no momento, tem atuação assistencial na saúde privada, fazendo obstetrícia em consultório e na ginecologia. Anteriormente, atuou durante 14 anos no serviço de obstetrícia da Maternidade Cândida Vargas, local onde o bebê de Simony morreu. Essa experiência remete a ela situações de internação cujos motivos vão além das indicações clínicas, como simplesmente estar em trabalho de parto e só ter o parto 36 horas depois do internamento.
“De fato, nessas 36 horas, essa gestante [Simony] deve ter sido avaliada regularmente e assegurado seu bem-estar e do bebê durante todo o trabalho de parto e no parto. No entanto, não é impossível ocorrer uma complicação inesperada em qualquer fase dessa internação, como o descolamento placentário. Por esse motivo, seria irresponsável se eu fizesse algum julgamento ou emissão de opinião apenas com os elementos que estão postos. Outrossim, é compreensível a indignação, o questionamento e a suposição de falha médica por negligência ou imprudência”, afirma a médica.
Em geral, segundo ela, tais processos também são avaliados por pares, para dar um parecer técnico, e isso acontece com a denúncia no Conselho Regional de Medicina (CRM), do qual também fez parte por 15 anos e acompanhou muitas situações com questionamentos semelhantes. “O resultado de uma sindicância ou processo ético no CRM pode ser uma peça de acusação ou defesa aos autos do processo na justiça”.
Gilka Paiva explica que o foco da ginecologia e da obstetrícia na contemporaneidade está na contracepção e no planejamento gestacional. Especificamente na docência, tem trabalhado com pesquisa e extensão para viabilizar o acesso à contracepção eficaz a todas as mulheres, assim como na formação do médico residente de ginecologia e obstetrícia.
Ela conta que o desenvolvimento do bebê se inicia até antes da fecundação. Portanto, cuidar da saúde da mulher, auxiliá-la a programar e acompanhar sua gestação durante o pré-natal, fase em que o bebê está se desenvolvendo, são atuações, de acordo com ela, fundamentais na promoção de um bom desenvolvimento fetal e melhores condições de nascimento.
Gilka Paiva pontua que, com o planejamento da gravidez, a mulher pode engravidar em melhores condições de saúde e até psicossociais, para vivenciar a gestação e maternidade. “Exemplo disso é a recomendação do uso de ácido fólico até três meses antes da gestação, como prevenção de defeitos de formação do tubo neural. Como na saúde pública o pré-natal é acompanhado mais frequentemente pela enfermagem, posso dizer que a obstetrícia atua mais especificamente naquelas gestações de maior risco de complicações maternas e fetais, a exemplo da doença hipertensiva gestacional, que é uma das principais causas de mortalidade materna e de complicações neonatais”, diz a médica.
Na opinião Gilka Paiva, alguns direitos estão muito bem estabelecidos e divulgados, como o direito à assistência pré-natal e ao serviço hospitalar, para atender às urgências e ao parto; o direito à licença maternidade que, para algumas ocupações, é de até 180 dias. “Apesar disso, sabemos das dificuldades que algumas mulheres enfrentam para garantir esse direito”.
A ginecologista e obstetra alerta que as gestantes têm outros direitos que não são tão divulgados e, por falta de conhecimento, muitas são privadas deles ou não os exigem, como o direito a ter um acompanhante durante o trabalho de parto e o próprio parto, assim como aconteceu com Simony. As gestantes também têm direito à amamentação no retorno ao trabalho. “Seguimos esperando o avanço da sociedade para que as mulheres enfrentem os desafios dessa fase de suas vidas de forma mais salubre”.
Na análise dela, entre os principais desafios e demandas relacionados a recém-nascidos no Brasil, hoje, estão a qualidade de assistência pré-natal e das maternidades. “Temos serviços de referência para gestações de alto risco superlotadas, com casos de riscos habituais que poderiam ser assistidos na sua cidade de origem, gerando uma demanda de pré-natal de qualidade e de atenção específica para as gestações com maior chance de complicação e mau resultado”.
No entendimento da médica, os incentivos em saúde acabam sendo mais direcionados para transferência das pacientes, como a compra de ambulâncias, para dar uma resposta mais política, do que na priorização de investir em um serviço funcional e de qualidade, como montar e manter uma estrutura que funcione.
“Não existe uma lacuna a ser resolvida. É estrutural, de como se tenta resolver as questões de saúde pública. Vai desde a questão física à qualificação profissional, perpassando por estrutura de suporte e manutenção do serviço”.
Para Gilka Paiva, as mortes evitáveis de recém-nascidos acontecem mais em regiões periféricas e com famílias não-brancas porque essas pessoas são as que mais dependem da saúde pública. “São as que estão mais expostas a essa condição de dificuldade de pré-natal de qualidade. Com isso, menores chances de fazer a prevenção de agravos. Quando eles acontecem, precisam enfrentar as filas, os hospitais superlotados e caóticos, com mais chance de terem suas demandas negligenciadas”.
Para resolver essa problemática, ela defende um pré-natal de qualidade, com fluxo racional e efetivo aos serviços de referência, ao mesmo tempo em que estes estejam preparados para atender e acompanhar as gestantes e seus bebês. “E, principalmente, que a “vida” desses serviços sejam “imunes” das influências políticas”.
Gestação mais leve
Enquanto doula, educadora perinatal e apoiadora em aleitamento humano, o objetivo de Malu Moraes é proporcionar uma gestação mais leve, um parto respeitoso e uma amamentação positiva. Nesse sentido, o trabalho de educação perinatal é facilitar o acesso à informação de qualidade, baseada em evidências, e prestar auxílio para um bom desenvolvimento do bebê.
Isso porque a qualidade da assistência recebida na gestação influencia no bem-estar do bebê desde antes do seu nascimento, na vida intraútero. A experiência positiva no parto, segundo ela, favorece uma adaptação à vida extra útero, uma amamentação de qualidade e, como consequência, essas vivências melhoram a saúde e bem-estar do bebê na primeira infância, além dos benefícios a longo prazo.
“Minha atuação é importante por facilitar o acesso a informações de forma simples e fácil a gestantes e nutrizes [aquela cuja função é amamentar], com acolhimento e respeito à autonomia de cada pessoa. Ouvindo cada família, sua história, medos e desejos, consigo ser suporte para a construção de experiências ricas e prazerosas no gestar, parir e nutrir, com menos inseguranças e mais confiança em si. Esse suporte é dado desde a gestação e culmina também em um parto mais tranquilo e no estabelecimento positivo da amamentação, favorecendo desde então o aleitamento prolongado”, afirma a doula.
Quando está com a família apenas no atendimento à amamentação, ela apoia no reconhecimento das alterações típicas do puerpério e aleitamento e no estabelecimento da amamentação de forma adequada. Na concepção de Malu Moraes, quando as famílias se tornam conscientes dos seus direitos, são capazes de tomar suas decisões de forma consciente. “Isso ajuda na identificação de violências obstétricas e neonatais e reduz as chances dessas pessoas se tornarem vítimas. Caso violações aconteçam, as famílias são mais capazes de identificar e denunciar, em vez de naturalizar, como é tão comum no Brasil atualmente”.
Malu Moraes é doula autônoma e integra também a Rede Koru, que reúne doulas para apoio ao aleitamento. Enquanto autônoma, é contratada diretamente pelas clientes e vai a partos nas casas delas, em centros de parto normal no Sistema Único de Saúde (SUS), maternidades públicas e maternidades privadas.
Como integrante da Rede Koru, coordena, com as parceiras Ana Luísa Fonseca e Laís Torres, grupos de pessoas gestantes, mães e pais, além de rodas de conversa abertas ao público e oferta do serviço de doulagem coletiva, que é uma modalidade de acompanhamento com um valor reduzido. “Essa alternativa foi pensada para oferecermos um atendimento de qualidade para gestantes que não têm condições de investir o valor integral para um acompanhamento individual com doula”, explica.
Ela reforça que, entre os principais direitos de alguém gestante, estão a assistência humanizada desde o pré-natal até após o parto, que significa uma atenção à saúde baseada em evidências científicas, respeito ao protagonismo da pessoa gestante e no cuidado por equipe transdisciplinar. Ela também ressalta o direito a um pré-natal de qualidade, a acompanhante no trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, ao cuidado à saúde adequado para o filho e o direito à doula em cidades e estados com leis de apoio à profissão e à humanização do parto.
Os direitos que comumente são violados, de acordo com Malu Moraes, são o direito à acompanhante integralmente na assistência ao parto; direito à acompanhante de livre escolha, porque muitas vezes são condicionados a pessoas do sexo feminino; alojamento conjunto com o bebê, pois é de praxe o afastamento por duas horas, por protocolo institucional; direito à doula; à assistência baseada em evidência científica, devido ao fato de serem muito comuns práticas desatualizadas, desnecessárias e protocolos contrários às recomendações da OMS.
“Isso sem contar a violência institucional comum em serviços de saúde. Por outro lado, não é meu papel avaliar clinicamente a assistência prestada. O que observo são as diretrizes de assistência ao parto normal, recomendações para uma experiência de parto mais positiva da OMS e as recomendações da ACOG (American College of Obstetricians and Gynecologists), por exemplo”.
Especificamente sobre o caso do bebê de Simony, para ela, as evidências levam a crer que a negligência se dá pelo tempo (36 horas) entre o ingresso da gestante no serviço de saúde e a realização da cesárea, e que esse intervalo é o reflexo da negligência e responsável pelo óbito.
Mas pondera que a duração de um trabalho de parto por si só não leva a desfechos negativos. “O que precisa ser pontuada é a assistência prestada durante a permanência da gestante na maternidade. Não está clara a motivação do internamento da gestante, como foi estabelecido o monitoramento materno e fetal nesse processo, como foi a escuta ativa da gestante para entender os seus incômodos e orientá-la de forma acolhedora, respeitosa e esclarecida. Esses pontos podem nortear e trazer mais clareza na avaliação do caso por quem quer que o faça”, assegura a profissional.
Malu Moraes ratifica que a qualidade de assistência durante a gravidez e parto e o incentivo à amamentação são as questões mais centrais para o bom desenvolvimento de um bebê. “O cuidado com a saúde do recém-nascido começa antes do seu nascimento. Por isso, cuidar de gestantes desde o pré-natal é capaz de reduzir as chances desse bebê necessitar de uma intervenção mais séria ao nascer. Normalmente, questões associadas à saúde de quem gesta podem influenciar no bem-estar do bebê. Por exemplo, a maior causa de morte materna evitável é a pressão alta na gestação. Essa alteração que aflige a grávida afeta também o bem-estar fetal, oferecendo riscos à sua saúde desde o útero”.
Com relação à assistência ao parto, mesmo que vivenciando uma gestação de risco habitual ou de alto risco com o quadro controlado, se a assistência ao parto for inadequada, o desfecho pode ser negativo para parturiente e para o feto/recém-nascido, alega a doula.
Ela coloca que durante um pré-natal no Brasil, é comum ouvir menções à política de humanização como uma “modinha”. Para Malu Moraes, isso reforça o quão longe estamos de ver a medicina baseada em evidências aplicada amplamente nos serviços de saúde do país.
“Como reflexo, se observa até hoje uma série de intervenções realizadas rotineiramente e que são sabidamente desnecessárias, por exemplo, o rompimento artificial das membranas amnióticas e o uso de ocitocina sintética rotineiros, e intervenções prejudiciais, entre elas a episiotomia e a manobra de Kristeller, com destaque especial para as cesáreas desnecessárias”. Houve rompimento artificial das membranas amnióticas de Simony, ponto de partida desta reportagem.
Resumidamente, a episiotomia é um corte cirúrgico efetuado no períneo (conjunto de músculos próximos à vulva e ânus) ao final do parto, no período expulsivo, já quando a cabeça do bebê começa a sair. Já a manobra de Kristeller consiste na aplicação de pressão na região superior do útero com objetivo de facilitar a saída do bebê.
Essas e outras más práticas no desfecho do parto podem levar a alterações do bem-estar fetal, como distocias, fratura de clavícula, alteração na frequência cardíaca, desconforto respiratórios, entre outras.
“Isso apenas como desfecho do trato obstétrico. A atenção neonatal desatualizada também existe e cotidianamente faz uso do corte prematuro do cordão, aspiração das vias respiratórias de rotina, retirada do vérnix, negação do contato pele a pele e hora de ouro, recusa da amamentação dentro da primeira hora de vida e afastamento de puérpera e bebê por duas horas, além do escasso apoio ao aleitamento. Todas essas práticas somadas à banalização do uso de fórmulas artificiais e bicos de silicone podem levar ao desmame precoce dos bebês”, diz a educadora perinatal.
Malu Moraes expõe que a taxa de aleitamento materno exclusivo no Brasil estampa esse cenário, porque, em 54 dias, os bebês já são apresentados à outra fonte de alimentação. “É preciso mudar o cenário que faz lactentes estarem consumindo outro leite que não de suas nutrizes: a naturalização da dor ao mamar, a simplificação do “mamar bem” como o “bebê com boca de peixinho”, o uso de chupetas e mamadeiras desde o nascimento, a crença nos mitos de que o leite de outros mamíferos é mais forte que o da nutriz, que o leite nos seios é pouco ou fraco e não sacia o recém-nascido e a necessidade de complementar a alimentação do bebê com fórmulas, ao invés de investir em técnicas e instrumentos amigos da amamentação”.
A doula argumenta que a amamentação apresenta benefícios a curto, médio e longo prazo na vida das pessoas. “Bebês que são amamentados exclusivamente até os seis meses têm menos chances de desenvolver alergias, infecções respiratórias, obesidade e hipertensão, além de ser importante na redução da mortalidade infantil na primeira infância”.
Malu Moraes recupera que diz que esclarece que essa mortalidade se dá devido às condições de saneamento, higiene e alimentação adequada. “É comum ver em famílias mais vulneráveis o consumo de alimentos impróprios para bebês menores de seis meses, como mingau e sopa, além do preparo de leite com água imprópria para consumo, levando a quadros de desinteria e desidratação”.
A doula destaca que bebês não-brancos, assim como suas mães e pais, são as maiores vítimas de violência institucional que engloba uma negligência no atendimento de saúde. Além da precariedade dos serviços, como a falta de recursos e estruturas, a atenção aos sintomas e queixas são alarmantes também, na visão dela.
“Mulheres não-brancas recebem menos atenção às alterações de pressão arterial, sendo as maiores vítimas de mortes evitáveis por hipertensão, pré-eclâmpsia e eclampsia. Também recebem menos analgesia e mais intervenções violentas e desmedidas com “justificativa” de que “aguentam mais dor”, comentários que remetem aos tempos da escravidão”, recupera a educadora.
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Na concepção de Malu Moraes, o racismo que permeia as esferas sociais não fica de fora quando se fala da assistência ao parto e ao recém-nascido. “Quanto mais retinta a pessoa é, quanto mais vulnerável financeiramente, quanto mais filhos a genitora tem, se está sem o genitor, se é uma família LGBTQIA+, se tem menos de 18 anos ou mais de 35, tudo isso intensifica as violências que as famílias vivem com seus filhos no parto e na assistência após seu nascimento”.
Para a doula, temos boas leis no Brasil que não são aplicadas corretamente. Contudo, o sucateamento do SUS, a negação à ciência e às evidências científicas são grandes oponentes de uma assistência de qualidade.
“Seria bom atualizar as diretrizes de assistência e os manuais que orientam a atuação profissional daqueles que atuam na saúde, seguindo as atualizações internacionais e estudos científicos de qualidade. Além disso, investir na obrigatoriedade de uma atualização profissional massiva e pensar na regularização e reconhecimento nacional da atuação da doula”, defende.
Malu Moraes avalia que os últimos quatro anos trouxeram mudanças significativas no cenário obstétrico. “No governo bolsonarista foi reforçado o desmonte dos serviços de saúde, com impactos específicos também à saúde da gestante e recém-nascido. A tentativa de naturalizar as violências obstétricas e neonatais, tentativas de cercear o direito de gestantes à recusa terapêutica e deslegitimar o plano de parto e a falta de investimento nas maternidades. Diante disso, além da aplicação e monitoramento adequados, vale pensar no retorno da Rede Cegonha [pacote de ações para garantir o atendimento de qualidade, seguro e humanizada para todas as mulheres] e o reconhecimento e enfrentamento da violência obstétrica e neonatal”, reivindica a doula para o Lula 3.
Ações estratégicas
Em resposta a esta apuração jornalística, a assessoria da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa, responsável pela gestão da Maternidade Cândida Vargas, disse que a unidade de saúde adota ações estratégicas que almejam reduzir os óbitos por causas evitáveis e garantir uma gravidez, parto e nascimento saudáveis.
Entre outras ações e estratégias, pretende-se parametrizar, estratificar e classificar as crianças para, dessa maneira, realizar o acompanhamento mais adequado com encaminhamento aos centros de referência.
Ações estratégicas da Maternidade Cândida Vargas para reduzir número de óbitos de recém-nascidos por causas evitáveis
1- Treinamento técnico para os profissionais que atuam diretamente no parto, como capacitações em reanimação neonatal para médicos e os profissionais não médicos que auxiliam na reanimação neonatal, a cada dois anos.
2 – O método canguru, que visa humanizar a assistência ao prematuro, inserindo as mães dentro da UTIN (Unidade de Terapia Intensiva Neonatal), para compartilhar o cuidado com o prematuro, respeitando o aleitamento materno e o contato com a família.
3 – A mãe participa do tratamento através do contato pele a pele na UTIN, nos cuidados intermediários e no acompanhamento ambulatorial a cada dois dias, tendo como lema o aleitamento materno exclusivo.
4 – Fortalecimento do acesso precoce ao pré-natal, ao parto, ao puerpério e ao planejamento reprodutivo, com a opção de inserir o DIU no pós-parto imediato e através de exames e acompanhamento da mulher.
5 – Fortalecimento da puericultura como forma de acompanhamento do crescimento e desenvolvimento infantil e direcionamento aos centros de referência quando necessário.
6 – Fortalecimento do programa de imunização para que as mães compreendam a importância de manter a carteira de vacinação em dia, bem como a utilidade desses imunizantes ofertados gratuitamente.
7 – A maternidade apresenta o título de Hospital Amigo da Criança e da Mulher. Nesse sentido, está em sincronia com os 10 passos de sucesso do aleitamento materno.
8 – Realização do Comitê de Mortalidade Materno Infantil (CMMI), regulamentado pela Portaria n° 1.798/1998, composto por uma equipe multidisciplinar, com a finalidade de investigar todos os óbitos maternos, infantis e fetais, visando identificar e recomendar a correção de falhas, bem como propor e apoiar temas para a capacitação dos profissionais de saúde envolvidos na assistência à gestação, parto, puerpério, saúde da criança e da mulher.
9 – Estratégia de controle de infeção hospitalar na UTIN, com monitoramento das lavagens de mão, medidas de prevenção a pneumonia associada à ventilação mecânica e medidas para evitar infecção associada à contaminação da corrente sanguínea.
10 – Triagem neonatal das cardiopatias congênitas, envolvendo o teste do pezinho associado ao ecocardiograma de triagem no leito, realizada pelo neonatologista e com consultoria por telemedicina pelos cardiologistas pediátricos.
Conheça os 10 passos de sucesso do Aleitamento Materno (AM)
Macropolíticas
Também em resposta à reportagem, a assessoria da Secretaria Municipal de Saúde de João Pessoa recuperou que, historicamente, o Brasil vem assumindo compromissos e estratégias para melhorar seus indicadores de saúde, como, por exemplo, o “Pacto pela Vida”, em 2006, que tinha como uma de suas prioridades a redução da mortalidade infantil no país.
Outro compromisso apontado pela pasta, dessa vez com as Nações Unidas, foi “Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio”, que tinha como meta 04 a redução da mortalidade infantil até o ano de 2015.
Com o fim da era dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, a secretaria destaca que as Nações Unidas firmaram um novo compromisso, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e, novamente, a redução da mortalidade infantil foi um compromisso entre os países.
“O objetivo é até 2030 acabar com mortes evitáveis de recém-nascidos e crianças menores de cinco anos, com todos os países visando reduzir a mortalidade neonatal a índices baixos, como 12 mortes por mil nascidos vivos. A mortalidade infantil é um importante indicador de saúde e condições de vida da população. Com o cálculo da sua taxa, estima-se o risco de um nascido vivo morrer antes de chegar a um ano de vida”, afirma a nota.
Para detalhar melhor as causas e saber qual as ações que deve ser desenvolvida, a medição destas taxas é dividida em três componentes: componente neonatal precoce, que vai de 0 a 6 dias de idade; componente neonatal tardia, que vai de 7 a 28 dias de vida;
E componente pós neonatal que avalia de 28 dias a mais.
Mais recentemente, a Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) aprovou, em sessão híbrida no dia 17 de novembro do ano passado, o projeto de Lei 3.312/2021, que cria o Programa Paraíba Primeira Infância, com o objetivo de estimular os cuidados materno-infantil e com a convivência familiar e a diversão, através de ações de saúde, assistência social, de incentivo ao esporte e à cultura, assim como medidas de educação infantil que favoreçam o acesso e a oferta de vagas em creches e pré-escolas.
Em 28 de março do mesmo ano, foi criada a Rede Primeira Infância da Paraíba, com o intuito de gerar o debate permanente em âmbito estadual para apresentação de temáticas, propostas e incidência, de modo a garantir a criança como prioridade absoluta, conforme preconizado no art. 227 da Constituição Federal de 1988.
Um pouco tempo depois, em 24 de maio, a Prefeitura Municipal de João Pessoa assinou minutas que pretendem tornar o Plano Decenal de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e o Plano Decenal de Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes em leis, passando a ser uma política municipal.
No Brasil, o Programa Criança Feliz foi instituído por meio do Decreto nº 8.869, de 5 de outubro de 2016, e alterado pelo Decreto nº 9.579, de 22 de novembro de 2018, de caráter intersetorial e com a finalidade de promover o desenvolvimento integral das crianças na primeira infância, considerando sua família e seu contexto de vida.
Alinhado ao Marco legal da Primeira Infância, de 2016, o programa traz as diretrizes para a formulação e a implementação de políticas públicas para a primeira infância, em atenção à especificidade e à relevância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento infantil e no desenvolvimento do ser humano.
Na América Latina e no mundo, antes do estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pelas Nações Unidas em 1989 e ratificada por todos os países da América Latina, estabeleceu o direito a todas as crianças ao pleno desenvolvimento de seus potenciais, e esse constitui o principal argumento pelo qual é necessário avançar em matéria de políticas de desenvolvimento infantil.
* Pedro Paz é jornalista e doutorando em Antropologia pela UFPB e produziu esta reportagem por meio do Fellowship de estudos e reportagem sobre a primeira infância para jornalistas sediados no Brasil e demais países da América Latina, no âmbito da Iniciativa “Investigações sobre Primeira Infância: Cobrindo Trauma, Resiliência e o Cérebro em Desenvolvimento”, um programa de treinamento plurianual do Dart Center para melhorar a cobertura de notícias sobre o desenvolvimento da primeira infância em todo o mundo, patrocinada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (Brasil), Fundação Bernard van Leer (Holanda) e The Two Lilies Fund (Estados Unidos).